CAPÍTULO 6

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          No sábado à noite, enquanto se preparava para a festa de aniversário de Gabriel, filho mais velho do Dr. José Luís de Melo, Maria Alice comentou com o marido:
          - Não precisamos esperar por Lanira. Ela irá com Daniel.
          - Ele também vai?
          - Vai. Nem precisei pressionar. Penso que daqui para a frente não teremos mais problemas com eles.
          - Hum!... - fez Antônio olhando significativamente para a esposa. - Aí tem coisa!
          - Como assim?
          - Algum rabo de saia, com certeza. Daniel nunca gostou dessas festas familiares.
          - Você acha mesmo? - disse Maria Alice. Em sua voz havia um leve tom de preocupação. - Espero que ele não esteja pensando em casamento. É ainda muito cedo!
          - E verdade. Mas não há motivo para se preocupar. Se ele está interessado em alguma moça, ela pertence ao nosso meio. Isso nos deixa tranqüilos.
          Maria Alice suspirou:
          - Tem razão. Pode ser só um namoro. O que importa é que Lanira também me parece mudada. Será que ela também anda interessada em alguém?
          - Talvez seja por Rubinho. Ultimamente eles não se largam. María Alice estremeceu:
          - Isso nos colocaria em uma situação desagradável. Sendo filho de amigos tão chegados, não teríamos como recusar o consentimento.
         - Eu já não vejo nenhum inconveniente. Rubinho é filho de excelente família, é formado, rico, conhecemo-lo desde criança. O que mais poderíamos desejar?
          - Ele não tem juízo.
          - Bobagem. São loucuras da mocidade. Quem não as cometeu um dia. Depois, eles agora parece que estão se assentando. - Fez ligeira pausa e perguntou: - O que a faz pensar que Lanira esteja se interessando por ele?
          - Não sei se é por ele. Eu notei que para ir a essa festa ela se preparou mais do que o habitual. Quis comprar vestido novo, passou horas no cabeleireiro, pediu-me até para tirar do cofre seu anel de rubi porque combina com o vestido.
          Antônio considerou:
          - Ela sempre gostou de andar na moda.
          - Eu sei, porém hoje foi além do trivial. Seja o que for, acho que está muito bem. Passei pelo quarto dela antes de vir para cá e vi tudo ela comprou. Fiquei orgulhosa. Ela vai estar linda, você vai ver.
         Antônio sorriu satisfeito. Ele precisava dessa moldura familiar onde quer que fosse. Uma família unida, bonita e feliz era como um cartão de visita para um político. Os eleitores se impressionam muito com esse cenário, por isso ele fazia questão de mostrara-se em todos os lugares junto com seus familiares.
          A festa estava animada quando Rubinho, Daniel e Lanira chegaram ao elegante palacete do Leblon. Entraram no belíssimo jardim, dirigindo-se à porta principal, onde um criado esperava-os convidando-os a entrar. No elegante hall de mármore iluminado por enorme lustre de cristal onde as flores do vaso sobre o console refletindo no espelho dourado tornavam seus pingentes multicoloridos, os três foram recebidos pelo aniversariante, a quem entregaram os presentes.
         Gabriel era alto, estava muito elegante em seu smoking preto, cabelos louro-escuros e ondulados, um pouco descorados pelo sol, olhos cor de mel quando ele estava alegre que se tornavam ligeiramente verdes de vez em quando. Seu tipo era claro, apesar da pele queimada do sol. Quando sorria, o que fazia constantemente, mostrava dentes alvos e bem distribuídos. Estudava Letras e Filosofia, possuía um barco onde estava sempre que podia, passando horas no mar, sozinho ou com amigos.
        A música agradável vinha do salão, e Gabriel, depois de entregar os pacotes ao criado e dar-lhes as boas-vindas, convidou-os a entrar.
          Tomando o braço de Lanira, disse com satisfação:
          - Quero ter o prazer de conduzir a mais linda mulher da noite. Lanira sorriu alegre:
        - Como você mudou! Quando era criança, não costumava me dirigir galanteios. Sentia prazer em me provocar. Nossos encontros sempre acabaram em briga.
