CAPÍTULO 9

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Na sala de espera do consultório de Júlio, Daniel e Rubinho esperavam. Estava escurecendo e eles haviam combinado sair para jantar. Rubinho pretendia conversar com ele sobre os sonhos de Daniel.
A porta do consultório se abriu e o último cliente saiu acompanhado de Júlio, que, vendo-os, abraçou-os com prazer.
- Desculpe a demora - disse depois dos cumprimentos.
- Atender bem o cliente é sempre o mais importante - considerou Rubinho.
- Tem razão. Vamos entrar um pouco. É a primeira vez que Daniel vem aqui. Gostaria de mostrar-lhe o consultório.
Eles entraram na sala em que Júlio atendia. O ambiente era moderno, alegre, com leve aroma de um anti-séptico que Daniel conhecia sem saber o nome. Havia rosas brancas em um vaso de cristal sobre um aparador elegante e confortáveis poltronas ao redor da escrivaninha.
- Na sala ao lado procedo aos exames de rotina. Se tem-se. Ainda é cedo para jantar, não acham?
- É - concordou Daniel.
- Desejam ir a algum lugar antes? - indagou Júlio atencioso.
- Preferimos conversar. Aliás, eu telefonei porque Daniel anda tendo alguns sonhos intrigantes. Como estudioso dos assuntos espirituais, talvez você possa nos ajudar a entender o que está acontecendo.
- Foram alguns pesadelos. Impressionaram-me bastante. Minha vida mudou muito. Pode ser que eu tenha ficado preocupado.
- Conte-me o que aconteceu - disse Júlio com naturalidade. Daniel contou todos os sonhos que tivera e a emoção que sentia. Júlio ouviu atentamente. Quando ele terminou, disse:
- Você está tendo reminiscências de vidas passadas.
- Eu não disse que era isso? - disse Rubinho satisfeito.
- Sim, você disse, mas eu não sei... Parece-me uma hipótese tão inusitada!
- Talvez porque você não conheça o assunto. Esses fenômenos são mais comuns do que você poderia supor. Muitas pessoas têm tido essas experiências.
- Confesso que nunca me detive para pensar em reencarnação. Essa hipótese parece-me tão fantasiosa!
- Por quê? Nunca questionou por que em um universo tão perfeito como o nosso, onde tudo se equilibra, mantendo a vida com precisão tanto no micro como no macrocosmos, há tantas diferença física, sociais entre os homens como as que existem no mundo? Se Deus é perfeito e só age no bem, como entender essa aparente disparidade?
- Longe de mim questionar a perfeição de Deus - disse Daniel. - Mas é difícil conciliar a bondade de Deus com as injustiças e os sofrimentos no mundo.
- Se você pensar que só vive uma vida na Terra, fica impossível compreender mesmo - esclareceu Júlio - Entretanto, se aceitar que o mesmo espírito volta várias vezes a renascer na Terra para aprender a controlar a mente e desenvolver a consciência, arcando com os resultados de suas atitudes ao longo do tempo, perceberá que tudo está certo. Que cada um nasce dentro da experiência que precisa para desenvolver seus potenciais de espírito eterno.
- É uma filosofia interessante - tornou Daniel Interessado.
- Não é apenas uma filosofia. E uma realidade. Muitas pessoas passaram por experiências concludentes. E possível, através da hipnose, fazer regressão e recordar fatos vivenciados em vidas passadas. Há cientistas estudando o assunto e chegando a provas inquestionáveis.
- Gostaria de ler essas pesquisas - interessou-se Daniel.
- Posso emprestar-lhe alguns livros. Há um em especial que me impressionou. Chama-se O caso de Bridey Murphy. Foi escrito por um corretor de imóveis que após algumas experiências de hipnotismo Conseguiu que uma amiga sua voltasse à encarnação anterior, prestasse valiosas informações que depois foram pesquisadas e confirmadas.
- Como assim? - indagou Rubinho.
- Ela deu o nome,o endereço de onde viveu na encarnação anterior, o nome do marido, etc. Fizeram pesquisas e encontraram nos cartórios todos os documentos. Aquela pessoa havia existido e as informações estavam certas.
