CAPÍTULO 19

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Gabriel chegou em casa pensando na conversa que tivera com Lanira. Sabia que ela estava dizendo a verdade. Se o amasse, casar-se-ia com ele em qualquer situação. Subiu as escadas e bateu no quarto da mãe. Não obteve resposta. Girou o trinco, mas a porta estava fechada a chave. Ficou preocupado. Ela nunca fechava a porta a chave enquanto ele estava fora, principalmente depois que Bóris havia sido preso.
Ele nunca ia dritar-se sem antes ver como ela se sentia. Bateu várias vezes sem obter resposta. Alguma coisa havia acontecido. Talvez ela estivesse se sentido mal e não tivesse tido tempo de chamar ninguém.
Os quartos dos empregados ficavam fora da casa. Vendo que não obtinha resposta, foi até o quarto da arrumadeira e bateu várias vezes. Esperou que ela entreabrisse a porta assustada:
- O que foi? Aconteceu alguma coisa?
- Aconteceu, sim, Jazilda. Você tem a chave do quarto de minha mãe?
- Não. D. Maria Júlia nunca fecha a porta a quando eu tenho que arrumar.
- Sabe onde estão as chaves de reserva da casa?
- Acho que no escritório do Dr. José Luís.
Sem esperar mais, Gabriel foi ao escritório do pai, abriu a porta e começou a procurar. Como não encontrou foi até o quarto do pai e bateu. Não obtendo resposta, girou a maçaneta. Felizmente estava aberta. Porém José Luís não estava lá. A cama não fora desfeita. Gabriel olhou o relógio. Passava dá uma. Onde teriam ido? As gavetas da escrivaninha estavam fechadas a chave. Angustiado, Gabriel sentiu um aperto no coração. O que teria acontecido?
A camareira havia se vestido e apareceu na porta olhando-o curiosa. Vendo-a, Gabriel pediu:
- Ajude-me, Jazilda. Aqui aconteceu alguma coisa muito séria. Sinto que a vida de minha mãe corre perigo.
- E o Dr. José Luís?
- Não está. Ajude-me a procurar a chave do quarto dela. Temos que abrir aquela porta o quanto antes.
Ela começou a busca. Gabriel foi à cozinha, apanhou uma faca de ponta, foi até a escrivaninha e tentou abrir as gavetas. Finalmente conseguiu. As chaves não estavam lá. Foi abrindo as outras e finalmente encontrou uma caixa cheia de chaves. Apanhou-a e foi até o quarto de Maria Júlia, experimentando uma a uma. Finalmente encontrou, ela girou e a porta abriu. Porém o quarto estava vazio. Maria Júlia havia desaparecido.
- Não pode ser - disse Gabriel nervoso. - Você viu alguma coisa? Viu se ela saiu com meu pai?
- Não vi, não, senhor. Depois do jantar ajudei a arrumar a cozinha e fomos nos deitar. Vai ver que ela saiu com o doutor para fazer algum passeio. Logo estarão de volta - respondeu ela querendo acalmá-lo.
Gabriel não sabia o que fazer. Se tivesse acontecido alguma coisa, ela não teria saído sem deixar alguma pista para ele. Começou a procurar. Abriu as gavetas, revisou tudo, nada encontrou.
Foi ao banheiro, abriu a gaveta de maquiagem e encontrou um lenço de papel escrito com um lápis preto. Apanhou-o e leu:
"Gabriel, seu pai está fugindo e obrigando-me acompanhá-lo. Está armado. Falou em aeroporto. Não sei para onde vamos. Assim que puder, escrevo." Notava-se que ela usará esse recurso como medida extrema. Precisava fazer alguma coisa. Pensou na polícia. Ligou para Jonas, rezando para que ele atendesse. Quando ouviu sua voz do outro lado do fio, sentiu um pouco de alívio:
- Jonas, é Gabriel. Meu pai fugiu e levou minha mãe com ele. Temos que fazer alguma coisa. Temo pela vida dela.
- Como soube?
- Minha mãe deixou um bilhete no banheiro escrito com crayon. Diz que ele está armado e falou em aeroporto.