          - Para você ver como eu era burro. Também eu não podia imaginar que você se tornaria tão linda. Quero me penitenciar está noite. Depois de receber os convidados, quero dançar com você!
          - Vamos ver - disse ela com ar misterioso.
          No salão foram recebidos por Maria Júlia, que abraçou Lanira e cumprimentou os rapazes perguntando pelos pais. Era uma linda mulher, muito elegante e educada. Depois de conversar alguns minutos colocando-os à vontade, afastou-se, ocupada com os convidados. Gabriel voltara ao hall para receber outros convidados. Vendo-se a sós, Rubinho disse baixinho:
          - Gabriel ficou deslumbrado com você, Lanira. Acho que pode atacar desse lado, enquanto eu vou procurar me aproximar do mordomo. Quanto a Daniel, bem... sobrou Laura...
          - Não me venha com essa! Eu vou procurar o mordomo e você vai dançar com Laura.
          - Eu posso tentar manejar Gabriel, e você não quer ficar com Laura. Isso não é justo! Se eu for, você também vai. Foi só eu falar que os olhos dela brilhavam quando falava em você para ficar logo convencido de que ela está apaixonada! Se quer saber, os olhos de uma moça sempre brilham quando ela fala em um rapaz bonito. Isso não quer dizer que esteja caidinha por ele!
          - Depois, você não precisa namorá-la. Basta ser gentil, amigo, e isso não tem nada de mais - reforçou Rubinho.
          - Está bem. Que seja. Mas se eu notar qualquer interesse maior nela,me afasto.
          - Ela bem-vindo aí - disse Lanira.
          De fato Laura aproximava-se com um sorriso nos lábios finos e bem delineados. Seu rosto claro e ligeiramente corado, seus olhos iguais do irmão e seus cabelos dourados e ondulados que ela fazia tudo para alisar, seu corpo bem feito e dedicado faziam-na parecer mais jovem apesar de medir quase um metro e setenta de altura. Vestia-se discretamente, contrastando com Lanira, que gostava de cores vivas. Laura só usava tons pastéis, pérolas, jóias sóbrias e muito finas.
          - Que bom vê-los! - foi dizendo ao chegar, cumprimentando-os educadamente.
          - A festa está animada! - disse Lanira passando os olhos pelo salão. - De onde vem a música, que não estou vendo?
         - A orquestra está na outra sala, mas abrimos as portas e ouve-se muito bem daqui. Depois do jantar, poderemos dançar - observou Laura com satisfação.
          - Por seu tom, vejo que gosta de dançar! - tornou Rubinho.
          - Adoro! Enquanto Gabi gosta do barco e do mar, eu gosto de dançar. Por mim, passaria todas as noites no baile.
          - Quem gosta de dançar é Daniel - esclareceu Lanira. -  Ele é um verdadeiro dançarino.
         Daniel ia protestar, mas Laura olhou para ele dizendo:
          - Não diga! Nas festas que temos ido nunca o vi dançar.
          - É que ele é tímido, Laura - disse Lanira com um brilho malicioso no olhar.
         - Mais tarde, se você me convidar, eu o convido para dançar. Não vou perder essa oportunidade.
          - Lanira está exagerando. Não é nada disso - disse Daniel fulminante a irmã com os olhos. - Mas terei prazer em dançar com você.
          Rubinho passeava os olhos pelas pessoas presentes e observou um criado, elegantemente vestido, andando de um lado para outro, comandando os garçons que iam e vinham atendendo os convidados. Devia ser o mordomo. Arriscou:
          - Interessante! Oliveira, mordomo dos Sousa Campos, agora está trabalhando com vocês?
          Laura acompanhou o olhar de Rubinho e respondeu:
          - Você está enganado. Aquele é Bóris, nosso mordomo. Está com meus pais desde antes de eu nascer. Ele era nobre na Rússia, mas fugiu para a França depois da revolução. Meus pais conheceram-no em um navio quando estiveram na Europa. Ele desejava vir para o Brasil e eles o trouxeram como empregado. Gostou tanto deles que nunca mais foi embora.
