CAPÍTULO 23

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          Alguns minutos antes das oito horas, Daniel e Lídia chegaram a casa de Josefa. Depois de abraçá-la eles foram para a sala de reuniões. Surpreendido, Daniel viu que lá estavam Lanira, Laura, Gabriel e Alberto. Eles haviam se encontrado durante o dia e ninguém comentará a intenção de ir até lá. Laura, abatida, olhava um pouco assustada para os outros participantes sentados ao redor da mesa e nas outras cadeiras da sala. Nunca havia ido a uma sessão espírita. Gabriel costumava conversar com a mãe dizendo que  via coisas, mas ela nunca se detivera
para pensar nisso. Não acreditava.
          Tanto seu irmão e Lanira insistiram que ela concordará em ir até lá. Gabriel dissera-lhe que os espíritos viam tudo quanto acontece na Terra e poderiam, se quisessem, dizer onde seus pais estavam.
          Assim que chegaram, depois de apresentá-la a Josefa, Gabriel pediu ajuda para descobrir o paradeiro dos pais. Queria saber se sua mãe estava bem. Ao que a dona da casa respondeu:
          - Vamos pedir com fé e confiança e ver o que conseguimos.
          - Eles dirão onde meus pais estão? - indagou Laura.
          - Só se tiverem permissão de seus superiores.
          - E se eles não quiserem dar? - insistia Laura, pensando que essa resposta seria uma desculpa caso a informação fracassasse.
          Josefa olhou-a nós olhos com firmeza e respondeu:
          - Tudo no universo funciona obedecendo à ordem divina. Cada acontecimento tem sua razão de ser. Por isso, para interferir nesse processo eles, precisam de permissão de quem conhece mais do que eles, para não atrapalhar o andamento das coisas . Nem sempre o que nós desejamos é o melhor para nós e para os outros envolvidos. A vida é mais sábia do que vocês podem imaginar. Tem seus próprios caminhos, mais perfeitos e adequados do que os nossos. Aceitar os fatos que não podemos mudar é prudente e sábio.
          Laura falou-se e eles foram conduzidos à sala. Quando Alberto chegou, Laura fez menção de levantar-se. Gabriel segurou seu braço dizendo baixinho:
          - Sente-se e fique quieta.
          - Não sabia que esse aventureiro viria . Vou embora. Não posso ficar na mesma sala que ele.
          - Acalme-se. Está sendo injusta. Ele é que poderia não querer ficar conosco aqui. Afinal  foi o maior prejudicado. Se ele fica aqui apesar de nós, você também pode ficar. Laura mordeu os lábios e não respondeu. Seria mesmo verdade tudo aquilo? Seu pai teria feito tantas maldades? Se ao menos ela pudesse ter certeza!
          Tentou dominar a angústia. Sentia vontade de sair correndo dali, de gritar de seu desapontamento, sua desilusão.
Mas controliu-se. Não podia fraquejar diante de estranhos e principalmente diante de seus inimigos. Apertou a boca com mais força quando viu Daniel entrar com Lídia. Sentiu-se acusada. Procurou não demonstrar. Eles não iram ter o prazer de vê-la sofrer.
          Josefa sentou-se à cabeceira da mesa, fez pequena prece, apanhou um livro e pediu a Laura que abrisse ao acaso. Ela obedeceu e devolveu-o a Josefa, que leu:
          - A fé remove montanhas.
          Após ler o pequeno trecho do livro, Josefa falou sobre a fé, dizendo que ela é a força que alimenta o espírito. Que se juntarmos a fé em Deus à sinceridade e pureza de nossa alma, removeremos todos os obstáculos para nosso processo e felicidade. Porém a fé só age com toda a sua força em nós quando estamos estamos voltados à verdade e ao bem. Os conceitos da verdade e do bem são relativismo, que ainda pode estar cheio de enganosas ilusões. Para destruí-las, a vida cria desafios para que a consciência descubra os valores eternos do espírito. Quando chegamos a esse ponto é que a fé e o bem possuem a força irresistível que transporta montanhas.
          As luzes apagaram-se, ficando acesa apenas pequena lâmpada azul. Uma médium começou a falar:
          - Finalmente encontramo-nos. Tenho procurado falar com você, mas nunca me deu atenção. Esqueceu nosso trato. Preciso que me ajude! Eles pensam que estou morta, mas é mentira. Tenho gritado que estou viva, mas parece que não me ouvem.
          - Você está viva - disse Josefa -, mas seu corpo morreu.
          - Não acredito. Como pode ser isso? Eu sou a mesma. Por que não me entendem?
          - A vida continua depois da morte do corpo. Você morreu, mas seu espírito vive.
          - Não pode ser verdade! Laura, fale comigo, diga que aquele acidente não me matou. Eu estou viva!
          Laura estremeceu enquanto seu coração se descompassada. Sentiu arrepios pelo corpo enquanto em sua mente aparecia o rosto de sua colega de colégio morta em um acidente de carro dois anos antes.
          Assustada, segurou a mão de Lanira, que estava a seu lado apertando-a com força. Vendo sua aflição, Lanira sussurrou a seu ouvido.
          - Calma, Laura. Está tudo sob controle. Não tenha medo. A médium continuava:
          - Sou jovem, quero viver! Por que tudo aconteceu comigo?
          - Vamos orar em favor dela - pediu Josefa aos presentes. Aos poucos a médium diminuiu os soluços e por fim disse:
          - Agora estou percebendo o que aconteceu. Sinto-me melhor. O pesadelo acabou. Obrigado, Laura, por ter me trazido aqui.
          - Vá em paz. Deus a ilumine - disse Josefa.
          O silêncio se fez. Pouco depois outra médium começou a falar sobre os desafios da vida que promove a renovação espiritual de cada um, colocando-nos frente a frente com suas necessidades de progresso. Por fim, ressaltou a importância da fé e da confiança em Deus. Quando ela se calou, Josefa fez ligeira prece de agradecimento e encerrou a reunião. Quando a luz acendeu, Josefa aproximou-se de Laura oferecendo-lhe um pouco de água, dizendo:
          - Beba.
          Laura obedeceu e depois perguntou:
          - Mencionaram meu nome. Estava falando comigo?
          - Sim.
          - Como pode ser se a pessoa que falava nem me conhecia? Como sabia meu nome?
          - O médium não a conhecia, mas o espírito que se comunicou por meio dele estava com você. Trata-se de uma jovem de estatura média, cabelos castanhos lisos, pele clara e olhos cor de mel. Morreu em um acidente. Vocês eram muito amigas tempos atrás.
          - Milena! Minha colega de ginásio. Morreu há mais de dois anos em um desastre de carro. Ela era como você disse. É extraordinário!
          - Ela disse que você tinham um trato. Lembra-se?
          - Lembro. Fizemos um pacto de amizade. Estaríamos sempre em contato. Fiquei muito chocada com a morte dela. Apesar da promessa, fui a seu túmulo só no dia do sepultamento, depois nunca mais voltei. Será que foi por isso que ela disse que não cumpri nosso trato?
          - Não. Ela se encontrava em estado de semi consciência. Nem sequer sabia que havia morrido.
          - Como pode acontecer isso?
          - Resistência às mudanças. Medo de perceber a verdade. Falta de conhecimento sobre a vida após a morte. É comum acontecer com pessoas muito apegadas à vida na Terra, aos familiares e aos bens que deixaram.
          - Ela disse que eu a trouxe aqui. Como?
          - Apesar de pertubada, ela percebeu que precisava de ajuda. Procurou a família mas ninguém a ouvia. Você era a amiga e confidente, ficou de seu lado tentando falar-lhe. Hoje, aqui, pôde ser esclarecida. Os amigos espirituais aproximaram-na de um médium, e, ao ser envolvida pela energia dele, ela se sentiu como se ainda estivesse no corpo de carne. Pôde falar através dele e ser ouvida. Nesses momentos, reassumiu a lucidez e pôde compreender melhor o que lhe aconteceu.
          - E agora, o que acontecerá a ela?
          - Ficará sob a proteção e orientação dos bons espíritos, que a levarão para o lugar apropriado.
          - Ela não ficará mais a meu lado?
          - No momento, não. Se um dia estiver bem, poderá visitá-la.
          - Preferia que não. Senti medo. Josefa sorriu levemente.
          - Ela gosta de você. Nunca lhe fará mal.
