CAPÍTULO 26

677 32 0
                                    

          Depois desse dia os acontecimentos precipitaram-se. O julgamento de José Luís movimentou a sociedade. Não se falava em outra coisa. Depois da leitura do processo, que demorou dois dias, começaram os depoimentos.
          Alberto emocionou a todos contando sua história. José Luís, ereto, mantendo na fisionomia um ar de indiferença, de vez em quando olhava para seus cúmplices, sentados a seu lado, como se não os visse. Depois foi a vez de Bóris, que tentou impressionar colocando-se na posição de vítima, dizendo-se chantageado pelo patrão.
          Seu depoimento foi impiedoso. Jogou sobre José Luís toda a responsabilidade pelos crimes cometidos. Pressionado por Rubinho, que com inteligência foi interrogando-o, acabou contando como José Luís envenenou o tio aos poucos e de que forma eles provocaram o "acidente" que matou os pais de Marcelo
          Antunes disse que era inocente. Que ajudara Bóris a intimidade Marcelo por ser amigo da família de José Luís. Que não pretendia fazer nenhum mal ao moço. Estarrecido, os presentes tomaram conhecimento de toda a trama. Ficou claro a ambição de Eleutéria e de Pola, e principalmente a crueldade de José Luís. Quando chegou a vê se prestar depoimento, José Luís tentou justificar-se dizendo que Dr. Camargo havia roubado a fortuna do irmão, que era seu pai, deixando toda sua família na miséria. Ele queria desforra. Disse que foi sua esposa, Maria Júlia, quem deu a idéia de trocar a identidade de Marcelo. Mais tarde, ela o ajudou a planejar o resto. Falou que ela o apoiava e que o aconselhara a fugir quando tudo foi descoberto.
          Durante todo o tempo lançava olhares para Maria Alice, que, pálida, estava sentada ao lado dos filhos no banco reservado às testemunhas.
          Foi então que, para surpresa geral, Daniel chamou o Dr. Guilherme Gouveia para depor. Ele entrou no recinto e todos os olhares voltaram-se para ele. José Luís empalideceu ainda mais e trincou os dentes com raiva. De onde saíra o seu rival?
          Depois do juramento, Rubinho aproximou-se e pediu para a testemunha dizer ao tribunal por que resolverá pedir para depor.
          Com olhar emocionado porém firme, Guilherme começou:
          - Vim para evitar que se cometa uma injustiça. Sei que Maria Júlia é inocente dos crimes que foram cometidos contra os Camargo.
          - Como é que sabe? - indagou Rubinho.
          - Porque a conheço muito bem. Sei que ela nunca iria concordar com nada disso. Trata-se de uma mulher íntegra, que tem sido vítima da maldade do marido a vida inteira.
          - Em quê se baseia sua afirmação?
          - Eu sei porque ela ficou calada durante todo esse tempo. Eu sei porque ela nunca revelou à polícia as falcatruas desses assassinos.
          - Na verdade - considerou Rubinho -, desde que tomamos conhecimento dos fatos, temos feito essa pergunta. Se ela não foi cúmplice, porque, não procurou a justiça para contar o que sabia?
          - Ela estava sendo ameaçada no que tem de mais sagrado. Na pessoa de seu filho!
          Um "oh!!" ecoou na platéia e o juiz pediu silêncio várias vezes. Quando conseguiu, deu ordem para Rubinho prosseguir.
          - Pode nos esclarecer melhor?
          - Posso. Para isso terei que voltar no tempo e contar a história de minha vida. Guilherme, com voz comovida, começou a relatar todos os fatos do passado. Maria Júlia emocionada deixava que as lágrimas descessem por suas faces. Gabriel segurava a mão da mãe para dar-lhe coragem, mas também, vendo a dignidade daquele homem permitindo que todos invadissem sua intimidade, conhecessem seus sentimentos, soubessem de suas fraquezas, não conseguiu reter as lágrimas.
          Laura ouvia entre tristeza e a curiosidade. Horrorizada com tudo que escutará naquele tribunal, não podia deixar de comparar os dois homens. Seu pai tentará destruir sua mãe, arrastá-la com ele na queda, revelando uma maldade e um egoísmo que ela de forçada a reconhecer. O outro, para defendê-la, não se importava em destruir sua carreira com o escândalo, interessado apenas em limpar sua consciência e salvar a mulher que amava.
          Naquele instante Laura entendeu por que sua mãe amara aquele homem e nunca conseguira amar seu pai. A verdade doía, mas apesar de tudo ela sentia que precisava ficar do lado da mãe, que já havia sofrido muito e merecia encontrar a paz. Guilherme continuava relatando o passado com voz emocionado. As mulheres presentes choravam discretamente enquanto os homens pigarreavam de vez em quando tentando dissimular a emoção. Ele finalizou:
          - Eu não poderia ficar calado. Seja qual for o preço que terei que pagar por isso, sinto-me gratificado, aliviado por poder dizer o que vai em meu coração. Por poder contar que Gabriel é meu filho e que pretendo reconhecê-lo diante da lei. Mas gostaria que soubesse, meu filho, que, mesmo distante todos esse anos, você sempre esteve dentro de meu coração. Acompanhei à distância, pelas colunas sociais todas as notícias a seu respeito, tentando assim afogar a saudade e a vontade de me aproximar, de abraçá-lo e dizer-lhe que sou seu pai. Nunca os procurei porque não quis pertubada sua felicidade. Eu não sabia nada do que estava acontecendo aqui. Só espero que, quando tudo isto acabar, você possa me perdoar, aceitar e compreender.