- Que coisa extraordinária! - comentou Daniel. - Gostaria de ler esse livro.
- Posso emprestá-lo.
- Será que esse escritor não estava tão fanatizado com a reencarnação que acabou impressionando a moça.
- De forma alguma. Ele não acreditava em reencarnação quando começou suas experiências com hipnotismo. Quando a amiga que ele hipnotizava em suas pesquisas falou em reencarnação, ele ficou tão chocado que abandonou a hipnose por mais de um ano, voltando às pesquisas pressionado por alguns fatos de sua vida.
- Interessante! - comentou Daniel. - Se meus sonhos têm a ver com alguma vida passada, como poderei saber?
- Você tem tido reminiscências espontâneas. Pode ser que continuem. Por alguma razão você entrou em um processo que está mexendo com problemas de seu passado e precisa se recordar de alguns fatos. Mas podemos também tentar a hipnose e induzir a fim de que descubra alguma coisa mais.
- Não é um processo perigoso? - indagou Daniel.
- Não, desde que seja utilizado por pessoa capacitada. Se quiser tentar, poderemos fazer alguns testes.
- Você sabe como?
- Há anos estudo o hipnotismo e tenho aplicado em alguns pacientes. E uma experiência fascinante.
- Gostaria de me informar melhor antes de tentar qualquer coisa - tornou Daniel. - Se me emprestar esse livro a que se referiu, lerei com prazer.
- Eu também vou ler - interveio Rubinho. - Vai ser bom desviar um pouco a atenção de nossos problemas.
- Pelo que li nos jornais e tenho ouvido dos amigos, vocês mexeram em um vespeiro. Em todos os lugares que vou não se fala em outra coisa.
- O povo gosta do escândalo - respondeu Rubinho. - Infelizmente não pudemos evitar isso. As pessoas envolvidas são muito conhecidas.
- Além do que muito respeitadas em sociedade. Meus pais duvidaram da história que leram nos jornais.
- Os meus também - concordou Daniel. - Entretanto as provas que possuímos são irrefutáveis. Eles não só mentiram, substituíram o corpo de Marcelo pelo de um menino que havia morrido naquele dia e ficado com o rosto irreconhecível, como levaram-no para a Inglaterra, de onde ele nunca deveria voltar.
- E uma história de arrepiar. Principalmente por saber que toda a família morreu em menos de dois ou três anos depois do acontecimento - completou Rubinho. Júlio sacudiu a cabeça pensativo:
- Pode ter sido coincidência, mas esse fato dá o que pensar!
- Por enquanto estamos investigando a fraude, mas também estamos inclinados a crer que os fatos podem ter sido piores. Afinal, a morte de toda a família favoreceu a posse da herança que o Dr. José Luís tanto queria - disse Rubinho.
- Não nego que vocês são corajosos. Diante dos fatos, poucos teriam peito para enfrentar os Camargo de Melo na justiça, levando-se em conta que eles são muito considerados e possuem amigos até entre a alta magistratura do país.
- Por causa disso meus pais acham que vamos ser massacrados - tornou Daniel. - Mas nós acreditamos na justiça. Diante das provas, nenhum juiz deixará de reconhecer Marcelo como o verdadeiro herdeiro de tudo.
- Vocês devem estar bem calçados para enfrentar essa briga.
- Além das provas que Marcelo tem, estamos investigando e já descobrimos novas evidências. Daniel esteve a ponto de recusar a causa, e só não o fez por causa daquele detalhe do sonho.
- É verdade. Você sonhou com seu cliente antes de conhecê-lo. Depois que precisava aceitar essa causa. Não foi isso? - lembrou Júlio.
- Foi.
- Está claro que você, além de recordar fatos de outras vidas, recebeu ajuda espiritual.
- Como assim?
- Antes de nascer neste mundo nós estávamos vivendo em outra dimensão e é para lá que voltaremos quando nosso corpo de carne morrer. Embora nossas lembranças desse mundo tenham sido apagadas para facilitar nossa vida na Terra, temos muitos amigos em nossa pátria de origem e todas as noites, enquanto nosso corpo dorme, podemos ir até lá, conversar com eles.
