CAPÍTULO 20

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Passava das seis quando Daniel chegou em casa de Gabriel. Lanira ainda estava lá tentando confortar Laura, que entrará em terrível depressão. Para ela, era difícil suportar a idéia da vergonha, da perda da posição de destaque que ocupavam na sociedade, do dinheiro e do poder.
Havia momentos em que voltava a dizer que todos estavam enganados e que seu pai haveria de aparecer com provas para desmascarar toda aquela farsa que estava sendo urdida contra ele.
Nesses momentos. Gabriel procurava convencê-la da inutilidade de conservar aquela ilusão. Ele tinha provas de que tudo quanto Alberto afirmara em juízo era verdade. Quando Daniel entrou na sala onde os três estavam, ela o olhou com raiva e gritou:
- O que ele está fazendo aqui? Veio tripudiar sobre. Nossa vergonha? Vangloriar-se da lama que está atirando sobre nossa família?
Apanhado de surpresa, Daniel não respondeu. Foi Gabriel quem disse:
- Cale-se, Laura. Você não sabe de nada. Mamãe corre perigo e Daniel está tentando nos ajudar a encontrá-la.
- Ela nunca correria perigo ao lado de papai. Vocês estão todos loucos.
- Ela só soube agora e ainda está em estado de choque - disse Gabriel. Voltando-se para Laura, continuou: - É melhor ir para seu quarto. Tenho que conversar com Daniel.
- Não. Quero ficar e escutar tudo que vão dizer. Você acreditou em tudo porque não gosta de papai. Eu sei que você tem raiva dele.
- Você não sabe o que está dizendo. Se quer ficar, fique, mas se não ficar calada ponho-a para fora da sala. O assunto é muito sério e não temos tempo a perder. Sente-se, Daniel, e diga. Tem alguma notícia deles?
- Por enquanto, não. Jonas está tentando. Esteve conversando com Bóris, que lhe deu algumas informações. Alguns dados sobre contas bancárias no exterior e sobre quem lhe teria fornecido passaportes falsificados. Nesta hora Jonas já deve ter feito contato com o falsário. Pode pelo menos saber os nomes que eles devem estar usando.
Laura, atenta, não perdia nada do que eles diziam e começou a sentir que realmente algo de muito grave estava acontecendo. Tudo aquilo seria verdade?
- Como foi a audiência? - indagou Lanira com interesse.
- Bem, levamos a confissão de Bóris e isso certamente deu força para resolver tudo. Como prevíamos, Eleutéria não compareceu e assim Jonas teve o pretexto para prendê-la. A polícia vai trazê-la de São Paulo, pelo menos para prestar declarações. O juiz ficou impressionado com a confissão de Bóris. Vai estudar os autos, dar a sentença quanto ao reconhecimento de Alberto como sendo Marcelo Camargo. Depois, vai abrir um processo-crime para apuração de todos os fatos relatados na confissão de Bóris. Aguarda apenas a conclusão do inquérito para isso.
- Ela ficará presa? - indagou Gabriel.
- Pouco tempo. Ainda não temos como prendê-la. Não tem ainda culpa formada e mesmo que tivesse é primária. Mas isso não importa. Durante o processo, sua culpa será provada e ela terá que responder pelo que fez.
- Se ficar em liberdade, ela pode tentar fugir - disse Lanira.
- Não conseguirá. A polícia está vigiando seus passo. Seria detida se tentasse deixar o país.
- Como conseguiram arrancar a confissão de Bóris? - perguntou Gabriel.
- Quando ele soube que seu patrão havia fugido, ligou para o advogado. O Dr. Eugênio abandonou o caso, alegando que quando assumiu desconhecia a culpabilidade do cliente. Em vista das provas contrárias ao que seu cliente lhe dissera, ele julgava no direito de recusar-se a continuar defendendo-o. Estava pronto a subestabelecer a procuração. Então Bóris teve uma crise de raiva. Sentou-se traído, abandonado, e contou tudo.
- Vocês acreditaram! - gritou Laura com raiva. - Ele, sim , é culpado. Papai fugiu de medo dele. Garanto que quem fez tudo foi ele.
- Ele não merece a confiança de ninguém - interveio Gabriel - mas nunca faria tudo sozinho. O que foi que ele contou?
- Sua confissão foi além de nossas expectativas. Disse coisas muito graves, que, se confirmadas, darão ao caso novas dimensões.
- O que foi que ele disse?
- Como Laura sugeriu - respondeu Daniel - e, ele pode estar mentindo para vingar-se do Dr. José Luís. Portanto, vamos aguardar as investigações da polícia.