- Tudo bem. Agora mesmo vou me comunicar com os aeroporto. Vamos ver se conseguimos pegá-los.
- Ele está desesperado e com raiva dela. Pode querer vingar-se. Tenham cuidado. Ele tem uma arma.
- Tomaremos cuidado. Fique calmo. Sei como fazer.
- Acho que vou até a delegacia. Estou muito nervoso.
- E melhor ficar aí. Ela pode encontrar um jeito de se comunicar com você. Se eu tiver qualquer notícia, aviso.
- Está certo.
Jazilda aproximou-se de Gabriel dizendo:
- Vou fazer um chá para você. Está pálido. Vai ver que não aconteceu nada logo estarão de volta.
- Não quero nada, não. Pode ir deitar.
- Eu vou. Se precisar, chame-me.
Ela saiu e Gabriel pensou em Lanira. Estaria dormindo? Apanhou o telefone e ligou. Ela atendeu:
- Gabriel? O que foi?
- Acordei você?
- Não. Fiquei conversando com mamãe e iria deitar-me agora. Gabriel contou-lhe o que tinha acontecido e finalizou:
- Falei com Jonas e a está hora ele já está tentando localizá-los.
- Avisou Daniel?
- Não. Ele deve estar dormindo. E não vai poder fazer nada uma hora dessas. Acho melhor esperar amanhecer.
- Está certo. Mas se precisar nós os chamaremos. Estou pensando em uma coisa.
- O quê?
- Vou ligar para tia Josefa.
- É tarde. Não vamos incomodá-la. Sabe o que eu penso? Nós podemos falar com os bons espíritos e pedir ajuda.
- Tem certeza?
- Tenho. Eu vou desligar e rezar aqui. Você faça o mesmo.
- Quero que me prometa uma coisa. Depois de rezar, se não puder dormir, ligue novamente.
- Por mais que sinta vontade de ficar conversando com você, não farei isso. Você precisa dormir, e, depois, minha mãe pode querer se comunicar e tenho que deixar o telefone desligado.
- Eu compreendo. Mas quero que saiba que estarei pensando em você. Tenho certeza de que tudo vai dar certo. Qualquer notícia, me ligue seja a hora que for.
- Ligarei. Um beijo e obrigado.
Lanira desligou e ia deitar-se quando Maria Alice entreabriu a porta perguntando:
- Telefone a esta hora? Quem era?
- Gabriel.
Em poucas palavras Lanira contou o que havia acontecido, ao que Maria Alice comentou:
- Eu também vou rezar para eles. A fé quando sincera é muito poderosa. Quem sabe eu também possa aprender como é isso.
Lanira sorriu e deitou-se. Apesar dos problemas de seus pais, ela sentia que eles estavam tendo uma chance de mudar e melhorar sua maneira de viver. Gabriel estirou-se na cama, ao lado do telefone no quarto da mãe, e rezou pedindo ajuda espiritual. Apesar disso, sentia-se inquieto. Por que saíra de perto dela? Para abandonar tudo e fugir, seu pai deveria ter perdido qualquer esperança de reverter a situação. Ele era orgulhoso. Nunca aceitaria a humilhação, o descrédito, a prisão. Planejara a fuga e certamente tinha recursos no exterior. Como não pensara nessa possibilidade? Por que arrastaram Maria Júlia com ele contra a vontade? Talvez na tentativa de incriminá-la também. De dividir a responsabilidade.
Sentiu uma onda de rancor contra ele. Nunca haviam se dado bem. Não havia nenhuma afinidade entre eles. Desde muito cedo Gabriel fazia tudo para fugir de sua companhia. Percebia claramente o quanto ele controlava sua mãe, sufocando-a com suas exigências, usando-a para representar em sociedade o papel do marido exemplar, do pai de família extremoso. Ele sabia que era tudo fingimento.
Sempre que podia, atormentava Maria Júlia, cuja passividade sempre o deixava irritado. Por que ela não reagia? Percebia claramente que ela tinha medo do marido. Era uma mulher forte e determinada em muitas coisas, só com ele anulava-se e tornava-se passiva. Vários vezes questionaram isso com ela ficava muito triste depois dessa conversa, ele se continha.