          - Eu sei. Mas prefiro que ela não venha. Sofri muito por causa do acidente dela. Tive pesadelos em que a via ensangüentada pedindo ajuda. Um horror! Sempre que pegava o carro, lembrava-me do acidente e tinha medo de dirigir.
          - Você ficou impressionada, mas agora isso vai passar. A presença dela a seu lado provocava essas emoções e os pesadelos. Ela passava para você toda a angústia e o medo que sentia. Tenho certeza de que essas impressões vão desaparecer.
          - Ainda bem. Gabriel interveio:
          - Eles não disseram nada sobre nosso caso.
          - Não diretamente - respondeu Josefa. - mas o tempo todo pediram que pediram que tivessem fé e continuassem orando. Eles estão ajudando. Vamos aguardar mais um pouco. Alberto aproximara-se de Daniel e Lídia. De vez em quando olhava para Lanira sem coragem de se aproximar, uma vez que ela fora com Gabriel. Daniel despediu-se e saiu com Lídia. Alberto os seguiu.
          - Gostaria de falar com Lanira, mas ela está com Gabriel. Talvez não seja oportuno - comentou ele quando chegaram à rua.
          Lídia sorriu dizendo:
          - Pelo jeito você está com ciúme.
          - Talvez - reconheceu ele. Depois, vendo que Daniel olhava-o sério, completou:
          - Gostaria de falar com você sobre Lanira. Temos saído algumas vezes como amigos, mas confesso que ela me atrai muito.
          - Lanira é muito jovem. É cedo para pensar nisso - respondeu ele.
          - Agora é você quem está com ciúme - brincou Lídia. - Lanira é mulher feita e sabe o que o quer.
          - Nunca se interessou por ninguém - disse Daniel querendo encerrar o assunto que o desagradava. - Até hoje e não quis namorar firme.
          - Eu sei - concordou Alberto. - Compreendo sua intenção de protegê-la. Ama eu garanto que minhas intenções são sérias. Gostaria que soubesse que estou disposto a conquistá-la, e se ela me quiser serei muito feliz. Daniel fez ligeiro aceno com a cabeça e em seguida despediu-se de Alberto. Assim que se afastaram, Lídia foi direto ao assunto:
          - Você não foi muito amável com Alberto.
          - Como cliente eu o suporto, mas não o quero na família.
          - Por quê? Parece-me um bom rapaz. Sua atitude com você correta.
          - Por que o defende? Estará do lado dele?
          Lídia olhou-o surpreendida. Daniel nunca usara esse tom áspero com ela antes
          - Desculpe, não quis me envolver em assustos que não me dizem respeito.
          Daniel pegou a mão dela e beijou-a dizendo triste:
          - Sou eu quem deve pedir desculpas. Fui grosseiro. É que não gostaria que Alberto namorasse Lanira. Isso me incomoda, deixa-me nervoso.
          - Vamos esquecer o assunto. Afinal eu não deveria ter dito nada. Gabriel, Lanira e Laura ficaram algum tempo conversando com Josefa. Laura estava se sentido muito melhor. A desconfiança desaparecera e dera lugar à curiosidade.
          Gabriel não queria estar ausente de casa durante muito tempo.
          - Temos que ir. Tenho esperança de que mamãe telefone.
          Despediram-se combinado voltar na semana seguinte. Levaram Lanira para casa e no caminho de volta Laura crivou o irmão de perguntas sobre as experiências dele. Descobriu que Gabriel vira o espírito do Dr. Camargo, entre outros.
          - Eu não quero ver nada. Tenho medo.
          - Essas coisas não acontecem por vontade nossa.
          - Deus me livre! Não quero nada com almas dos mortos. Gabriel riu e considerou:
          - Você não queria, mas Milena estava ao seu lado. Você acha que não querendo e o suficiente para não acontecer. Engana-se. Eles aparecem quando podem ou querem e você não tem como evitar.
          - E se ela me aparecer?
          - Ela foi embora não vai acontecer. Pois eu queria muito que o espírito do Dr. Camargo viesse para me dar notícias de mamãe. Não tenho medo nenhum, ficarei até muito agradecido.