          Fez ligeira pausa e prosseguiu:
          - Depois que voltei ao Brasil, procurei os advogados de Marcelo e tomei conhecimento dos detalhes, entendi tudo. Meu filho sempre teve a vida ameaçada por José Luís. Essa era a arma que ele usava para coagir a esposa a ficar calada e a suportar suas exigências. Agora acabou. Maria Júlia está livre desse martírio. Tenho a certeza de que sairá deste tribunal de cabeça erguida e livre para a frente. Maria Júlia, abraçada aos filhos, chorava, e a comoção havia tomado conta dos presentes. O juiz tomou a palavra e suspendeu os trabalhos determinando que seriam reiniciados às dez da manhã seguinte.
          Os jornalistas saíram rápido, empolgados com a história inesperada envolvendo o diplomata. Daniel aproximou-se de Maria Júlia dizendo:
          - Foi bom o juiz encerrar por hoje. Amanhã é dia vez de prestar depoimento e precisa descansar, acalmar-se, para poder aguentar. Vou levá-la para casa. Marcelo aproximou-se de Maria Júlia, que mais controlada preparava-se para sair. Olharam-se emocionados. Ele tornou:
          - Sempre desejei falar com a senhora. Agradecer tudo quanto fez por mim. Sinto ter envolvido sua família. Mas não pude evitar.
          - Eu sei meu filho. Você fez o que precisava fazer.
          Ele olhou para Laura e Gabriel, que o fitavam curiosos, e continuou:
          - Lamento por vocês. Não desejava que sofressem. Agradeço a Gabriel por ter-nos ajudado. É preciso muita coragem para fazer o que você fez.
          - Apesar de tudo, estou em paz. Gostei de seu depoimento. Tentou inocentar minha mãe - respondeu ele.
          - Fui sincero. Se não fosse por ela, não estaria aqui.
          Maria Júlia conversava com Rubinho e Daniel, distanciara-se alguns passos deles. Laura olhou Marcelo com curiosidade e um pouco de receio.
          - Você vai tirar nossa casa? - perguntou baixinho. Ele se sentiu embaraçado e respondeu:
          - Não pensei em nada ainda. Nem sei o que me caberá de direito. O juiz é que vai decidir.
          Gabriel abraçou Laura dizendo:
          - Não se preocupe, Laura. Nós podemos trabalhar. Deixemos isso para depois. Maria Júlia chamou os filhos para irem embora e despediram-se de Marcelo. Gabriel olhou e viu Guilherme do outro lado da sala, olhando-os. Sentiu-se embaraçado, teve vontade de ir embora. Maria Júlia percebeu e foi saindo acompanhada dos filhos. Guilherme ficou olhando e não os seguiu. Daniel aproximou-se dele dizendo:
          - Ele está ainda em estado de choque. Tenho paciência.
          - Terei. Não está sendo fácil para ele nem para a irmã.
          - Para ela será pior.
          - Concordo. Podemos ir. Seu depoimento foi excelente. Emocionou todo mundo - tornou Rubinho satisfeito.
          - Acha que conseguiremos?
          - Temos grandes probabilidades. O caso é claro. Está suficientemente provado. Só ela tinha provas a seu favor. Com seu depoimento, ela tem. Foi concludente - disse Rubinho.
          - Foi mesmo - concordou Daniel. - Tive que na fazer enorme esforço para conter a emoção.
          - Pelo menos me sinto aliviado. É como se tivesse tirado um enorme peso de meu coração.
          - Estou louco para ler os jornais de amanhã. Espero que eles não inventem nada - disse Rubinho.
          - Não precisam. O que o Dr. Guilherme contou dá uma matéria e tanto. Eles saíram conversando. Alberto aproximou-se de Lanira, que estava acompanhada de Maria Alice. A moça apresentara-os na entrada do tribunal.
          - Aceitariam um chá, um café comigo? Foi Maria Alice quem respondeu:
          - Está um pouco tarde. Vamos deixar para outra ocasião.
          - Posso levá-las até em casa?
          - Obrigada - disse Lanira. - Mas nosso motorista está aí fora. Ele sorriu dizendo:
          - Nesse caso estou sem argumentos. O que eu queria mesmo é estar um pouco mais com vocês.
          - Se Lanira desejar ficar, irei sozinha.
          - Não, mãe. É tarde. Amanhã teremos que voltar cedo. Não quero perder nada. D. Maria Júlia vai depor.
          - Virei com você. Quero que ela sinta que estamos do seu lado e que confiamos na justiça.
          Alberto ficou pensativo por alguns instantes, depois disse:
          - É uma mulher sofrida e merece conquistar a paz. Desejo isso de coração. Maria Alice olhou-o e viu o brilho de uma lágrima que ele não deixou cair. Não se conteve:
          - Depois de tudo que aconteceu, é nobre de sua parte desejar isso.
          - Conhecendo o passado, cheguei a invejar Gabriel. Gostaria muito de ter uma mãe como ela.
          - De uma certa maneira, ela é um pouco sua mãe também. Salvou-lhe a vida, sustentou-o até a maioridade. Por que não reivindica esse lugar em seu coração?