          - Puxa! Ele é tão parecido com Oliveira! - disfarçou Rubinho satisfeito. Quando todos os convidados chegaram, o jantar foi servido à francesas e depois passaram para o outro salão, onde a orquestra tocava músicas dos filmes americanos de sucesso, muito em voga. Os pares dançavam animados.
          Gabriel aproximou-se de Lanira dizendo:
          - Quero dançar com você.
          Ela se levantou e logo os dois rodopiavam pelo salão ao som de um blues chorado por um sax bem tocado. A sala romanticamente iluminado com luzes coloridas ressaltava de quando em vez o brilho das jóias e dos vestidos de seda das senhoras, com aplicações de vidrilhos, renda ou lantejoulas, modificando a cor dos vestidos claros das moças, fazendo-os parecer diferentes  cada canto do salão.
          O perfume das mulheres misturava-se ao perfume das flores dia enfeites arrumados com gosto e em profusão.
     O ambiente era agradável e Lanira deixou-se envolver pela magia do lugar. Fosse pela situação singular que ela estava vivendo, pelo mistério que cercava o caso que estavam tentando resolver, pelo perfume gostoso que vinha de Gabriel, fitando seu rosto expressivo, não se conteve:
          - Como você é linda! Eu queria que essa música nunca acabasse!
          Aconchegou-a mais de encontro ao peito e ela se deixou ficar, sentindo a respiração dele perto de seu rosto, o calor que vinha de seu corpo forte, a sensação de euforia que ela não tentou explicar.
          Quando a música acabou, ele a largou e conduziu-a de volta à mesa onde Laura e Daniel conversaram.
          - Preciso deixá-la. Tenho que dar atenção a algumas pessoas, mas quero dançar novamente com você.
          Ela sorriu e concordou com a cabeça. Ele se afastou. O olhar de Lanira seguiu-o enquanto ele parava aqui e ali, sorrindo para uns, conversando ligeiramente com outros. Ela teve que reconhecer que ele era um anfitrião impecável. Percebeu que ele cumpria todas as regras que a sociedade considerava de bom tom. Notava-se que recebera excelente educação. Seu olhar deteve-se em Maria Júlia. Vendo-a, podia entender por que Gabriel era tão bem-educado. Seu porte de rainha, sua roupa de classe, seu charme, sua simpatia faziam de sua casa um ponto alto de relacionamento que a mais alta sociedade se orgulhava de freqüentar. Seu marido, homem bonito, elegante e discreto, possuía a arte de manter uma boa conversa. Todos, sem exceção, achavam-no encantador.
          Observando tudo isso, Lanira sentiu um pouco de preocupação. O que eles pretendiam fazer não seria uma injustiça? E se Alberto estivesse enganado? E se eles não tivessem nada a ver com aquele caso?
          A música lenta, Daniel convidou Laura para dançar e Rubinho, que estivera circulando pelos salões, sentou-se a seu lado.
          - Estive conversando com Bóris - disse ele baixinho.
          Lanira meneou a cabeça pensativa, depois perguntou;
          - Descobriu alguma coisa?
          - Não. Foi uma conversa informal. Só de aproximação. Sabe como é. Preciso de algum tempo para ganhar sua confiança.
          - Não sei, não. Observando o Dr. José Luís, D. Maria Júlia, o respeito e a consideração que desfrutam na sociedade, não sei se faremos bem levantando esse caso.
          - Por quê? Está com medo?
          - Estou. Não de enfrentar as consequências, mas de mexer com isso e descobrir que Alberto estava enganado. Já pensou que pode ter havido uma coincidência de nomes e eles não serem os responsáveis?
          - As provas que Alberto tem me parecem bastante conclusivas.
          - Trata-se de mexer com pessoas altamente respeitáveis. E se estivermos enganados?
          - Por isso ainda não abrimos a ação. Estamos investigando. Só quando confirmarmos todas as provas entraremos na justiça.
          - Concordo. Em sociedade e fácil destruir a reputação de uma pessoa, o difícil é reverter a situação se ela for inocente.
          - Quanto a isso, pode ficar tranqüilo. Tanto eu quanto Daniel estamos interessados em fazer justiça, não em difamar pessoas inocentes. Gabriel não tira os olhos de você. Vou dar uma volta para que ele se aproxime.