- Você está querendo nos poupar - tornou Gabriel, preocupado. - Sei que Bóris é perigoso, mas também sei que eles agiam de comum acordo. Ele pode estar dizendo a verdade. O que mais ele confessou?
- Deixemos isso para mais tarde. É melhor.
- Não, Daniel. Temos o direito de ser informado de tudo. Por favor. Conte-nos a verdade.
Daniel respirou fundo e depois decidiu:
- Está bem. Ele contou que o acidente que matou os pais de Marcelo foi provocado e que a morte do Dr. Camargo não foi natural.
Gabriel deixou-se cair em uma poltrona sem encontrar palavras para responder. Lanira interveio:
Trata-se apenas de uma hipótese. Bóris não merece crédito.
- Tudo é possível - tornou Daniel. - Em todo caso, a polícia vai investigar. A verdade vai aparecer.
Gabriel passou a mão pela testa em um gesto desesperado. A situação poderia ser pior do que ela imaginara.
- Tantos crimes por causa de posição, dinheiro! E pensar que minha mãe está nas mãos dele! Temos que encontrá-la. Cada minuto pode ser precioso.
- Bóris disse que ele é apaixonado por D. Maria Júlia. Não terá coragem de fazer nada contra ela - disse Daniel.
- Só sei que a vida inteira ele a atormentou. O que você diz pode ser verdade, mas quando penso que ela está contra a vontade ao lado dele, fugindo, sinto um aperto no peito. É como se ela estivesse correndo perigo iminente.
- Acalme-se - tornou Lanira. - Logo eles serão encontrados e ela estará de volta, você vai ver.
Laura olhava-os, pálida, sem saber o que dizer, em que acreditar. Aquilo só podia ser um pesadelo. Logo ela iria acordar e tudo estaria como antes.
Daniel levantou-se dizendo:
- Preciso ir. Se tiver alguma notícia, telefono. Você fica, Lanira?
- Só mais um pouco. Mamãe está me esperando. Papai está viajando e ela se sente muito só. Você tem andado muito ocupado. Mas se puder, passe lá para vê-la. Ela iria ficar muito feliz.
Daniel olhou para a irmã surpreso. Ela nunca se incomodara em fazer companhia para mãe. Mas não disse nada. Despediu-se e saiu. Aquela noite pretendia encontrar-se com Lídia. Apesar de sua angústia que do pensava em Alberto, ele estava disposto a seguir os conselhos de tia Josefa e entregar-se ao amor completamente.
Alberto chegou em casa pensativo. Finalmente estava conseguindo tudo quanto desejara na vida. Logo deixaria de ser filho de pai desconhecido e de mãe solteira e assumiria seu nome verdadeiro. Teria dinheiro, seria respeitado.
Entretanto, apesar de todo o esforço para chegar até ali, não se sentia realizado completamente. Em seu peito havia um vazio que lhe parecia difícil de preencher. Quem lhe devolveria os dias de convivência familiar que ele perdera, o aconchego do avô querido, a companhia de amigos que ele nunca tivera?
Ele seria rico, respeitado, mas seria feliz? Poderia reconstruir sua vida, esquecer a tragédia que vitimara seus entes querido?
Durante anos ele se alimentará da esperança de desmascarar seus inimigos, de recuperar o que lhe fora tirado, mas agora, que não tinha mais nada para lutar nem para escapar, como seria sua vida?
A tão esperada vitória não lhe proporciona a alegria esperada. Ao contrário. Naquele instante sentiu que a tristeza tomava conta de sua alma, e, colocando a cabeça entre as mãos, deixou que as lágrimas corressem por suas faces livremente. Ele chorava a perda dos entes queridos, os anos de orfandade sem carinho nem aconchego, os momentos de incerteza e de dúvida, que embora tentasse esquecer ainda o machucavam.
Pensou em Lanira. Gostaria de tê-la ali, naquela hora. Havia tanta vida nela que a seu lado ele se renovava. Sentia vontade de viver, de ficar de bem com a vida. Ela estaria apaixonada por Gabriel?
Que bom se ele pudesse estar com ela, dividir seus sentimentos e suas incertezas. Nunca sentirá vontade de confidenciar seus problemas a ninguém, mas com Lanira era diferente. A seu lado tudo se modificava.
Apanhou o telefone e ligou para casa de Lanira. Maria Alice atendeu. Ela não estava Alberto desligou desanimado. Ela estava ao lado de Gabriel. Nem sequer se interessar em falar com ele sobre a audiência.