          Lanira olhou a mãe admirada. De onde tirara essa idéia? Alberto sorriu levemente e respondeu:
          - Se ela me aceitasse, eu faria isso.
          Despediram-se combinando estar de novo lá na manhã seguinte.
          No outro dia, Daniel e Rubinho foram a casa de Maria Júlia bem cedo. Vendo-os, disse nervosa:
          - Estou preocupada. O que será que vai acontecer?
          - Depois de ontem, acredito que sairá absolvida - disse Daniel.
          - Não sei. Tenho medo. Penso em Gabriel e Laura. Eles precisam de mim. Não quero deixá-los sozinhos.
          Gabriel, que vinha entrando e ouviu suas palavras, abraçou-a dizendo:
          - Não vai acontecer nada. Todos perceberam que você é inocente.
          - Mesmo que não considerassem o depoimento do Dr. Guilherme, há várias atenuantes a seu favor. O depoimento de Marcelo deixando claro que você lhe salvou a vida, nossas declarações frisando que você nos ajudou, o próprio inquérito policial registrando sua cooperação e a de Gabriel na solução do seqüestro que resultou na prisão de Bóris e de Antunes. A forma como foi encontrada pela polícia, prisioneira de José Luís. Ele nunca faria isso com uma cúmplice. Tudo soma a seu favor - esclareceu Rubinho.
          - Seu depoimento de hoje é muito importante. Repita tudo que contou na polícia. Diga a verdade, fale da dramática fuga, inclusive que ele a acorrentou para que não fugisse. Lembre-se de que estará falando com o júri. Pessoas que estão tomando conhecimento dos fatos agora, ou que só leram o que saiu nos jornais, mas que precisam conhecer bem como tudo aconteceu para que possam dar a sentença com justiça - aconselhou Daniel.
          - É D. Maria Júlia. Faça como o Dr. Guilherme. Vá fundo. Abra seu coração, ponha para fora tudo quanto guardou estes anos todos. Deixe que as pessoas conheçam sua intimidade, seus sentimentos, sua visão da vida. Mostre-se tal qual é. Se fizer isso, tenho certeza de que conseguirá o que deseja - acentou Rubinho.
          - Isso, mãe - concordou Gabriel. - A mulher que eles imaginam que você seja é falsa. A imprensa, os culpados, tudo que eles disserem a seu respeito, nada disso é você. Deixe que todos conheçam-se como é. Isso será o bastante para que a absolvam.
          - Está bem. Vou tentar.
          - Quando se sentar lá para depor - continuou Daniel -, quando colocar a mão sobre o livro sagrado para jurar dizer a verdade, peça a ajuda de Deus em pensamento. Chame os espíritos amigos para dar-lhe forças. Depois, esqueça o lugar onde está. Entre no fundo de seu coração, de suas lembranças, e conte tudo do seu jeito. Não  omita nenhum detalhe, por pequeno que seja.
          - Está bem. A nossa vida já está devassada, e não adianta querer preservar alguma coisa.
          - Está devassada mas de maneira errada em muitos aspectos - lembrou Rubinho.
          - É. Eles contaram tudo como quiseram o tempo todo. Até José Luís fez seu jogo. Agora chegou minha vez. Vou dar a minha versão.
          Laura, que entrara e ouvirá parte da conversa, interveio:
          - Depois de ontem, acho que não falta mais nada.
          - Engana-se, minha filha. Eu nunca disse a ninguém como vivi todos esses anos. Tenho certeza de que posso acrescentar algumas coisas.
          Maria Alice levantou cedo, vestiu-se e estava tomando o café da manhã quando Antônio desceu e vendo-a disse admirado:
          - Vai sair?
          - Vou.
          - Não me diga que vai àquele julgamento.
          - Vou.
          - Melhor faria se não defendesse aquela família degenerada. Já viu os jornais da manhã?
          - Não, mas imagino o que está lá.
          - Quem imaginaria que aquele sonso do Guilherme Gouveia estivesse metido nessa história sórdida.
          - O Dr. Guilherme é um homem de bem. Seu depoimento ontem foi maravilhoso. Comoveu a todos nós.
          - O que ele fez foi um ultraje. Onde já se viu? Um diplomata em exercício, envolver-se nesse escândalo. Garanto que vai se arrepender. Estou pensando em exigir que ele seja expulso do Itamarati.
          Maria Alice indignou-se. Olhou o marido nós olhos e disse irritada:
          - Quem é você para fazer isso? Que moral tem para atirar pedras em um homem decente como ele? Logo você que desfila por todos os lados com a amante que sustenta no luxo à custa do dinheiro público! Não tem vergonha nessa cara?
          Antônio estremeceu. Seu rosto cobriu-se de intenso rubor. Apanhado de surpresa, não encontrou palavras para responder. Maria Alice olhou para ele e disse com voz calma:
          - Não seja tolo de levantar a lebre. O tiro pode sair pela culatra. Havendo se recuperado do susto, ele conseguiu dizer:
          - O que está dizendo? Enlouqueceu? O melhor é ir embora, você está intratável. Não dá para conversar.
          Lanira ia entrando para tomar café e perguntou:
          - O que foi, mãe? Ele estava furioso.
          - Nada de mais. Quis procurar lã e saiu tosquiado.