          Rubinho levantou-se e foi para a outra sala. Lanira fingiu-se interessada em observar os pares que rodopiavam pelo salão. Logo Gabriel se aproximou:
          - Posso me sentar?
          - Por favor.
          - Em que estava pensando?
          - Nada de mais. Observava o baile. Sua festa está maravilhosa.
          - De fato. Foi idéia de minha mãe. A princípio eu não queria, mas agora penso que fiz bem em concordar.
          - Sua mãe tem muito bom gosto. Sabe receber.
          Pelos olhos dele passou um brilho de emoção quando disse:
          - Ela sabe que fazer em qualquer circunstância.
          - Tem muita classe. Seu pai é um homem feliz.
          Ele ficou sério e mudou de assunto. Lanira teve impressão de que ele não gostava de falar no pai. Para amenizar a situação, Lanira perguntou a respeito de seu barco. Então seu rosto se distendeu e ele passou a discorrer sobre ele com entusiasmo.
          Daniel, dançando com Laura, tentava conduzir o assunto para onde lhe interessava.
          - Nós não conversávamos desde uma festa de aniversário em sua casa, anos atrás. Acho que foi quando Lanira fez quinze anos.
          - Tanto tempo assim?
          - Faz. Nós fomos a várias festas e reunião em sua casa, mas você nunca estava. Não gosta de festas?
          - Não gosto muito de formalidades. Nessas ocasiões algumas pessoas me parecem muito cheias de regras, a maledicência anda solta e eu prefiro ignorar essas coisas.
          - Sei o que quer dizer. Também não gosto de bajulação nem de malícia, mas gosto de festas. Adoro música, adoro dançar, adoro belas roupas, lugares requintados, classe, arte, beleza. Prefiro não me provar desses prazeres só porque há pessoas maldosas e fúteis que freqüentam esses lugares. Para dizer a verdade, eu as ignoro, não lhes dou ouvidos, mas não me isolo como você. Estou viva e participando, desfrutando de todas as alegrias da vida. Não permito que elas me afetem.
          Daniel olhou-a admirado.
          - E tem conseguido?
          - Tenho. Nossa família freqüenta muito a sociedade e eu penso que isso seja uma forma de valorizar nossa posição. Além do que temos obrigações sociais a cumprir.
          - De que forma?
          - Somos uma classe privilegiada. Uma minoria que teve a felicidade de estudar, de viajar, de possuir bens. Temos que devolver isso trabalhando em favor das classes mais pobres. Você sabe como é. Seus pais também participam.
        - Sei. Festas beneficentes um favor de entidades filantrópicas.  
          - Isso mesmo. Minha mãe dedica boa parte de seu tempo à caridade. Sempre a acompanho.
          - Por prazer ou por obrigação?
          - Vou porque quero. Minha mãe não me obriga.
          - Ah!...
          - Soube que você e Rubinho abriram um escritório de advocacia.
          - É verdade.
          Ela sorriu, hesitou um pouco e depois disse:
          - Contra a vontade de seus pais. Como estão indo?
          - Estamos no começo. Por enquanto pequenas causas sem grande repercussão. O que é bom para praticar.
          - Se vocês quisessem, poderiam subir depressa. Tanto seu pai como o de Rubinho têm boas amizades. Estou sendo indiscreta tocando nesses assunto?
          - De forma alguma. O que está dizendo não é segredo para ninguém. Talvez você não tenha condições de entender. Sempre fez tudo que seus pais queriam.
          - Eles só desejam meu bem.
          - Mas você não é eles, é outra pessoa. O que parece bom para eles talvez não o seja para você. Cada pessoa é diferente.
          - Não gosto de correr riscos desnecessários. Eles têm experiência.
          A música acabou e Daniel conduziu Laura para a mesa onde Lanira e Gabriel conversavam. Daniel afastou-se a pretexto de procurar Rubinho. A conversa com Laura o entediada. Ela era bem a filha do distinto casal. Educada no mais moderno figurino da alta sociedade dia Rio de Janeiro. Quando fosse oportuno, faria um casamento de conveniência e passaria o resto da vida tentando esconder a infelicidade, cuidando das aparências e desempenhando seu papel.