          Uma vez em casa, cada um foi para seu quarto. Antes de dormir, Gabriel rogou a Deus que o ajudasse. Deitou-se e dormiu. Sonhou que alguém o perseguia, querendo matá-lo. Correu tentando esconder-se, tentou acordar mas não conseguiu mexer o corpo. Apavorado viu o vulto escuro do perseguidor entrar em seu quarto, quis gritar mas a voz não saiu. Em pensamento rezou pedindo ajuda de Jesus. Imediatamente apareceu no quarto uma luz clara e em seguida o Dr. Camargo entrou. Seus olhos brilhavam como faróis acesos. Vendo-o, o vulto escuro encolheu-se a um canto enquanto a um gesto do Dr. Camargo duas pessoas que estavam atrás dele aproximaram-se do vulto, seguraram-no levaram-no. Gabriel respirou aliviado. O Dr. Camargo aproximou-se dele e colocou a mão sobre sua testa, dizendo:
          - Tudo está bem agora. Continue orando com fé. Nós estamos ajudando vocês. Ansioso, Gabriel pensou na mãe, e antes que formulasse qualquer pergunta o espírito disse:
          - Ela está protegida. Confie.
          Ele desapareceu e Gabriel finalmente conseguiu mexer o corpo. Levantou-se de um salto. Sei corpo estava coberto de suor. Foi a copa, tomou um copo de água e respirou fundo. Tinha certeza de que fora mesmo o Dr. Camargo que estivera ali. Ele lhe disse que sua mãe estava protegida. Respirou aliviado. Naquele momento sentiu que nada de mal acontecera a ela. Comovido, levou seu pensamento em Deus em agradecimento.
          No dia seguinte logo cedo ligou para Lanira e contou-lhe o sonho e  finalizou:
          - Sinto-me aliviado. Tenho certeza de que nada de mal acontecerá com mamãe.
          - Ele poderia ter dito onde eles estavam.
          - Não creio. Ajudar de fato é difícil. Depois, a vida tem seus próprios meios. Eles sabem que intervir em muitos casos pode piorar o processo. Por isso só o fazem quando têm permissão dos superiores. Mas ele nos garantiu ajuda e proteção. Para mim é suficiente.
          - Você tem fé.
          - Tenho. Sabe, Lanira, a presença dos espíritos bons em minha vida tem sido constante. Sei que a proteção deles é preciosa. Agradeço a Deus poder tê-los do nosso lado agora. A presença do Dr. Camargo trouxe-me alívio e esperança.
          - Gostaria de ser como você. Eu acredito, mas não com essa força. E Laura, está mais calma?
          - Sim. Acordou menos abatida. Ainda está maravilhada com a comunicação de Milena. Não fala em outra coisa.
          - É natural. Está descobrindo a vida após a morte.
          - Ela sempre foi indiferente a qualquer crença.
          Eles continuaram conversando durante algum tempo mais. Maria Alice passou pelo corredor e ouviu algumas palavras. Quando Lanira desligou o telefone, ela entrou no quarto perguntando:
          - Era Gabriel?
          - Sim. Você acredita que o espírito do Dr. Camargo está ajudando Gabriel?
          - Não diga! Será? Como é que você sabe disso?
          Lanira pediu a mãe que se sentasse a seu lado e contou-lhe os fatos da noite anterior, o sonho de Gabriel. Quando finalizou, Maria Alice disse:
          - Estou toda arrepiada! Que coisa! Será que a pessoa que falou como se fosse Milena não estava fingindo?
          - De forma alguma. Por que faria isso? Depois, nenhum dos amigos de tia Josefa que freqüenta as sessões conhecia Laura e muito menos Milena. Como poderiam falar de coisas que só Laura e ela sabiam? Era a primeira vez que Laura ia lá.
          - É inacreditável! Eu me recordo quando Milena morreu. Conheci-a. Era uma bonita moça. Você se lembra dela?
          - Vagamente. Mas Laura garante que ela era mesmo como a tia descreveu.
          - Josefa sempre disse que via espíritos. Nunca acreditei. Mas agora...
          - Ela vê mesmo, mãe. Acha que ela conheceu Milena?
          - Não Josefa não gostava de frenqüentar a casa de nossos amigos. Sempre foi avessa às formalidades. Estava sempre às voltas com pessoas que não eram de nosso círculo. Minha mãe ficava muito irritada com ela. Não creio que ela a houvesse conhecido. Quando ela se casou, Milena n havia nascido. Aí ela se afastou mesmo de todos nós.