- Foi isso que aconteceu comigo?
- Foi. Essa pessoa que o aconselhou a aceitar a causa deve conhecer os fatos de suas vidas passadas que se relacionam com Marcelo. Eu acredito que defendê-lo, refazer passado enganos, deve ter sido uma aspiração de seu espírito quando estava no astral, antes de reencarnar. Por isso ele procurou avivar sua memória para que não perdesse a chance de fazer o que você queria.
- Então terei mesmo tido outro vida e conhecido Alberto, isto é, Marcelo?
- Quanto a isso não tenho dúvida. Como poderia ter sonhado com ele antes mesmo de conhecê-lo? Juntar vocês dois, ou talvez até os três, já que Rubinho também está envolvido no caso, parece-me coisa do destino, da vida, que tudo sabe e age pelo melhor. Ela juntou vocês porque está na hora de resolver os assuntos não resolvidos no passado.
- De que forma? - indagou Rubinho interessado.
- Não sei. Mas, com certeza, aceitando essa causa estão no caminho certo. Algo me diz que essa história é mesmo verdadeira e que vocês precisavam fazer o que estão fazendo.
- Eu senti isso desde o primeiro dia - concordou Rubinho.
- Eu também, apesar de um vago receio não sei bem do quê, que me incomoda quando olho para Alberto.
- Nesse processo precisam do bom senso. Sabem como proceder com ética e principalmente você Daniel, que eu sinto estar mais envolvido nesta história, não pode se deixar levar pelas emoções do passado que forçosamente vão emergir dentro de você. Precisa ponderar suas atitudes e não se impressionar. Seja o que for que aconteceu entre vocês, já passou. Acabou. Se agora a vida reuniu-os, foi porque existe a chance de conviverem de uma forma melhor.
- O que me assusta são as emoções que não posso explicar - ponderou Daniel. - Nunca fui de me impressionar com pessoas. Com ele é diferente.
- Reencontrá-lo acionou os mecanismo de suas vidas passadas e por isso o impressionou tanto. Por seu sonho dá para perceber que o encontro de vocês foi programado mesmo antes de sua reencarnação, o que faz crer que será muito bom para todos essa convivência.
- Por quê? E se ele trouxer desgraça? Eu nunca havia me sentido assim antes.
- Você está assustado, revivendo intimamente emoções fortes de outras vidas. Não precisa temer. Como eu disse, o passado acabou. Seja o que for que aconteceu naqueles tempos, não vai voltar mais. Vocês mudaram, o tempo passou, o mundo mudou. A vida só trabalha pelo melhor, só faz o que é bom para todos os envolvidos. Se ela juntou vocês, tudo pode dar certo. Ela não joga para perder.
- Se perdermos essa causa, estamos liquidados profissionalmente - considerou Rubinho.
- Seja o que for que acontecer, vocês estarão ganhando. Pelos menos vão aprender muito.
- Não tenho medo de perder - disse Daniel. - Temos que ganhar, mas, se não der, perder uma causa não significa perder a vida. Afinal a experiência tem seu preço.
- Assim é que se fala! - considerou Júlio. - Desejo sinceramente que vocês ganhem. Não tenho nada contra o Dr. José Luís. Mas a causa de um menino espoliado sempre mexe com nossos valores de justiça. Depois, como estudioso da reencarnação, sinto muito interessante poder acompanhar esse caso e descobrir o que se esconde atrás dos acontecimentos de hoje. Para mim, toda história teve início em vidas passadas.
- Você fala com tanta certeza! - disse Daniel.
- Para mim não há mais duvida. A reencarnação, a existência de outros mundos de onde viemos e para onde vamos depois da morte do corpo é a única forma de explicar os fenômenos e os problemas que observamos à nossa volta. Quanto mais estudo, observo, penso, mais sinto que não poderei ser diferente. Além disso, há pessoas que se recordam claramente de fatos vivenciados em outras vidas. Elas aparecem em todas as culturas, entre pessoas de crenças e religiões diferentes, e as características são as mesmas.