          Lanira sorriu e não respondeu. Sabia que as coisas não estavam bem entre eles. Tratou de tomar café, porque já estava quase na hora de sair.
          Quando o juiz reabriu a sessão do júri às dez em ponto, todos estavam sentados em seus lugares. Os jornais da manhã haviam publicado as declarações de Guilherme e foi preciso conter os curiosos que acorreram ao tribunal querendo assistir ao julgamento. Depois das formalidade habituais, finalmente Maria Júlia foi chamada a depor. A solenidade do lugar, o olhar das pessoas que a fitavam com curiosidade, os filhos que de onde estavam controlavam a própria ansiedade, tudo isso impressionou-a. Sentiu-se nervosa. Quando colocou a mão sobre a bíblia para fazer o juramento, lembrou-se das palavras de Daniel e endereçou um veemente pedido a Deus para que a ajudasse naquele decisivo momento. Quando se sentou, estava mais calma. Daniel começou a interrogá-la pedindo-lhe que relatasse tudo quanto aconteceu. Maria Júlia sentiu que uma força nova apoderou-se dela. Esqueceu o lugar onde estava, as pessoas, a importância do momento, voltou no tempo e viu-se ao dezessete anos, quando se apaixonou por Guilherme.
          Seu rosto modificou-se e ela começou a contar, com voz que a  emoção modulava, todos os acontecimentos. Seu amor por Guilherme, a entrega, a descoberta da gravidez. As pessoas ouviam-na sustendo a respiração, envolvidas pela magia daquela mulher bonita e cheia de classe que relembrava o grande amor de sua juventude. Ninguém ousava interromper a narrativa, e ela, perdida no oceano de suas lembranças mais íntimas, desnudava seus sentimentos, seus medos, sua ansiedade, seu desejo de felicidade. Depois, sua desilusão. A descoberta terrível do caráter do homem que de tornara seu marido. De suas tentativas de salvar Marcelo, de conseguir contar tudo à família dele e de como sofreu por não haver conseguida. Depois, a máscara que foi forçada a vestir para obedecer àquele homem vaidoso, que se escondia sob o verniz social mas que na intimidade era violento cruel. Ela contou tudo com detalhes. De vez em quando fazia pequena pausa e tomava um pouco da água que Daniel colocará a seu lado.
          Quando ela falou da fuga, de como fora obrigada a segui-lo, levantou um clamor de indignação na assistência que obrigou o juiz a pedir insistentemente silêncio. Ela disse que ele pretendia viajar para Roma, mas, percebendo que na sala de embarque havia dois conhecidos, resolveu tomar outro vôo. Assim chegaram ao Paraguai.
          Quando ela contou que finalmente a polícia apareceu e a libertou, houve um murmúrio de alívio no recinto. Ela finalizou:
          - Não guardo rancor de José Luís. Foi ele quem evitou que eu em meu desespero fizesse um aborto e permitiu que meu filho vivesse. Sempre lhe serei grata por isso, mas nunca mais quero vê-lo. Desejo que ele um dia tome consciência de todo o mal que fez, que se arrependa e que possa mudar sua maneira de ser. Quanto a mim, a única coisa que espero da vida agora é poder viver em paz com meus filhos, se Deus permitir.
          - Obrigado, D. Maria Júlia - disse Daniel.
          O juiz perguntou se os advogados de defesa desejavam interrogar a testemunha. Nenhum deles quis, o que irritou José Luís, que esperava que pelo menos o seu se levantasse para questionar tudo quanto ela dissera.
          Depois de os peritos apresentarem em juízo algumas provas, a corrente com a qual Maria Júlia havia sido presa, os documentos falsificados, o dinheiro apreendido com ele na fuga, etc, Rubinho tomou a palavra e começou a fazer as acusações contra os assassinos. Falou da crueldade do médico, que jurara curar mas que se tornará um assassino da própria família. Arrancou lágrimas da platéia e dos jurados, falando do sofrimento do Dr. Camargo, dos pais de Marcelo julgando-o morto. Comoveu. Foi uma peça brilhante de acusação. Depois foi a vez do advogado de defesa de Bóris e seus comparsas. Disse que eles haviam cometido todos esses crimes pressionados por José Luís, que os explorava. Disse que estavam arrependidos e pediu um abrandamento da pena.
          O advogado de defesa de José Luís falou pouco. Disse que o réu cometeu esses crimes inspirado pela paixão que sentia pela esposa. Pediu clemência sem muita convicção. Finalmente levantou-se Daniel como advogado de defesa de Maria Júlia. Tanto Maria Alice quanto Lanira, vendo-o de toga, bonito, digno em sua postura elegante, tendo no olhar um brilho que elas nunca haviam percebido nele, emocionaran-se.