          - Se ela não a conheceu em vida e a descreveu a Laura, só pode tê-la visto agora, como espírito. Não acha?
          - Isso é o que está me intrigando. Será que Josefa vê os espíritos mesmo?
          - Não tenho nenhuma dúvida, mãe. Muitas vezes depois das sessões ele descreve alguns espíritos para as pessoas dando o recado que eles pediram.
          - É incrível. Não sei o que pensar. Lanira sorriu e respondeu:
          - Pois não pense. Vá assistir a uma sessão né certifique-se.
          - Talvez vá. Ultimamente tenho pensado muito. Até agora tenho levado uma vida fútil e sem prazer. Estou procurando alguma coisa nova que me estimule a viver. Ando cansada da falsidade das pessoas, dos jogos que elas da fazem para obter o que querem, das mentiras e da desonestidade. Resolvi não participar mais desse jogo sujo. Quero mudar. Lanira abraçou a mãe dizendo séria:
          - Ainda bem que entendeu. Há muito que sinto a mesma coisa. Tia Josefa é a pessoa certa para você conseguir o que deseja. Por que não a procura?
          - É o que tenho feito nas últimas semanas. Ela tem sido muito bondosa comigo. Depois de nossas atividades grosseiras nos afastando dela, recebeu me e tem me tratado como se eu sempre a tivesse respeitado como deveria.
          - Ela é uma pessoa maravilhosa. Por Isso você tem estado tão mudada. Está mais viva, mais interessada, perdeu aquele ar de indiferença, humanizou-se. Fico feliz por você. Maria Alice olhou-a nós olhos e disse séria:
          - Essa mudança tem um preço. Eu espero que você e Daniel não se aborreçam comigo por causa disso.
          - Nós? Por que?
          - Olhar a verdade nem sempre é agradável. Você descobre coisas e, depois disso, não suporta mais viver enganada.
          - Está falando da carta anônima?
          - Estou falando de minha vida afetiva. Há muito que ela foi sufocada. Olhar a verdade pode trazer à tona coisas que podem mudar minha vida radicalmente.
          - Você tem o direito de escolher como deseja viver. Nós não temos nada com isso. Pensa em separar-se de papai?
          - Não pensei nisso ainda. Por enquanto estou querendo descobrir meus verdadeiros sentimentos. Às vezes sinto medo do que irei encontrar.
          - Sei como é isso. De certa forma estou na mesma situação. Entre Alberto e Gabriel, não sei ainda de qual eu gosto mais. Nesse caso, mãe, acho que nós precisamos esperar um pouco mais para que a situação se esclareça.
          - Tem razão, minha filha. Vamos esperar. Quando é que será a próxima sessão de Josefa?
          - Na terça que vem.
          - Acho que irei com você.
          As duas continuaram conversando animadamente. Antônio, que naquela manhã ficará em casa para estudar melhor um discurso que pretendia fazer logo mais à tarde, passou pelo corredor, pela porta entreaberta viu as duas conversando animadamente e pensou:
          "O que estaria acontecendo com Maria Alice? As duas nunca trocavam mais do que algumas palavras. Agora ficam horas conversando. Ela tem estado intratável ultimamente. Era tão cooperativa! Alícia falou em menopausa. Será? As mulheres são tão cheias de complicações! Precisava insistir para que ela fosse ao médico. Talvez com um pouco de hormônios ela voltasse a ser como antes." Resolveria depois. Não podia desviar a atenção de seu discurso. Era muito importante. Estaria falando para técnicos, teria que mostrar conhecimento e erudição. Felizmente Alícia fizera uma boa pesquisa do tema.
          Alícia! Entrar em sua vida e tomara conta de tudo. A seu lado sentia-se forte, capaz! O seminário seria na Argentina. Depois da abertura e de seu discurso, estaria livre. Não se importava de perder os debates. Como representante do Brasil, participaria das solenidade de abertura, faria seu discurso no primeiro dia e só apareceria novamente três dias depois, no encerramento.