- Não deixa de ser intrigante - comentou Daniel.
- Você poderia tentar descobrir o que aconteceu em outras vidas fazendo uma regressão - sugeriu Rubinho. - Seria uma forma de testar essa possibilidade.
- Não estou ainda preparado para uma experiência dessas - respondeu Daniel.
- Do que tem medo? Se fosse comigo, faria logo e pronto. Estou curioso - disse Rubinho.
- Por que não tenta você? Afinal, também faz parte do mesmo processo. Não foi o que Júlio disse?
- Porque é você quem está tendo sonho estranhos e sensações diferentes. Eu não estou sentindo nada.
- De fato, Daniel está mais sensível e talvez fosse mais indicado começar por ele. Mas você também pode tentar. Em uma regressão, nunca se sabe o que pode acontecer - disse Júlio.
- Vou pensar nisso - respondeu Rubinho.
Continuaram conversando mais alguns minutos e depois, ainda comentando o assunto, saíram para jantar.
Sentada em sua cama, Lanira olhava para o telefone pensativa. Sentia vontade de ligar para Gabriel, mas tinha receio. Fazia mais de vinte dias que ele não lhe telefonava, e ela sabia que ele se afastará desde que Daniel abrirá a ação contra seus pais. Ela preferia que ele a houvesse procurado ainda que fosse para criticar seu irmão, ou para manifestar sua contrariedade. Mas ele simplesmente desaparecerá. Ela gostaria muito de ter se posicionado com ele sobre o assunto e conhecido também seus sentimentos. Claro que seu desaparecimento indicava o quanto ele se magoar com o processo, incluindo-a indiretamente. E era isso que ela não queria aceitar. Não era justo que ela a incluísse sem lhe dar nenhuma chance de posicionar-se.
Decidida, apanhou o telefone e discou. Uma voz de mulher atendeu e ela pediu:
- Quero falar com Gabriel.
- Ele não está. Quem está falando?
- Uma amiga dele da faculdade - mentiu ela. - A que hora ele volta?
- Ele está viajando. Tirou férias e viajou. Não sabemos quando ele regressará.
- Poderia dar-me o endereço para que possa escrevera-lhe?
- Ele não tem lugar fixo.
- Obrigada.
Lanira desligou preocupada. Aquela não era época de férias. Gabriel teria deixado a faculdade? Remexeu-se na cama inquieta. Teria a situação se tornado tão insustentável que ele se ausentara?
A noite depois do jantar, ao invés de recolher-se como de hábito, Lanira apanhou em uma poltrona na sala de estar. Sempre que desejava saber alguma coisa, ela fingiu ler e procurava ouvir o que seus pais conversavam.
Eles tinham o hábito de se sentar na sala após o jantar e conversar. Nunca se davam conta de que ela estava perto e falavam sem reservas. Ela fingia ler e não perdia nada do que eles diziam.
Após falarem sobre política, Maria Alice comentou:
- Angelina me ligou chorando. Rubinho também saiu de casa. Ernesto fez de tudo para que ele desistisse da malfada ação. Mas ele não quis.
- Então Ernesto mandou-o embora de casa.
- Isso mesmo. Ela chorava, mas ele não voltou atrás.
- Até que ele foi muito tolerante. Eu resolvi logo a questão. Soube que José Luís não vai comparecer à audiência e mandou o Dr. Loureiro. Já pensou? Um dos melhores e mais respeitados advogados do país. Aliás, quando José Luís procurou-me indignado, me posicionei bem claro. Dei-lhe todo o apoio. Inclusive disse-lhe que havia expulsado Daniel e não o considerava mais como filho.
- Pelo menos para isso valeu sua atitude.
- Mostrei-me ferido, triste. Infelizmente eu nada posso fazer para impedir essa barbaridade. Daniel é maior de idade. José Luís garantiu que Daniel está se deixando levar por um impostor, que naquela ocasião ele mesmo viu o corpo de Marcelo e o examinou. Não há nenhuma hipótese de o menino ter sobrevivido ao acidente. Conforme eu pensava, Daniel está sendo engando grosseiramente e não percebe isso.