          Ela representava tudo quanto ele não aceitava e estava lutando para sair. Vendo Rubinho conversando animadamente com Bóris, ficou observando a certa distância. Quando viu que o mordomo se afastou, aproximou-se.
          - Então, conseguiu alguma coisa interessante?
          Rubinho pegou Daniel pelo braço dizendo:
          - Ele me contou suas aventuras antes de vir para o Brasil. Está aqui desde 1927. Trata-se de um homem esperto e culto. Tenho impressão de que ele é mais do que um simples mordomo para o Dr. José Luís.
          - É?
          - Não vai ser fácil arrancar alguma coisa dele. Me pareceu ser o homem de confiança de seu patrão.
          - Deve conhecer tudo quanto aconteceu naquele tempo.
          - Com certeza. Mas como fazê-lo falar?
          - Ele não vai dizer nada.
          - Eu mencionei a morte de Marcelo. Disse que minha mãe havia nos contado que fora uma tragédia horrível. Depois perguntei:
          - "Você trabalhava para o Dr. Camargo naquela época?"
          - "Sim. Fazia quase um ano que eu estava aqui."
          - "Minha mãe era amiga de D. Carolina. Ela sofreu muito com o acidente. O Dr. Antônio adoeceu por causa disso."
          - "É verdade. O Dr. José Luís cuidou do tio com dedicação, mas ele não conseguiu mais recuperar a saúde. Perdeu o gosto de viver."
          - "Minha mãe não esquece a tragédia desta família. Por fim o Dr. Cláudio e D. Carolina também morreram de forma inesperada."
          - "Toda família tem sua tragédia. Eu também perdi toda a minha família na revolução. O que fazer? É preciso se conformar, levar a vida para a frente."
          Rubinho calou-se. Daniel ficou pensativo por alguns instantes, depois perguntou:
          - Você notou alguma coisa nele durante a conversa?
          - Só quando falei do desastre que vitimou os pais de Marcelo. Por um segundo seus olhos brilharam emotivos. Foi uma fração de segundo, logo ele voltou a ser como antes.
          - Isso não significa muito. Ele mencionou a guerra, onde perdeu a família. Isso pode tê-lo emocionado.
          - É verdade. Ou ele sabe mais sobre o desastre que vitimou os pais do Marcelo. Nunca pensou como esse acontecimento foi conveniente para o Dr. José Luís?
          - Você quer dizer que a morte deles pode ter sido provocada? - sussurrou Daniel olhando para os lados com medo que alguém o ouvisse.
          - Vamos para o jardim. Lá estaremos mais à vontade. Uma vez sentados em um banco, Rubinho respondeu:
          - Se eles raptaram o menino e simularam sua morte por causa da herança, precisavam afastar os outros dois. Eles haviam herdado toda a fortuna do pai.
          Daniel passou a mão pelos cabelos pensativo:
          - Você acha que não foi acidente? Que eles foram assassinados?
          - É uma suposição lógica. Era a única forma de se apossarem da herança.
          - Tem razão. Isso ainda me parece impossível. Olhando para eles, é difícil acreditar que tudo isso seja verdade.
          - As aparências enganam.
          - Aproveitar-se de uma situação, criar uma farsa por ambição pode ser tentador para algumas pessoas, mas chegar ao crime eliminar os primos!
          Estou quase certo de que eles fizeram isso. De que adiantaria toda a farsa se os pais do menino estavam vivos, gozando de boa saúde? Daniel respirou fundo.
          - Você acha que seria possível descobrir alguma pista sobre isso?
          - Não sei. Mas podemos tentar. Amanhã mesmo vamos visitar a sepultura deles, ver a data da morte, procurar os jornais da época. Fazer as investigações preliminares.
          - Vamos falar com Jonas, ele é investigador. Além disso, é muito meu amigo e nos ajudará.
          - Lanira está indo muito bem - comentou Rubinho. - Veja, está dançando com Gabriel. Ele está fascinado e ela está sabendo tirar partido disso.