As horas foram passando, o dia já estava clareando, e nenhuma notícia. Gabriel levantou-se e começou a andar pelo quarto. Jazilda apareceu na porta dizendo:
- Nenhuma notícia?
- Nada. Você não observou nada ontem depois que eu saí? Não ouviu nenhuma conversa entre eles, nem viu quando eles saíram?
- Não D. Maria Júlia se recolheu logo depois do jantar. Eu ajudei Dermina com a cozinha. O Dr. José Luís estava no escritório. Bati na porta e perguntei se ele precisava de alguma coisa, como sempre faço antes de dormir.
- A que horas foi isso?
- Umas dez.
- Ele abriu a porta, isto é, estava lá?
- Sim. Como sempre. Disse que eu podia me deitar e que não precisava de nada.
- Você notou alguma coisa diferente nele?
- Não. Estava como sempre. Aí eu vi se estava tudo fechado e fui me deitar. Estava cansada e peguei logo no sono. Acordei quando você bateu na porta. Gabriel suspirou pensativo. Jazilda continuou:
- Você passou a noite em claro. Vou preparar um bom café.
- Estou sem fome.
- Se aconteceu algum acidente com eles, você tem que estar firme. Precisa alinentar-se. Gabriel olhou mas não respondeu. Ela saiu e ele olhou no relógio. Eram quase sete horas. O telefone tocou e ele atendeu de um pulo. Era Lanira:
- Alguma notícia?
- Nada. Estou muito aflito. O que estará acontecendo?
- Vou ligar para o Daniel.
- Faça isso. Jonas pediu para eu ficar aqui. Não estou agüentando mais. Precisamos fazer alguma coisa.
- Deixe comigo. Viu falar com Daniel. Ele irá atrás de Jonas para saber como estão as coisas.
Lanira desligou e ligou para Daniel e relatou o que estava acontecendo. Ele deu um pulo da cama dizendo:
- Por que não me avisaram?
- Gabriel avisou Jonas. Ele já deve ter tomado providências. Pediu o Gabriel que ficasse em casa. D. Maria Júlia pode ligar.
- Vou avisar Rubinho. Iremos imediatamente à delegacia ver quais as providências que foram tomadas.
- Vou até a casa de Gabriel. Ele está muito nervoso. Teme pela vida da mãe.
- Diante do que sabemos a respeito, ele pode ter razão. Um homem que faz o que ele fez com uma criança, é capaz de qualquer coisa.
- Quando estiver na delegacia, ligue para a casa de Gabriel. Estaremos esperando. Mesmo que não tenha nenhuma novidade. Ele precisa saber que vocês estão se movimentando.
- Está certo. Pode esperar.
Daniel desligou o telefone e acordou Rubinho, colocando-o a par do que havia acontecido. Resolveram ir imediatamente à delegacia.
Quando chegaram lá, o Dr. Marques já havia chegado. Vendo-os, foi logo dizendo:
- Parece que o pássaro bateu asas. Jonas me ligou logo cedo.
- Sabe se ele conseguiu alguma pista?
- Ainda não. Só sei que ele mobilizou homens e estão investigando. A audiência não é hoje?
- É - respondeu Rubinho.
- Para vocês foi até melhor. Quer maior confissão do que a fuga?
- Ele obrigou a esposa a segui-lo contra a vontade. Estava armado - esclareceu Daniel.
- Vai ver que é cúmplice. Vocês podem estar se preocupando sem razão.
- Não é, não. Temos certeza de que ela é inocente. Tem sido vítima do marido e ameaçada por ele o tempo todo. Seu filho está muito preocupado. Ele garante que a mãe corre perigo - completou Rubinho.
- Se ela não é cúmplice, corre mesmo. Sabe demais.
- Seria bom interrogar Bóris novamente. Ele esperava que o patrão o defendesse. Comi ficará quando souber da fuga? - lembrou o Daniel.
- Bem lembrado. Vou apertar um pouco o homem.
- Ele sabe tudo sobre o Dr. José Luís - garantiu Rubinho. - Parece até que era ele quem comandava o patrão. Mandava e desmandava na casa.