- Não haveria um jeito de fazê-lo entender?
- Bem que eu tentei. Mas ele está obstinado. Quero ver o que fará quando perder a ação e ficar desmoralizado.
- Não posso entender. Como ele, sempre tão ponderado, foi entrar em coisa dessas?
- Para você ver. Estamos vivendo em um tempo terrível. Os filhos hoje não ouvem mais os pais.
- O que mais José Luís disse?
- Bom, ele estava indignado. Era de se esperar. Qualquer um teria tido essa reação se estivesse seu lugar.
- Apesar disso, eles continuam freqüentando a sociedade como se nada estivesse acontecendo. Ainda ontem estavam na festa de quinze anos da filha do Dr. Hortênsio.
- Por que deveriam agir diferente? Eles estão sendo vítimas, não têm porque se afastar. Ao contrário, as pessoas estão demonstrando-lhes sua solidariedade.
- Na frente deles. Mas eu vi quando eles viravam as costas, as pessoas faziam comentários em voz baixa. Sabe de uma coisa? Eu acho até que muitos gostariam que fosse verdade só para vê-los humilhados.
- Que bobagem. Eles são estimados, ricos.
- Por isso mesmo. Os invejosos eis medíocres gostam de ver cair os que estão por cima.
- Infelizmente você tem razão. Sinto isso até entre os correligionários do nosso partido. Há alguns que gostariam de me derrubar. Só não o fazem porque não podem. Eu sou mais esperto e mais forte do que eles.
Abaixando a voz, Maria Alice tornou:
- Você não percebeu que Gabriel se afastou de Lanira? Nunca mais saíram juntos. Teria sido por causa de Daniel?
- Com certeza. A loucura dele está prejudicando até a irmã. Aliás, entre os jovens esses assuntos impressionam mais. Eu percebi que os filhos de José Luís como que desapareceram de nossas rodas. Você os tem visto?
- Não. Gabriel não era muito assíduo, mas Laura nunca deixava de ir a uma festa. É verdade, eles não apareceram mais em público depois da malfadada ação.
- Para você ver a situação que a irresponsabilidade de Daniel criou. O pior é que ele está convencido de estar fazendo uma grande coisa. Um ato heróico de justiça.
- Concordo. Não posso permitir isso. Vou procurar Daniel e tentar demovê-lo.
- Você pode tentar. Mas não creio que ele atenda.
- Amanhã à tarde irei procurá-lo.
Mudaram de assunto. Lanira deu-se por satisfeita e foi para o quarto. Ela precisava falar com o Daniel, saber como as coisas estavam caminhando.
Daniel chegou em casa cansado. Passara a tarde toda com Rubinho estudando. Na tarde do dia seguinte teria lugar a primeira audiência do Dr. José Luís par ouvir a queixa e prestar os primeiros esclarecimentos sobre o assunto. Nesse primeiro encontro, eles não estariam presentes. Se o juiz entendesse que as provas eram irrelevantes, era possível que indeferidas o pedido e tudo terminasse aí. Ainda o Dr. José Luís poderia processá-los por difamação e calúnia e, eles teriam que pagar todas as custas, inclusive os honorários do advogado dele, que deveriam ser altos.
Apesar disso, Daniel sentia-se confiante. Quanto mais estudava o caso de Alberto, mais as provas pareciam-lhe irrecusáveis. Se o juiz não se impressionadas com o nome n com a fortuna de José Luís e fosse imparcial, teria que pelo menos dar prosseguimento à ação a fim de que se esclarecesse melhor o assunto. Conseguido isso, eles teriam maiores chance de investigar e buscar mais provas.
Deitou-se e repassou mais uma vez todas as providências legais concernentes ao caso e, satisfeito, adormeceu.
Sonhou que estava em uma sala antiga examinando atentamente alguns papéis. Estava mais velho e de luto fechado. Sentia-se angustiado, triste. A porta abriu-se e surgiu um homem um pouco mais jovem do que ele. Inquieto, Daniel reconheceu Alberto. Um pouco diferente do que era agora, mas tinha certeza de que era ele.