          - Para você ver como as mulheres são. Para elas, fingir é fácil. Eu não consegui nada com Laura.
      - É que você não se empenhou. Antes de ir, já estava contra.
          - Veja: meu pai conversando animadamente com o Dr. José Luís. Quando ele descobrir o que estamos fazendo, vai querer me matar.
          - Está com medo?
          - Não. Mas sei que não vai ser agradável. Antônio conversava animadamente com José Luís.
          - Você não pode querer que ele volte - dizia ele ênfase.
          - Não se trata de minha vontade. Você sabe que nunca gostei de Getúlio.
          - Você diz isso, mas freqüentava o Catete com assiduidade.
          - Claro. Você também andou lá. Era uma ditadura. O que podíamos fazer? Porém nunca fui getulista. Mas em eleição é o voto que conta. Dutra só ganhou porque foi indicado por ele. Agora que o deixaram candidatar-se, você vai ver. Ele vai ganhar mesmo.
          - Não acredito que nosso povo ser tão ignorante. José Luís riu ao responder:
          - Não? Você vai ver. Seria melhor você ter se candidatado pelo Partido Trabalhista.
          - Isso nunca. Sempre fui da UDN.
          - Não sei, não. Está se arriscando.
          - Você pelo menos vai votar em mim.
          - Claro. Como sempre fiz. Você terá os votos dos nossos, como sempre. Acho até que vai conseguir ir para o Senado.
         Maria Alice, segurando delicadamente uma taça de vinho branco, conversava animadamente com Angelina:
          - Veja Lanira dançando com Gabriel.
          - Muito interessados por sinal - comentou Angelina.
          Maria Alice olhou os dois e pensou: Lanira estaria interessada em Gabriel? Desde que chegaram que ele só dançava com ela. Sorriu satisfeita. Ele seria o genro ideal para ela! Bonito, elegante, educado, rico. Era muito cedo para pensar nisso, mas a idéia era-lhe muito agradável. Vendo que Bóris, parado em um canto da sala, observava como ia o serviço, Rubinho aproximou-se dizendo:
         - Poderia mandar o mordomo servir um copo com água gelada? Imediatamente o mordomo pediu ao garçom. Enquanto esperava, Rubinho continuou:
          - Gostaria de conversar com você em um lugar mais calmo. Bóris admirou-se:
          - Comigo? Sobre o quê?
          - Estudo sociologia. Gostaria de entender o que aconteceu na Rússia com a revolução. Você deve ter coisas muito importantes para contar.
          - Coisas muito triste, se quer saber. Quando falo nisso, sinto enorme tristeza. Minha terra, tão linda, com um povo bom, religioso, inteligente, dominada por aqueles bárbaros!
          - Gostaria de conversar mais com você. Quando é sua folga?
          - Às segundas-feiras.
          - Quer ir almoçar comigo na próxima segunda-feira? Bóris olhou-o um pouco assustado.
          - Não posso. Tenho muitos compromissos nesse dia. Obrigado pelo convite. Dizendo isso, afastou-se e Rubinho seguiu-o com os olhos. Daniel aproximou-se perguntando:
          - E então?
          - Convidei-o para almoçar no dia de sua folga e ele não gostou. Cortou a conversa e foi embora.
          - Teria desconfiado?
          - Não. Nem sequer toquei naquele assunto. Disse que estudava sociologia e gostaria de obter informações sobre a revolução. Aí, ele mudou. Percebi que se retraiu.
          - Não vamos conseguir nada dele. E se tiver sido cúmplice?
          - Vamos pedir a Jonas para investigar a vida dele. Laura aproximou-se com um sorriso:
          - Larina disse que você gosta de dançar, e está aí, parado. Não está gostando da festa?
          - A festa está ótima. É que está muito calor e isso tira a disposição de dançar.
          - Não é o meu caso.
          - Dá para notar - tornou Rubinho. - Você está acalorada!
          - Ia convidá-la para dançar - disse Daniel -, mas diante acho mais agradável darmos uma volta no jardim. Que tal?
          - É uma boa idéia.
          - Você vem, Rubinho? - perguntou Daniel.
          - Não. Acabei de ver Julinho. Vou cumprimentá-lo.