- Chantagem. Vou tratar disso. Olhe Jonas chegando. Jonas entrou na sala e vendo-os foi logo dizendo:
- Eles sumiram. Ninguém viu. Chequei todas as listas de passageiro dos vôos que haviam saído e todos os que saíram depois que estávamos lá. Nada. Pode ser que não tenham viajado.
- Pode ser que tinham usado passaporte falsos - disse Marques.
- Pensando nisso já contatei a Interpol. Precisamos de fotos dos dois. Fiquei de arranjar.
- Vou ligar para Gabriel e pedir - disse Daniel.
- Faça isso. Mandarei um homem buscar.
Daniel telefonou para Gabriel, que atendeu ao primeiro toque.
- Alô.
- Gabriel, até agora nada. Eles desapareceram sem deixar nenhuma pista. Jonas precisa de fotos recentes dos dois para rastrear a busca.
- Vai ver que saíram do país - disse ele nervoso. - Conheço meu pai. Ele não se arriscaria a ficar aqui depois de ter tomado uma atitude dessas.
- É possível que ele tenha viajado com falsa identidade. Acha que ele teria como fazer isso?
- Acho. Vou dar uma busca no escritório dele ver se acho alguma pista.
- Arrume as fotos. Isso é urgente.
- Está bem. Sei onde há algumas. Pode mandar buscar.
Daniel desligou prometendo que ligaria a qualquer notícia. Jonas conversava com o delegado:
- Vamos dar um aperto no malandro. Daniel, que se aproximava, avisou:
- Gabriel disse que sabe onde estão as fotos. Pode mandar buscar. Disse também que vai dar uma busca no escritório dele.
- Vou mandar alguém que possa ajudá-lo nessa busca. Agora vamos ver como Bóris reage à traição do cúmplice.
Marques mandou levar o russo para a sala onde fazia os interrogatórios. Jonas entrou com ele enquanto Rubinho e Daniel em outra sala ouviram a conversa que estava sendo gravada. Ouvir. O delegado dizer:
- Tenho uma péssima notícia para você.
Bóris olhou e não respondeu. Marques continuou:
- Acho melhor abrir o jogo. Seu patrão fugiu ontem à noite levando a mulher sob a mira de uma arma. Desapareceu. Suspeitamos que tenha viajado para o exterior. Abandonou você.
- Vocês estão mentindo. Não acredito em nada disso.
- Ligamos para o advogado dele, que respondeu que não tem nada a ver com ele e muito menos com você. Ele se retirou do caso.
- Isso não é verdade. Quero falar com meu advogado agora.
- Vou fazer-lhe a vontade. Tem aqui um telefone. Pode ligar. Bóris apanhou o telefone que o delegado havia colocado sobre a mesa e discou.
- Quero falar com o Dr. Eugênio... é um cliente dele.
- Alô.
- Doutor Eugênio? É Bóris. Quero que venha aqui agora. O delegado está me contando uma história e eu não acredito.
- Sinto muito Bóris, mas não sou mais advogado do Dr. José Luís. Retirei-me do caso.
- E eu?
- Também. Procure outro. Estou fora.
- Não pode fazer isso comigo!
- Quando aceitei o caso, não sabia tudo a respeito. Vocês mentiram. Tenho um nome honrado a zelar e não posso me envolver em um caso tão desastroso. Passar bem, Bóris. Faça o favor de não ligar mais para minha casa.
Bóris desligou o telefone com as mãos trêmulas. Por mais que tentasse controlar-se, fingir, seu rosto estava pálido, em seus olhos havia um brilho de rancor.
- Acredita agora? - disse Jonas.
- Você está sozinho para levar a culpa de tudo. Não tem ninguém para defendê-lo. Vai pegar muitos anos de cadeia. Aliás, levantamos sua ficha e você cometeu vários delitos usando outras identidades. Chegou a hora de responder por seus crimes.
Bóris trincou os dentes com raiva. Aquele cachorro covarde tinha fugido sem pensar nele. Havia de pagar caro por essa traição.
- Se você confessar tudo que sabe sobre o Dr. José Luís, arranjaremos um advogado para você e tentaremos reduzir sua pena.
- Quando ele desapareceu?
- Ontem à noite.
- Deve ter viajado para o exterior.