          Depois de sua fala, daria muitas entrevistas para os jornais se ocupassem de sua participação no evento. Gostaria assim seu prestígio no Brasil. Dessa forma ficaria com alguns dias livres para passear com Alícia. Pretendia levá-la a uma casa de tangos, dançar um pouco e ver os shows. A viagem estava marcada para a tarde do dia seguinte. Não tinha muito tempo para se preparar. Fechou-se no escritório decidido a estudar. Na tarde do dia seguinte, quando Antônio já com as malas prontas procurou Maria Alice para despedir-se, encontrou-a lendo no quarto. Aproximou-se dizendo:
          - Vim despedir-se. Está na hora.
          Maria Alice levantou os olhos do livro e disse com naturalidade:
          - Boa viagem.
          - Você parece aborrecida por eu ter que viajar.
          - Engano seu. Já estou acostumada.
          - Você sabe que não vou por prazer. Estou cansado dessas viagens. Preferia ficar em casa, mas o dever me chama. Tenho que corresponder aos votos de meus eleitores.
          - Não precisa fingir comigo. Não pretendo ser sua eleitora nas próximas eleições. Ele se irritou:
          - Porque está tão agressiva?
          - Não tive intenção. Mas conheço bem você. Discursar, aparecer, viajar com todas as mordomias oficiais é o que mais gosta de fazer. Está indo com prazer. Não vejo razão para fingir o contrário, ainda mais que vai em boa companhia.
          - O que está insinuando?
          - Nada que você já não sabia.
          - Francamente, você está intolerável. Bem que me disseram: mulher na menopausa é triste. Por que não procura um médico?
          Maria Alice fechou o livro, levantou-se e encarou-o firme:
          - Foi a sua adorável secretária quem disse isso?
          O rosto dele coloriu-se de intenso rubor. Tentou disfarçar o susto:
          - Estou indignado! Está falando de uma senhora respeitável e muito competente. O fato de Alícia trabalhar não lhe dá o direito de implicar com ela.
          - Que injustiça! A secretária exemplar, perfeita.  Vá, Antônio, não a deixe esperar muito. Podem perder o avião.
          - Vou mesmo. Não sei o que está acontecendo com você. Francamente. Não dá mais nem para conversar.
          Ele saiu e Maria Alice deixou-se cair no sofá. Estava indignada. Tanta falsidade enojava-a. Lá ia ele representar o papel de pai de família exemplar, de político digno, do homem correto, interessado no progresso do país.
          A verdade era bem outra. Ele era como um sanguessuga do povo que dizia representar e servir, mau marido, péssimo político, interessado apenas em manter o próprio prestígio a todo custo.
          Maria Alice sentia que havia perdido o respeito por ele. Estava difícil continuar convivendo cada dia, ela via aumentar mais a distância que os separava. Começava a perceber que não poderia mudar sua vida e continuar fechando os olhos para as falcatrua do marido. As duas coisas eram incompatíveis.
          Respirou fundo. Ainda não havia divórcio no Brasil. Tornar-se desquitada era ser desrespeitada pela sociedade. Quase sempre os maridos davam em cima da desquitada e as esposas afastavam-se dela com receio da concorrência.
          Aos homens tudo era permitido. Ter amantes era chique, sinal de masculinidade. No desquite, mesmo quando o homem era o culpado, a mulher, de uma forma ou outra, acabava sempre sendo responsabilizada.
          Se ela quisesse libertar-se do marido, teria que enfrentar essa situação. Precisava avaliar bem até que ponto suportaria. Estava resolvida a dar outro rumo a sua vida, mas ainda não sabia se estava preparada para ser olhada como mulher fracassada, que não soubera manter o casamento.
          Depois, havia os filhos. Lanira ainda não se casara. Não tinha o direito de atrapalhar o futuro dela. Teria que agüentar pelo menos até que ela se casasse. Depois pensaria novamente no assunto.
          Apanhou o livro, sentou-se e reiniciou a leitura.
   
      
         
         
       
        
         
     
   

   
         
  
        
          
    
         
         
    
         
         
     

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