          María Júlia sentiu o coração descompassada. Pediu a Deus que o ajudasse naquela hora. Daniel falou do amor de mãe, incondicional e eterno. Da luta daquela mulher que tudo suportou para proteger o filho. Discorreu com fluência sobre a infelicidade que se abateu sobre seus dois filhos, jovens inocentes de todos aqueles crimes, tendo que sofrer as consequências dos erros do pai. Salientou que eles precisavam mais do que nunca da mãe dali para a frente, e comoveu os jurados quando disse:
          - Eu peço que seja feita justiça. Está mulher já sofreu demais sem ter cometido crime algum. Mesmo rodeada de malfeitores da pior espécie, conservou a dignidade, fez o que pôde para evitar que eles cometessem mais crimes. Salvou a vida de Marcelo duas vezes, quando ele era criança e agora, há poucos meses , quando o sequestraram. Sim, foi ela e seu filho Gabriel que ajudaram a polícia a localizar e prender os seqüestradores. Por causa disso, sofreu no cativeiro, acorrentada, com ameaçá constante de morte. Ninguém mais do que ela merece daqui para a frente estar em paz com seus filhos. Peço sua completa e total absolvição. Senhora e senhores, tenho certeza de que lhe farão justiça.
          Os jurados se retiraram para deliberar, e o juiz interrompeu a sessão, avisando que seria reaberta assim que eles tiverem chegado aí veredito.
          Daniel e Rubinho foram cumprimentado pela brilhante atuação. Maria Alice, Josefa, Lanira reuniram-se a Maria Júlia, abraçando-a com carinho e dizendo-lhe palavras de conforto e apoio. Quando conseguiram escapar dos demais, Daniel e Rubinho juntaram-se ao grupo. Maria Alice abraçou o filho com olhos brilhantes, dizendo:
          - Você me comoveu! Nunca pensei que pudesse ser tão brilhante! Sinto-me orgulhosa e feliz. Tenho certeza de que escolheu o caminho certo.
          - Obrigado, mãe. Eu sempre soube que queria fazer o que fiz hoje. Sinto que esse é meu caminho.
          Marilda e Lídia aproximaram-se para cumprimentá-los. Vendo-as, Daniel abraçou-as com prazer:
          - Nunca esquecerei o brilho de seus olhos nem sua dignidade na brilhante defesa que fez - disse Lídia emocionada. - Você nasceu predestinado a defender o Direito e fazer valer a justiça.
          - A causa é nobre. Defender uma pessoa inocente é gratificante.
          - Tenho certeza de que se ela fosse culpada você não a teria defendido - respondeu ela.
          - Não mesmo.
          - Um advogado deve defender seu cliente mesmo que seja culpado - lembrou Marilda, que Inda abraçada a Rubinho ouvirá a conversa.
          - Não eu. Não encaro assim. Para defender uma causa ou uma pessoa, preciso acreditar que estou fazendo um bem. Só essa certeza pode me dar força e argumentos para vencer.
          - Eu tinha certeza que você diria isso. Eu sei que você é um advogado de Deus! - disse Lídia. E percebendo que a olhavam admirados, concluiu: - Quem defende o bem e a verdadeira justiça não está sendo um instrumento dele?
          Todos concordaram. Maria Alice olhava-os curiosa e Daniel apresentou-as à mãe.
          - Quanto tempo pensa que vai demorar para sair a sentença? - perguntou Lanira. Ela estava um pouco preocupada com a presença de Marcelo e Gabriel juntos ali. Ambos a olhavam como que tentando descobrir como é que ela iria dividir sua atenção entre eles. Foi Rubinho quem respondeu:
          - Não sei. Eles podem demorar o tempo que quiserem.
          - Quando a decisão é unânime, sai mais depressa. Quando há dúvida, demora mais. Em todo caso, penso que vão demorar algumas horas. Há muitas pessoas envolvidas e todos terão que ser julgadas - esclareceu Daniel.
          - Acha aconselhável esperar aqui? - indagou Maria Alice.
          - Vocês podem ir, se quiserem. Nós precisamos ficar. Temos que estar presentes quando formos chamados - respondeu Daniel.
          - O que faremos? - perguntou Maria Alice a Lanira.
          - Penso que podemos ir almoçar. Há um bom restaurante perto perto daqui - sugeriu Alberto.
          María Júlia não quis e os dois advogados convidaram-na a passar para uma sala de espera, onde ficariam mais à vontade. Lá havia água e café. Eles também preferiam não sair dali. Estava difícil segurar a ansiedade.
          Alberto insistiu com Lanira, Gabriel e Laura para irem comer, e Maria Júlia insistiu para que fossem. Tanto fez que finalmente concordaram.
          Lanira sentiu-se um pouco constrangida entre os dois rapazes. Tentou dar mais atenção a Laura. Isso colocou os dois moços mais próximos. Eles estavam pouco à vontade. Lanira notou, e assim que se instalaram no restaurante tentou contornar:
          - Vamos dar uma trégua às nossas preocupações. Nada podemos fazer com relação ao que está acontecendo naquela  sala do tribunal agora.
          - Não consigo pensar em outra coisa - tornou Laura.
          - É difícil - concordou Gabriel.
          - Não é, não - respondeu Lanira. - Vamos fazer de conta que passea do em seu barco. Tudo está bem, o dia é lindo, o mar está calmo e vamos almoçar. Gabriel suspirou fundo e considerou:
          - Como seria bom se pudéssemos estar lá e se nada disso estivesse acontecendo.
          - Que tipo de barco você tem? - perguntou Alberto. Gabriel olhou-o e hesitou em responder. Laura não se conteve:
          - Está pensando em tirar o barco de Gabriel?
          Alberto olhou-a surpreendido. Seus olhos brilhavam quando ele pousou a mão na dela que estava sobre a mesa e respondeu:
          - O que é isso, menina? O que acha que estou fazendo aqui?  Um inventário de bens para saber qual é o montante de minha fortuna?