Tentou reagir. Sentou-se em sua poltrona favorita, apagou a luz e deixou-se ficar na penumbra. Sentia-se só naquele momento tão importante de sua vida. Recostou-se e aos poucos foi relaxando.
De repente percebeu uma claridade à sua frente e viu-se diante do espírito de seu avô. Quis falar, mas não conseguiu. Os olhos dele o fitavam com imenso carinho. Aproximou-se, passando ligeiramente a mão sobre seus cabelos. Depois disse:
- Por que se atormenta, meu filho? Agora que tudo está se resolvendo e sua vida vai tomar um rumo definido, é hora de ser feliz. Não deixe que o passado o atormente. Ele está morto e nunca mais voltará. Daqui para a frente você vai viver uma nova vida. Por que escolhe a tristeza e a infelicidade? Tudo acabou. Dentro em breve os culpados estarão respondendo por seus atos perante a justiça dos homens e de Deus. Não permita que as mágoas do passado machuquem seu coração e pertubem sua vida. Perdoe. Esqueça. Liberte-se da dor. Deixe o passado ir embora.
Alberto pensou:
- Eu gostaria de esquecer. Como seria bom se pelo menos você pudesse estar aqui comigo! Estou me sentindo tão só!
- Não se deixe envolver pelo vitimismo. Note como você tem sido protegido pela vida. Frente a criminosos da pior espécie, sua vida foi poupada. Teve estudos, conviveu com pessoas boas e cultas, aprendeu muitas coisas. O patrimônio que me esforcei para deixar a você agora vai ser colocado em suas mãos. É jovem, saudável. Tem uma vida proveitosa e feliz pelo frente. Não destrua suas possibilidades lamentando o passado.
- Bóris confessou que o acidente que matou meus pais foi provocado por eles. Que José Luís envenenou-o! Como esquecer o que eles fizeram?
- Quem está contra a vida só atrai infelicidade. Eles começaram a experimentar os resultados de suas atitudes. Você não fez mal algum. Não se envenene com a maldade deles. Liberte-se delas, perdoando-os.
- Como posso fazer isso? Eu amo vocês e não me conformo com o que lhes fizeram.
- Gostaria que soubesse que no universo não existe vítima. Cada um responde pelas escolhas que faz.
- Não concordo! Eles são maus.
- Ainda são. Mas poderiam ter escolhido outras pessoas para praticar suas maldades. Por que nós escolheram? Por que a vida permitiu que eles nos atingissem?
- Não sei.
- Por que todos nós precisávamos enfrentar esse desafio, essa dura experiência. Dela, todos sem exceção estamos extraindo preciosos conhecimentos. Por isso, aceitemos o que a vida nos deu e procuremos tirar proveito.
- É difícil.
- Basta querer. Você terá ainda que prestar declarações na justiça, mas tudo será esclarecido. Chegou a hora da verdade. Nada nem ninguém conseguirá impedir. Mas preciso pedir-lhe que não se deixe envolver pelo ódio nem pela vingança. Os criminosos são prisioneiros da própria maldade. Entregue seus ressentimentos, suas mágoas a Deus e depois desse julgamento trate de esquecer. Garanto que assim poderá desfrutar de uma vida feliz e harmoniosa, por um largo período de tempo.
- Sinto-me muito só.
- Não será sempre assim. Se ficar no bem, pessoas sinceras e amigas virão a seu encontro. Depende só de você.
Lágrimas corriam pelas faces de Alberto e ele tornou:
- Como você é nobre! Depois do que lhe fizeram, ainda tem forças para perdoar!
- Esse é o segredo de minha paz. Há muito deixei de brigar com a vida ou com as pessoas. Quando me machuco com o que elas fazem, procuro descobrir que atitude minha está em mim. Quando saio do equilíbrio, fatos desagradáveis acontecem. Quando volto ao equilíbrio, tudo à minha volta fica bem.
- Eu estou desequilibrado, nervoso. Como posso ficar bem?
- Esquecendo o mal, seja de quem for.
- Não posso me omitir. Terei que acusá-lo no tribunal.
- Terá. É uma questão de ser verdadeiro. Mas faça isso sem ódio. Relate os fatos e deixe que a justiça faça o resto. Se conseguir, se sentirá bem. Toda a sua angústia passará. Ninguém pode ficar equilibrado conservando a mágoa, a raiva, a sensação de injustiça no coração.
- E isso que estou sentindo. Essa injustiça me fere.