- Não estava na lista de passageiros - disse Jonas.
- Ele tinha passaportes falsos.
- Você sabe em nome de quem?
- Não. Ele sabe onde conseguir um e deve ter feito isso. Ele sempre pensa em tudo. Planeja com detalhes e se prepara com cuidado para nada dar errado. A estas horas já deve estar chegando em outro país.
- O que o faz ter tanta certeza? - indagou o delegado.
- Sempre foi o plano dele. Se um dia a coisa estourasse, ele sairia do país, mudaria a identidade e ninguém nunca o encontraria.
- Você precisa cooperar e contar tudo que sabe. Nós temos que encontrá-lo.
- Ele só tem um ponto fraco: a paixão pela mulher. Sempre disse que isso iria levá-lo à loucura.
- Ele a obrigou a ir junto - disse Jonas.
- Ele deixaria tudo, menos ela. Depois, ela sabe muito.
- Gabriel acha que ela corre perigo. Ele seria capaz de maltratá-la?
- Ele fica furioso quando ela o despreza. É capaz de qualquer coisa nessa hora. Ele nunca deveria tê-la levado junto. Assim que ele descuidar, ela vai denunciá-lo. É agarrada aos filhos e tem raiva dele. E ela quem vai pôr tudo a perder. Bem feito! Sempre disse que ele não deveria confiar nela. Separar-se. Deixá-la seguir seu caminho. Se tivesse feito isso quando eu disse, nada disso teria acontecido.
- Agora é tarde para falar isso. Você está perdido. É melhor contar tudo que sabe.
- Já falei tudo.
- Lembra-se de Alberico e de Eleutéria? - perguntou Jonas.
- O que é que tem? Alberico era o motorista e já morreu, que eu sei. Quando a Eleutéria, a ama do menino, desapareceu desde que ele morreu. Nunca mais soube dela.
- Deixe de ser mentiroso - interveio o delegado. - A audiência do caso vai ser hoje à tarde. Se quer que eu faça alguma coisa em seu favor, comece a falar de verdade.
- É bom saber que Eleutéria foi intimada pelo juiz a comparecer na audiência de hoje - interveio Jonas.
Bóris remexeu-se na cadeira inquieto:
- Como assim? Sabem onde ela está?
- Não só sei como tenho algumas provas conta ela. Bóris levantou-se irritado:
- Não pode ser! Vocês estão querendo me enganar.
- Acho que estamos perdendo tempo com ele - disse o delegado a Jonas. - Vamos embora.
Os dois fizeram menção de sair. Bóris não se conteve:
- Esperem. Que provas têm contra ela?
- Todas - respondeu Jonas. - Levantamos a vida dela desde que deixou os Camargo. Ela vai ter que provar na justiça como arranjou tanto dinheiro. Além disso, ela fala muito com o marido. Tênis algumas gravações dessas conversas que são muito claras. É bom dizer também que levantamos todos os depósitos em dinheiro que você leva à casa de sua amante Pola e que ela deposita na conta de Eleutéria todos os meses. Boris estava trêmulo e pálido. Foi naquela hora que tomou consciência de que estava perdido. Eles sabiam de tudo. Fora traído por José Luís. Estava sozinho naquela enrascada. De repente Bóris foi acometido de um acesso de raiva. Seu rosto de pálido passou ao rubor e seus olhos fuzilavam de ódio. Gritou nervoso:
- Eles me pagam! Se eu cair, levo todos comigo! Não vai sobrar ninguém, nem a mulher intocável, a responsável por nossa desgraça.
- Fale. Conte tudo. Talvez eu possa diminuir sua pena - tornou o delegado. Jonas aproximou-se dele e olhando-o nos olhos disse com firmeza:
- Sabemos quem ajudou a criar a identidade falsa do menino, mas Eleutéria disse para o marido que foi você quem matou os pais do garoto naquele acidente.