Levantou-se aflito. O outro aproximou-se fitando-o rancoroso.
- Vim para lhe dizer que você vai pagar por tudo quando fez a ela!
- Não tem esse direito. Sabe que eu a amava mais do que tudo no mundo!
- E mentira! Ela o odiava! Saiba disso. Não descansarei enquanto você não pagar por seu crime. Você a matou!
- Não seja louco!
- Você, sim. Tenho a certeza de que provocou o acidente. Estava com raiva porque era a mim que ela amava! Era a mim que ela queria! Nunca se deu conta de que ela se casou com você para obedecer aos pais e que o teria deixado se você não a tivesse obrigado a viver do seu lado. Você não a amava. Casou-se com ela por causa do dinheiro!
Daniel levantou-se e ameaçou agredi-lo. Mas parou. Fez tremendo esforço para conter-se.
- Vá embora daqui antes que eu acabe com sua vida! Não está contente com o que fez? Deseja mais?
- Vou dar queixa de você na justiça. Você a matou para herdar todo o dinheiro dela. Não vou consentir que depois de tudo fique em liberdade usufruindo da fortuna que lhe roubou!
Assassino! Assassino!
Olhos dele fitavam-no acusadores e cheios de ódio e Daniel sentiu seu coração descompassar, quis fugir.
- É que m pesadelo! - pensou fazendo força para acordar. Abriu os olhos ainda ouvindo a voz de Alberto repetindo:
- Assassino! Assassino!
Acendeu a luz e sentou-se na cama. Estava banhado de suor. Levantou-se e foi à cozinha tomar um copo de água. Por que esse pesadelo teria voltado? Estaria ele tão preocupado com a audiência que provocara aquele sonho desagradável?
O pior era que tudo aquilo pareciam-lhe ter acontecido realmente. Alguma coisa dentro dele sabia que aquelas cenas eram verdadeiras. Como explicar? Júlio teria razão? Teria ele vivido outras vidas que Alberto teria participado?
Se isso fosse verdade, eles haviam sido inimigos. Por que ele o escolhera para defendê-lo na justiça? Como ele se sentiria ao vê-lo? Teria alguma sensação desagradável?
Se Alberto antipatizara com ele, não demonstrava. Aliás estava colocando seu futuro, todas as suas esperanças em suas mãos. Por quê? Eram perguntas que o fazem duvidar da veracidade de tudo quanto Júlio dissera. Apesar disso, não conseguia esquecer o sonho. Por mais que repetisse que isso não passava de um pesadelo criado pela tensão da audiência, a sensação de angústia reaparecia. A lembrança daquela mulher que morrera em seus braços o vivia e entristecia.
Reconheceu que fatos estranhos estavam acontecendo com ele. Iria procurar Júlio para tentar esclarecê-las. Não podia continuar sentindo-se mal desse jeito. Precisava de toda a sua calma para estudar e levar a bom termo o caso. Eles estavam jogando tudo nesse trabalho. Rubinho confiava e ele queria fazer seu melhor.
Quando Rubinho levantou-se, já o encontrou na cozinha tomando café. Haviam alugado aquele apartamento e estavam morando juntos há duas semanas.
- Você levantou cedo! Não conseguiu dormir?
- Dormi, mas tive o pesadelo de novo. Rubinho meneou a cabeça negativamente:
- É o diabo! Bem que Júlio avisou que poderia acontecer. Enquanto Rubinho se sentava para o café, Daniel narrou o sonho, finalizando:
- Não sei o que pensar. A presença de Alberto provocá em mim uma certa inquietação, algo desagradável que não sei explicar. Mas, segundo o que Júlio disse, ele teria sido um inimigo meu. Em meus sonhos está sempre me acusando. Eu moro que ele não sente o mesmo por mim. Nunca deixou transparecer nenhum sentimento desagradável. Ao contrário, me escolheu como seu advogado. Tudo isso não será apenas uma fantasia de minha parte?
- Por que é que você quando sonha fica com a sensação de que está acontecendo de verdade?