          - Ela não quis dizer isso... - interveio Lanira tentando suavizar a situação.
          - Quis, sim. Ela acha que sou um aventureiro que apareceu de repente para lhes tirar todos os bens. Fique sabendo que só quero o que me pertence de direito. Não tenho intenção de tirar nada de ninguém. Você precisa perceber que sua postura orgulhosa e altiva não vai ajudá-la em nada daqui para a frente.
          Gabriel mordeu os lábios e considerou:
          - Laura ainda não aceitou a nova situação. Desculpe, garanto que não temos intenção de ofender. Você tem todo o direito à herança de sua família.
          - E difícil de repente você saber que está podre, que o nome de sua família não vale mais nada - disse Laura devagar, pensando em cada. - Fiquei insegura. Meu pai era para mim a segurança. Descobri que não posso mais esperar nada dele. Tenho medo. Não sei o que irá nos acontecer daqui para a frente. E se mamãe também for presa? Ficaremos sozinhos. Nossa família terá acabado.
          Gabriel ia responder, mas Alberto segurou a mão de Laura com força e falou primeiro:
          - Está enganada, Laura. Você ama sua mãe, seu irmão e até seu pai. Sei que ama. Essa é a garantia de que, aconteça o que acontecer, nada poderá separá-los. Estarão sempre em seu coração. Veja: eu perdi todos os parentes. Sozinho, tenho enfrentado não só o mundo mas quanto nos aconteceu. Mas apoiado no amor que sinto por meu avô, na certeza de que ele estava comigo, consegui chegar onde estou. Venci não só os inimigos de nossa família, mas venci o mundo, seus perigos, suas armadilhas e, que é mais difícil, venci meus medos. Não pense que foi fácil. Mas posso garantir a você, depois de tudo, que essa luta desenvolveu minha força. Hoje não tenho mais medo de nada. Estou certo de que quando você prefere o caminho reto, quando tem dignidade, respeito pela vida, escolhe viver no bem, tudo no universo trabalha a seu favor. O único temor que você pode ter é o de se deixar envolver pelas ilusões, pelo orgulho, pelas armadilhas da vaidade. O único perigo que a ameaça de fato não vem de mim nem ninguém, mas de você mesma, da maneira como você olha e enfrenta os desafios de sua vida. Agora é o momento de usar sua força e conquistar seu lugar. Não perca está oportunidade; aprenda com ela e cresça de verdade. Essa vitória ninguém lhe poderá tirar.
          Gabriel olhava-a admirado e Lanira sentiu-se mais aliviada. Laura baixou a cabeça sem saber o que responder. Sem largar a mão dela que segurava, ele continuou:
          - Apesar da tragédia que nos envolveu, vocês são meus únicos parentes vivos. Ao aproximar-me de vocês, tive apenas a intenção de conhecê-los, de dar oportunidade a que me conheçam também, descobrir se podemos nos tornar amigos. Tenho me sentindo só. Estou vencendo uma causa na qual dediquei toda a minha vida. Finalmente conheço minha origem, sei meu nome, dói alguém. Mas não tenho com quem dividir essa alegria. Quem né dera ter uma mãe como a de vocês para abraçar
          Laura estremeceu, levantou-os olhos e encarou Alberto. Sentiu que ele estava sendo sincero e sentiu vergonha. Ele estava sendo mais digno e generoso do que ela . Naquele momento, alguma coisa tocou seu coração e ela apertou a mão que segurava a sua dizendo com sincera emoção:
          - Desculpe, Marcelo. Tenho sido injustiça com você. Perdoe-me. Ele sorriu e largou a mão dela dizendo:
          - Não tenho nada contra você. Vamos pedir comida, que estou morrendo de fome. Eles tiram e apartir daquele momento começaram a conversar com naturalidade. Gabriel falou de sua paixão pelo barco. Marcelo o crivou de perguntas, já que não entendia nada do assunto. Depois foi sua vez de falar de sua vida na Inglaterra, dos costumes e da grandeza daquele povo que aprendera a admirar.
          A conversa decorreu agradável e Lanira ficou alegre percebendo que a tensão entre eles diminuira. Laura de vez em quando ficava pensativa e Lanira notou que ela disfarçadamente observava Marcelo como querendo descobrir mais a respeito dele.
          Quando voltaram ao tribunal, passava das quatro e não havia ainda nenhuma novidade. Fazia três horas que os jurados estavam reunidos deliberando.
          Rubinho mandará comprar alguns lanches e refrigerantes, e, apesar da tensão, eles conversavam tentando distrair Maria Júlia. Maria Alice aproveitou para conversar mais com Marilda e Lídia, e Daniel percebeu que ela sabia de seu interesse por Lídia e tentava conhecê-la melhor.
          Finalmente bateram no porta para avisar que a sessão seria reiniciada dentro de quinze minutos. Em silêncio, coração batendo forte, todos se dirigiram para a sala do júri. Guilherme estava lá, olhar ansioso que ia de Maria Júlia a Gabriel. Ficará do lado de fora da sala onde eles estavam. Naquele momento difícil de incerteza, não queria impor sua presença. Queria apenas que eles percebessem que estava ali, apoiando-os, pronto para fazer o que pudesse a favor deles.