- Ela disse isso? Ela me paga! E bom saber que não fui eu quem fez isso. Foi ele quem planejou tudo nos mínimos detalhes. Eu só arranjei as pessoas para realizar tudo. Mas quem envenenou o Dr. Camargo foi ele! Ele matou o próprio tio para roubar a herança. Eu não fiz nada. Só cumpri o que ele mandou para salvar minha pele. Creia. Ele me chantageava. Eu cometi alguns erros no passado, ele sabia. Eu fui obrigado a fazer o que ele mandou. Senão ele dizia que ia me denunciar. Eu seria preso e talvez expatriado para a Rússia. Eu tinha medo!
- Sabia que tudo quanto você disse aqui foi gravado. Vou mandar tirar uma cópia dessa confissão e você vai assinar agora mesmo.
Bóris estremeceu e olhou-o assustado:
- Por que não me avisaram que estavam gravando?
- Isso não importa agora. Você disse o essencial. Se foi obrigado a fazer tudo quanto seu patrão mandou, se foi ameaçado, essa confissão servirá para atenuar sua culpa. A um gesto do delegado, um dos policiais que estavam guardando a porta pegou o braço de Bóris, convidando-o a voltar para a cela.
Jonas e Marques saíram da sala satisfeitos e foram para a sala ao lado, onde estavam Daniel e Rubinho.
- Deu certo - disse o delegado. - Depois de hoje, Bóris não poderá mais negar nada. Que trama! Vários crimes!
- Há muito estávamos desconfiados de que a troca de identidade do menino era apenas uma parte da verdade. Só a morte do garoto não daria a José Luís a posse da tão cobiçada fortuna. Ele precisava ir mais longe. E ele foi!
- Ele envenenou o Dr Camargo! - disse Rubinho admirado.
- Acabou com os pais de Marcelo! Eles morreram em um horrível acidente! Tudo programado por eles.
- Chegou a hora de esclarecermos todos esses crimes - garantiu Jonas com satisfação. - Essa história vai sacudir a alta sociedade do Rio de Janeiro. Vocês serão os heróis!
- Estou preocupado com a captura dele. Assim que a bomba estourar, a imprensa vai publicar em manchete! Se ele souber, pode querer vingar-se em D. Maria Júlia. Em minha opinião ela tem sido uma vítima - tornou Daniel.
- Gabriel me disse que muitas vezes pensou na possibilidade de sua mãe estar sendo chantageada pelo marido. Ela ficava apavorada quando pensava em desobedecer a suas ordens - lembrou Rubinho.
- Se ele estiver fazendo isso, vamos descobrir. Estou sentindo que chegou a hora da verdade e que toda essa história vai ser desvendada - garantiu Jonas.
- Faro de policial! - comentou o delegado sorrindo. - Podem crer, nunca falha.
- Alberto precisa saber de tudo - disse Rubinho. - precisamos vê-lo para preparar nossas providências para a audiência de hoje à tarde. Eleutéria pode não comparecer.
- Meus homens estão vigiando-a de perto. Se ela tentar fugir, eles darão voz de prisão - informou Jonas.
- Gostaria de ter uma cópia da confissão de Bóris - pediu Rubinho. - Vou entregá-la ao juiz durante a audiência e pedir-lhe que, após tomar conhecimento dela, inclua-a no processo.
- Acho que com isso vocês ganharam definitivamente esta causa. Só vão faltar as providências legais - disse Jonas.
- De posse dessa confissão, farei uma investigação completa sobre as mortes dia Camargo, solicitarei a abertura de um inquérito para apuração dia fatos e a punição dos culpados - completou o delegado.
- Enquanto isso, continuarei investigando o paradeiro dele - tornou Jonas. O escrevente entrou e entregou algumas folhas de papel ao delegado. Ele apanhou, leu e tornou:
- Está tudo aqui. Agora vou lá para que ele assine.
- Deixe-me fazer isso - pediu Jonas -, quero conversar um pouco com ele a sós. Tenho impressão de que ele pode nos ajudar a encontrar nosso homem.
- E uma boa idéia - concordou Daniel. - Ele mentiu, quando disse que estava sendo ameaçado pelo Dr. José Luís. Pelo que sei, era o contrário. Ele mandava e desmandava em casa do patrão e todos faziam o que ele queria, inclusive o dono da casa. Gabriel nos contou isso várias vezes.