          Os dois saíram para o jardim conversando animadamente. A noite estava bonita e o perfume das flores tornava-a mais agradável.
          - Vocês tem um jardim maravilhoso - comentou Daniel. 
          - É a paixão de minha mãe. Ela adora plantas. Diz que elas precisam de amor, como as pessoas.
          - Este jardim sempre foi muito bem cuidado. Inclusive no tempo de D. Carolina.
          - Segundo sei, ela também gostava de plantas.
          - Minha mãe era muito amiga dela e freqüentava esta casa quando ela ainda era viva. Em casa temos um retrato dela. Era uma mulher muito bonita. Vocês devem ter fotos no álbum de família.
          - Não temos. Meu pai ficou muito sentido com a tragédia e se desfez de todas as fotos.
        - Do pequeno Marcelo também?
          - Também. Não queria nada que lembrasse os dolorosos acontecimentos daqueles momentos.
          - Segundo minha mãe, a morte de Marcelo abalou toda a sociedade. Ela foi ao enterro e se comoveu muito com a dor dos pais dele e do Dr. Antônio. Foi acidente, não é?
         - Parece que foi. Meus país ficaram muito chocados na ocasião. Por causa disso esse assunto virou tabu em casa. Nunca o mencionamos. Afinal, já faz muito tempo, e eles conseguiram esquecer.
          - Ainda bem.
          Ela mudou de assunto e Daniel não insistiu. Laura não sabia de nada e ele estava perdendo tempo conversando com ela.   
          Assim que se encontrou com Rubinho e Lanira, foi taxativo:
          - Inútil querer descobrir alguma coisa aqui. Laura não sabe nada daqueles tempos. E Bóris não vai falar. Temos que pensar em outra coisa.
          - Também acho - concordou Rubinho. - Os moços ignoram o assunto e quem sabe não vai dizer nada.
          - Acha que Bóris sabe de tudo? - inquiriu Lanira.       
          - Tenho a impressão de que sim. Mas não vamos conseguir nada dele.
          - Segunda-feira vamos pesquisar os jornais e contratar Jonas - disse Daniel.
          - Alberto está ansioso e não quer esperar muito para iniciar a ação. Se quisermos levar esse caso adiante, temos que nos preparar bem - tornou Rubinho.
          - Vai ser uma bomba! - exclamou Lanira.
          - Vai. Mas vamos detoná-la - considerou Daniel.
          - Hum! Sinto um friozinho na barriga só em pensar no escândalo. Será um prato cheio para os jornais. Você não têm medo? - perguntou Lanira.
          - Quando aceitamos o caso, sabíamos disso - respondeu Daniel.
          - É. Conversamos a respeito e assumimos a responsabilidade. Nós acreditamos na história dele.
          - E se ele estiver enganado? Olhando D. María Júlia e o Dr. José Luís, é difícil acreditar que eles tenham feito tudo isso com a própria família - tornou Lanira.
          - As aparências enganam - contrapôs Rubinho. - As provas que Alberto possui são convincentes para mim. Eles simularam a morte do menino e suspeito até que tenham a ver com o "acidente" que vitimou os pais dele.
          Lanira abriu a boca para responder e fechou-a de novo. Seus pais se aproximavam:
          - Já nos despedimos e vamos embora - disse Maria Alice. - Vocês vão ficar?
          Foi Daniel quem respondeu:
          - Iremos em seguida.
          Eles se foram e os três, perceberam que nada mais havia para fazer ali, despediram-se e saíram.
          Uma vez na rua, continuaram conversando, fazendo planos para começar as investigações no início da semana.
     
   
         
       
        

         
         
         
     
            
      

        
         
        

         
         
     

 
         
         
      
      
      
         
      
         
   
         
         
        
        
         
    
        
 
         
         
       
        

        
         
         
         

      

      
         
         
       
         
         
         
         
         
      
     
      
     

        
         
        
      

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