          Maria Júlia olhou para ele e seus olhos se encontraram. Queria correr para ele, aninhar-se em seus braços protetores até que aquele instante acabasse. Porém não teve coragem. Mas seus olhos disseram tudo que ela sentia e bastou esse pequeno sinal para que se entendessem. Depois das formalidades, o juiz leu o veredicto do juri. José Luís foi considerado culpado e condenado a noventa anos de prisão. Os cúmplices todos foram julgados sem atenuantes e condenados Bóris, Pola e Eleutéria, trinta anos cada um. Antunes foi inocentado da participação nos outros crimes, mas pêlo seqüestro pegou quinze anos de reclusão. Quanto Maria Júlia, foi considerada uma vítima do marido e absolvida de todos aqueles crimes.
          Ao ser pronunciada a sentença, um grito de ódio quebrou a solenidade do momento.
          - Bandidos, canalhas, traidores! Vocês me pagam. Vou me vingar. Acabar com um por um.
          Antes que saíssem da surpresa, José Luís de um salto agarrou Rubinho vibrando violento murro em seu rosto. Imediatamente os policiais saltaram sobre eles, que se debatia e gritava sem parar:
          - Você não me venceu, seu moleque maldito! Nem você, mulher traidora. Vou acabar com vocês. Ninguém vai me vencer. Eu sou mais forte, mais inteligente, mais rico. A força de José Luís parecia duplicada. Os guardas finalmente conseguiram imobilizá-lo no chão enquanto o juiz solicitava que o mantivessem seguro. Com as mãos algemadas nas costas, as pernas amarradas e alguns homens segurando-o, José Luís não se assemelha a em nada com o homem altivo e desafiador que entrara no tribunal. Seus olhos pareciam saltar das órbitas e seu rosto se não contorcia em um ricto de ódio. Laura não se conteve e gritou:
          - Pai, não faça isso! Não. Eles vão matá-lo! Por favor.
          Ela empalideceu e iria cair. Marcelo que estava a seu lado, amparou-a tomando-a nós braços, saindo dali à procura de um médico.
          Enquanto alguns amigos socorriam Rubinho, que se refazia do soco que levava, Maria Júlia queria sair atrás de Laura, mas a confusão que se estabeleceu no recinto, onde as pessoas se aglomeravam querendo ver melhor o que estava acontecendo, vê-la perder o ar. Gabriel abraçou-a tentando abrir passagem e impedindo que a empurrassem. Naquele momento um braço forte os amparou. Guilherme surgiu com dois guardas, forçando a passagem, e segurou Maria Júlia sem ar ameaçava perder os sentidos, e disse para Gabriel:
          - Rápido. Vamos ou ela vai desmaiar.
          Auxiliados pelos dois guardas, em poucos minutos eles conseguiram sair para o corredor. Guilherme continuou:
          - Vamos levá-la para aquela sala. Laura está lá, sendo atendida pelo médico. Foi quase carregada pelos dois que Maria Júlia se deixou conduzir. Sua cabeça rodovia e ela que não tinha mais forças. Só conseguiu balbuciar:
          - Laura. Quero ver Laura!
          - Calma. Ela está bem. Vamos cuidar de você.
          Assim que entraram na sala, viram Laura sentada em uma cadeira amparada por Marcelo segurando um copo de água com as mãos trêmulas. Vendo a mãe entrar amparada, assustou-se quis se levantar:
          - Fique sentada. Sua mãe está bem. Só um pouco abalada com o tumulto. O médico vai ajudá-la - disse Guilherme.
          Fizeram-na sentar-se e o médico imediatamente a atendeu, segurando seu pulso:
          - Laura! - disse ela - Como ela está, doutor?
          - Já melhorou. Não tem nada. Está só nervosa. Acalme-se. A senhora está muito debilitada. Tem se alimentado?
          Foi Gabriel quem respondeu:
          - Ela não comeu nada hoje. Estava muito tensa.
          - O que é isso, D. Maria Júlia? A senhora já ganhou essa guerra! É hora de comemorar! Vamos reagir.
          - Isso mesmo, mãe. Finalmente estamos livres desse pesadelo. Logo estaremos em casa e tudo ficará bem - disse Gabriel alisando com carinho os cabelos dela. Laura respirou fundo e tentou levantar-se, mas havia tomado um calmante e estava trêmula. Marcelo amparou-a colocando sua mão em seu braço para que se apoiasse. Conduziu-a para perto da sua mãe. Sabia que era isso que ela queria.
          Vendo-os, Maria Júlia perguntou:
          - Está melhor, minha filha?
          Ela sentiu vontade de chorar, mas controlou-se:
          - Estou - respondeu. - Quero ir para casa. Maria Júlia olhou para o médico e perguntou:
          - Ela já pode ir? Não me parece bem ainda.
          - Pode, sim. Dei-lhe um calmante e ela precisa descansar. Seria bom mesmo que fosse repousar. Quando acordar, estará bem.
          - Eu também gostaria de ir embora, mas não sei se já estou liberada. Tenho que falar com Daniel. Leve Laura para casa, Gabriel. Ela precisa deitar-se.
          Ele olhou preocupado. Não desejava deixá-la só. Ela ainda estava muito fraca. Marcelo adiantou-se:
          - Fique com sua mãe, Gabriel. Levarei Laura para casa e ficarei com ela até vocês chegarem.