- O sentimento de injustiça aparece por nossa incapacidade de conhecer a verdade integral dos fatos. Pense nisso e não se aventure a julgar. Quando estiver amadurecido e esse conhecimento chegar, tenho certeza de que se sentirá feliz por haver perdoado e esquecido. Ainda uma coisa: lembre-se que cada um só dá o que tem. Não espere dos outros o que ainda não têm para dar. Por isso não exija o impossível e compreenda. Aqueles dois ainda estão iludidos, desprezando os verdadeiros valores da vida. Certamente devem ficar reclusos para não prejudicarem ninguém mais. Lá terão tempo para pensar e renovar seus valores. Entretanto, esse é um problema deles. Você não tem culpa de nada e não deve carregar o peso desses crimes. Entendeu?
- Entendi. Tentarei.
- Agora vou tentar ajudá-lo. Pense em Deus e firme o propósito de renovar sua mente. Peça-lhe que o ajude a esquecer o passado e ficar só no bem.
Alberto respirou fundo e obedeceu. O espírito do avô colocou a mão sobre a testa dele e orou. Seu peito iluminou-se e uma luz suave começou a envolvê-los. Enquanto ele orava, essa luz foi crescendo até iluminar toda a sala.
As lágrimas continuavam descer pelas faces de Alberto, mas aos poucos sua angústia foi desaparecendo e elas pararam. Ele começou a sentir-se muito bem. Uma brisa leve e perfumada como que o acariciava e ele a aspirava gostosamente.
Então ouviu uma voz suave de mulher dizer:
- Meu filho! Deus o abencõe!
Alberto abriu os olhos na tentativa de ver quem estava falando, mas não havia ninguém. Seu avô tinha desaparecido.
De repente, todo o seu mal-estar havia passado. Em lugar do vazio no peito, sentia uma alegria agradável e a sensação de que nada de mal lhe aconteceria. Pensou em Lanira. Não podia se considerar derrotado por Gabriel ainda. Envolvido pelos problemas que colocará como prioridades em sua vida, não quisera se envolver afetivamente com ninguém. Dali para a frente, tudo poderia mudar.
Dentro em breve, teria todo o tempo do mundo para conquistá-la. Naquele instante ele percebeu o quanto desejava isso.
No dia seguinte, pela manhã, Daniel e Rubinho foram à delegacia. Marques contou-lhe que deixará Eleutéria passar a noite na cadeia dizendo que a deveria ficar lá aguardando o momento em que o juiz a ouviria.
Não conseguindo libertá-la, seu marido ficará de trazer um advogado no dia seguinte e ainda não havia chegado.
- Já a interrogou? - perguntou Rubinho.
- Eu tentei. Mas ela se recusa a falar antes de ver seu advogado. Não posso fazer nada. Foi Daniel quem indagou:
- Mostrou a ela a confissão de Bóris?
- Sim. Ela de vermelha ficou branca, aterrorizada.
- Não vai poder detê-la por muito tempo - lembrou Rubinho.
- Com relação a audiência, não. Mas posso segurá-la um pouco mais para prestar declarações. Há o inquérito que estou formalizando em que ela aparece como suspeita.
- Devemos aproveitar para falar com ela antes de o advogado chegar - tornou Daniel.
- Podem ir. Mas acho que não vão conseguir nada.
Os dois entraram na sala onde Eleutéria estava e apresentaram-se como advogados de Marcelo Camargo. Ela teve ligeiro sobressalto que eles perceberam, mas nada disse. Foi Rubinho quem falou:
- Não adiantou nada você não comparecer para depor no processo. Temos provas de que foi você quem simulou aquele acidente e substituiu o corpo do menino. De nada adianta ficar calada, esperando seu advogado. Alberico contou tudo com detalhes antes de morrer e esse documento está registrado em cartório. Além disso, sua casa estava sob controle policial. Tudo que você e seu marido conversavam lá está gravado. Portanto não adianta negar. Sua culpa está provada.
- Isso não é verdade - disse ela com voz que tentava tornar firme. - Vocês estão me enganando.
- Viemos conversar porque, se você confessar tudo, poderemos ajudá-la e diminuir sua pena - contrapôs Daniel.
- É isso que vocês querem. Eu sei. Estão perdendo tempo.
- Quem está perdendo tempo e agravando sua situação é você. Bóris já confessou e Marcelo está decidido a ir até o fim na apuração dos fatos. O juiz já determinou à polícia as investigações, porque, além do que fizeram a Marcelo, há outros três crimes. O Dr. Camargo foi envenenado; os outros dois, assassinados. Se não contar a verdade, responderá também por todos eles. Nunca mais sairá da cadeia- lembrou Rubinho.

O ADVOGADO DE DEUSOnde histórias criam vida. Descubra agora