          - Ele é mentiroso. Mesmo na crise de ódio em que se encontrava arrumou um jeito para tentar salvar a pele. Eu encorajei para que ele se abrisse, mas nunca acreditei nesse pedaço. Trata-se de um criminoso calculista, mau. Conheço o tipo. Todo cuidado com ele é pouco - tornou o delegado.
          O investigador que fora buscar as fotos do casal entrou e entregou um grande envelope nas mãos do delegado, que abriu e colocou as fotos sobre a mesa.
          - Pode escolher as que quiser. Vou mandar copiá-las para distribuir aos companheiros. Jonas escolheu uma de cada um e respondeu:
          - Vou reproduzir estas fotos para minha equipe e nossos contatos no exterior.
          - Eu gostaria que Bóris assinasse essa confissão para irmos embora logo. Estamos sem tempo de esperar mais - pediu Rubinho.
          O delegado respondeu:
          - Vou com você, Jonas, pego a assinatura e saio. Você fica e conversa com ele. Os dois foram e dentro de alguns minutos. Marques voltou olhando os dois advogados com satisfação:
          - Tudo pronto. Ele relutou um pouco, quis ler, mas no fim acabou assinando. Vou tirar cópias para vocês.
          Alguns minutos depois eles saíram levando o precioso papel na pasta. Conforme o combinado, Alberto já deveria estar no escritório esperando para as últimas providências antes da audiência. Passava do meio-dia e não tinham tempo para almoçar.
          - Vamos embora - disse Rubinho. - Pediremos a Elza que compre um lanche para nós.
          Ouvindo os detalhes da confissão de Bóris, Alberto empalideceu e não conseguiu ocultar a emoção.
          - Sempre suspeitei da morte de meus pais, contudo nunca pensei que ele tivesse envenenado meu avô. Essa revelação me choca e entristece. Que espécie de homem é esse, que foi capaz de tanta maldade?
          - É difícil dizer - respondeu Daniel. - Principalmente tratando-se de um médico, que em fama de caridoso, de homem bom, educado. Ele sempre foi muito respeitado na melhor sociedade do Rio de Janeiro. Era amigo de minha família! Meu pai tinha para com ele especial deferência.
          - Tanto que você precisou deixar sua casa quando resolveu assumir minha causa.
          - Para ver como eles estavam enganados - disse Rubinho. - Também fui pressionado por minha família para abandonar o caso.
          - Ainda bem que escolhi vocês. Agora posso dizer que foi o espírito de meu avô, que tem me acompanhado e que aprovou essa escolha. Ele sabia que podia contar com a competência e com a honestidade de vocês. Pode ter certeza de que não esquecerei o que vocês estão fazendo por mim. Não só quanto aos honorários, mas também com a amizade e gratidão. Têm em mim um cliente para sempre.
          - Espero que não tenha mais nenhum crime para ser desvendado - brincou Daniel.
          - Mas terei os negócios para assumir e a gestão da fortuna. Vocês vão me ajudar a fazer isso.
          - Tudo bem - concordou Rubinho. - Agora vamos trabalhar. Temos a audiência logo mais. O tempo é curto.
          - Viu ligar para Gabriel e Lanira. Contar como estão as coisas.
          - Ela está com ele? - perguntou Alberto com interesse. Daniel estava ao telefone e foi Rubinho quem respondeu:
          - Está. Foi dar um apoio.
          - Já notei que ele gosta dela. Estão namorando? Rubinho olhou-o curioso e respondeu:
          - Oficialmente, não. Por quê, também está interessado nela?
          - Confesso que ela me atrai. Acha que tenho chance?
          - Não sei. Lanira é uma incógnita para mim. Sempre foi muito cortejada, mas nunca vi dizer que estava gostando de alguém. Só se refere a Gabriel como amigo.
          - Não é o que ele quer. Seus olhos brilham quando se ficam nela.
          - Já percebi. Eles saem muito juntos. Ela diz que gosta da companhia de Gabriel. Mas vamos ao nosso assunto. Temos pouco tempo.
          Daniel telefonou para casa de Gabriel, que atendeu ao primeiro toque. Ouvindo a voz de Daniel, indagou:
          - Alguma novidade?
          - Sim. Conseguimos a confissão completa de Bóris.