          - Está bem. Obrigado.
          Maria Júlia olhou-os surpreendida. Sabia que Laura sempre se referia a Marcelo com raiva, mas, vendo-a apoiada no braço dele, não fez objeção. O que ela queria mesmo era afastar a filha daquele ambiente para que não visse mais nada do que estava acontecendo com o pai. Guilherme estava ao lado em silêncio. Não queria impor sua presença valendo-se de uma circunstância conturbada como aquela. Mas estava pronto a intervir se fosse preciso. Eles se foram e aos poucos Maria Júlia foi se acalmando. Quando Daniel entrou na sala acompanhado por Lanira e Maria Alice, ela estava melhor. Eles a abraçaram com carinho.
          - Laura está bem - informou ela. - Marcelo levou-a para casa. Tomou um calmante e precisa descansar.
          O médico, que se aproximara, interveio:
          - A senhora precisa se alimentar. O Dr. Gouveia já mandou buscar um lanche e a senhora vai comer agora.
          - Ela não está precisando de um calmante? - indagou Maria Alice, preocupada.
          - Se ela tomar um agora, fraca como está ficará pior. Precisa é de um estimulante. Vai comer e depois está liberada. Quero ver a cor voltar a seu rosto antes de ir. Ela hesitou e depois perguntou:
          - José Luís ainda está lá?
          - Não. Deram-lhe uma injeção calmante e levaram-no - informou Daniel.
          - Para onde?
          - Não sei. Há muita confusão ainda. Os jornalistas não arredam o pé à sua espera. Disseram que não saem sem uma entrevista sua - esclareceu Daniel.
          - Não quero falar com eles.
          - Daremos um jeito de tirá-la daqui sem que nos vejam - garantiu Daniel.
          - E Rubinho? Está bem?
          - Está. Não se preocupe.
          - A reação de José Luís foi inesperada - comentou Maria Alice.
          - Ele nunca aceitou perder - disse Maria Júlia.
          - Agora terá que se conformar. Não há nada que ele possa fazer - esclareceu Daniel.
          - Estive conversando com o advogado dele. Não vai recorrer. Diante do que ouviu no julgamento, acha que será inútil. José Luís está acabado.
          O lanche chegou e Maria Júlia tomou o café com leite que lhe foi oferecido e comeu o sanduíche de presunto com queijo sob as vistas do médico. Ela estava se sentindo melhor. A certeza de que estava livre, o carinho dos amigos, dos filhos, a presença de Guilherme, que mesmo em silêncio a confortava, deu-lhe calma e, aos poucos, disposição.
          - De minha parte, esta liberada - disse o médico com satisfação. - Desejo-lhe muitas felicidades. Trabalho aqui há muitos anos. Fico feliz quando a justiça se cumpre.
          - Podemos ir para casa? - perguntou ela a Daniel.
          - Podem. A senhora está livre.
          Ela se levantou e abraçou-o com carinho:
          - Obrigada, Daniel, por tudo que fez por nós. Nunca esquecerei. Ele correspondeu ao abraço e n respondeu. Estava emocionado e satisfeito. Rubinho entrou acompanhado de Marilda e Lídia. Garantiu que estava bem. Informou que José Luís fora retirado do local fora de si. Apesar da injeção calmante, continuava com a voz pastosa e insegura, acusando a todos e jurando vingança.
          Maria Júlia despediu-se de todos com carinho. Diante de Guilherme, deteve-se olhando-o com emoção. Ele gostaria de acompanhá-la até em casa, mas não se atrevia a sugerir. Estendeu a mão dizendo:
          - Obrigada, Guilherme. Sem seu depoimento, talvez agora eu não estivesse livre. Ele segurou a mão que ela lhe estendia e sem poder se conter beijou Maria Júlia delicadamente na face:
          - Vá com Deus e fique boa logo.
          Gabriel olhou-o nós olhos e sentiu a voz embargada. Aquele homem era seu verdadeiro pai. Como ele seria na intimidade? Sentia vontade de abraçá-lo, de aproximar-se mais, entretanto teve medo. Havia aprendido que as aparências enganam. Ele era respeitado e querido em sociedade, mas José Luís também. Era melhor continuar distanciado. Não queria mais uma desilusão. Estendeu a mão e disse sério:
          - Também sou grato pelo que o senhor fez. Obrigado.
          Quando eles saíram, Guilherme acompanhou-nos com o olhar comovido e Daniel disse-lhe baixinho:
          - Fique firme.  Vai dar tudo certo. Guilherme sorriu e abraçou-o:
          - É. Acho que vai. Parabéns pelo trabalho de vocês. Foi grande. Se eu perder meu emprego, talvez volte a advogar. Teria um lugar para mim em seu escritório?
          - Está brincando! - respondeu Daniel alegre. - Ouviu o que ele disse, Rubinho?
          Nesse tom alegre eles se despediram, e enquanto Rubinho tentava distrair os jornalistas afirmando que Maria Júlia iria sair de uma sala do outro lado do corredor, Daniel despediu-se de todos e conduziu-a com Gabriel até seu carro, levando-os para casa.

     

         

         
     

       
         
         

      
      

       
      

      
    
     
         
      
    

O ADVOGADO DE DEUSOnde histórias criam vida. Descubra agora