          - O que foi que ele contou?
          - Agora não tenho tempo. Temos a audiência daqui a pouco. Quando eu voltar, passarei em casa e conversaremos melhor. Quanto à sua mãe, ainda não temos nenhuma notícia. Jonas pegou as fotos vai distribuir para todos. Ele está tentando arrancar de Bóris alguma provável pista. Agora preciso ir. Assim que sair da audiência, irei à sua casa. Daniel desligou e ficou pensando na situação de Gabriel. Não teve coragem para contar-lhe pelo telefone a extensão dos crimes que seu pai cometera. Sabia que ele estava deprimido e preocupado, não queria perturbá-lo ainda mais. Pessoalmente, com calma, revelaria a verdade. Gabriel desligou o telefone e Lanira perguntou:
          - E então?
          - Bóris confessou, e acho que isso resolve o caso para Alberto e para Daniel e Rubinho. Quanto à minha mãe, nada aínda.
          Lanira apanhou a mão dele, apertando-a c carinho e dizendo:
          - Fique calmo. Tia Josefa disse que iria reunir os médiuns e fazer uma corrente espiritual. Ficou de ligar se tiver alguma orientação.
          - Numa hora dessas, só Deus pode nos ajudar.
          - Vamos confiar e esperar.
          - Bóris confessou e por certo não poupou ninguém. Ele odeia mamãe porque ela sempre foi contra tudo quanto eles faziam.
          - O que pode valer a palavra dele contra a do próprio Alberto? Ele é grato à sua mãe. Ela lhe salvou a vida e o sustentou, dei-lhe boa educação, custeou seus estudos e só não lhe deu um diploma do universitário porque foi impedida. Depois Daniel e Rubinho garantiram que tudo farão para defendê-la. Até Jonas está do lado dela.
          Gabriel suspirou fundo e iria responder quando Laura entrou no quarto olhando-o assustada:
          - O que estão fazendo no quarto de mamãe? O que está acontecendo aqui? Jazilda disse que papai e mamãe sumiram, que a polícia esteve aqui. Por que não me avisaram?
          Gabriel pegou a irmã pelo braço e fê-la sentar-se. Respirou fundo e respondeu:
          - Vou contar-lhe tudo. Infelizmente estamos vivendo uma tragédia.
          - Aconteceu algum desastre com eles? Fale logo. O que Lanira está fazendo aqui?
          - Lanira está nos ajudando.
          - Acho que depois do que Daniel está fazendo contra nossa família, ela nunca deveria entrar nesta casa.
          - Lanira não é culpada do que nosso pai fez. Ele, sim, é o responsável por tudo quanto estamos passando agora. Apontou uma arma e obrigou mamãe a acompanhá-lo.ba polícia está a procura deles. Bóris está preso e confessou toda a culpa dele e de papai. Ele pode ser preso a qualquer momento.
          Laura empalideceu, passou a mão pelos cabelos enquanto sacudia a cabeça negativamente:
          - Não posso crer! Isso não pode ser verdade! Vocês estão enganados. É uma calúnia. Você não pode acreditar em uma coisa dessas.
          - Eu gostaria que não fosse verdade Laura. Infelizmente é. A polícia descobriu tudo. A ama que ajudou a forjar aquela farsa, a confissão de Bóris, e, como se isso não bastasse, a fuga de papai quando viu que estava perdido e que tudo viria à tona.
          Laura começou a chorar e Gabriel abraçou-a com carinho dizendo:
          - Laura, nós estamos juntos. Não temos culpa de nada. Ele fez o que fez, mas nós somos pessoas de bem. Vamos erguer a cabeça e seguir em frente. Temos que enfrentar essa situação com coragem. Deus há de nós ajudar.
          Lanira olhou-os emocionada. As lágrimas rolavam por suas faces e ela deixou ficar assim, olhando-os abraçados, sem saber o que dizer para confortá-los. Aquele momento era deles e ela respeitava sua dor. Esperava que, quando tudo passasse, eles pudessem refazer suas vidas.





















O ADVOGADO DE DEUSOnde histórias criam vida. Descubra agora