- É isso que me intriga. Sinto as emoções, fortes, vivas, como se tudo fosse mesmo verdade. Mas além disso, naquele momento, eu "sei" que tudo aconteceu mesmo.
- A dúvida surge quando você acorda. Aí entra seu raciocínio e, como não acredita em vidas passadas, dúvida de tudo.
- Se fomos inimigos, por que ele confia em mim e não me odeia? Alguma coisa não bate nessa história.
- Se eu fosse você, procuraria Júlio e tentaria descobrir o que é. Se não levar a nada, pelo menos você pode ter certeza de que foi fantasia sua mesmo.
- É. Vou fazer isso. Vamos para o escritório? O dia hoje vai custar a passar.
- É mesmo. O melhor será falar com Alberto. Temos que estar preparados para o caso de o juiz deferir a ação e instaurar o processo.
- Jonas vai chegar hoje. Vamos ver se tem novidades.
Terminaram o café e foram juntos para o escritório. Haviam marcado com Alberto uma reunião às dez horas. Enquanto esperavam, mergulharam no trabalho.
Lanira decidiu faltar às duas últimas aulas e ir falar com Daniel. Estava preocupada. Quando entrou no prédio, um rapaz aguardava o elevador. Estava bem vestido e cumprimentou-a. A princípio Lanira não o reconheceu, mas quando entraram no elevador e ele apertou o mesmo número que ela, lembrou-se. Era Alberto.
- Desculpe - disse ela. - Não o reconheci. Ele sorriu
- Vimo-nos muito rapidamente naquele dia, mas não sei esqueci seu rosto. Como vai, Lanira?
- Bem. Vejo que guardou meu nome.
- Eu tinha certeza de voltar a vê-la! Esperava este momento com ansiedade. Ele a ficava com admiração e Lanira sentiu-se aliviada quando chegaram ao destino. Alberto abriu a porta esperando gentilmente que ela saísse.
Ela não era tímida. Por isso olhou-o nós olhos dizendo com voz firme, em que havia uma ponta de malícia:
- Você melhorou sua aparência, veste-se melhor, na moda. Está gastando por conta da herança?
Ele riu bem-humorado, mostrando duas fileiras de dentes alvos e bem distribuídos.
- Não. Ainda não. Arranjei um emprego melhor.
Vendo-os entrar juntos na sala de espera do consultório, a secretária convidou Alberto a sentar-se enquanto Lanira dirigiu-se à sala de Daniel, que, surpreendido, abraçou-a com carinho.
- Que bom vê-la! Cabulou a aula?
- Precisava falar com você. Mamãe vai procurá-lo logo mais à tarde para fazer uma tentativa de convencê-lo a desistir.
- Terei prazer em recebê-la. Ela nunca veio aqui.
- Sua visita não será de cortesia.
- Eu sei. Mas mesmo assim será bem-vinda. Tenho esperança de que um dia ela vai me compreender.
- Esse dia está distante.
- Como vão as coisas lá em casa?
- Como sempre. Tudo dentro das regras e dos horários.
- Parece um pouco aborrecida.
- Entediada talvez.
- Tem visto Gabriel?
- Ele desapareceu desde que o caso veio a público. Nunca mais me ligou. Deve estar sentido.
- Sinto muito. Você apreciava sua amizade. Mas eu avisei. A atitude dele era de se esperar.
- Você não o conhece. Ele é diferente. Eu esperava que ele conseguisse separar as coisas.
- Nunca mais o viu?
- Nunca. O Dr. José Luís e D. Maria Júlia têm freqüentado todos os lugares de sempre, ido a festas, como se nada houvesse. Mas Laura desapareceu e Gabriel também. Dizem que está viajando. Penso que largou a faculdade. Não é época de férias ainda. Daniel passou a mão nos cabelos pensativo. Depois disse:
- É uma pena que pessoas inocentes sejam envolvidas. Você compreende que nós precisamos fazer o que estamos fazendo.
- Claro. Você tem uma causa, e como advogado precisa atender os interesse de seu cliente. Depois, o que eles fizeram com Marcelo não se justifica de maneira alguma.
- Ainda bem que você sabe separar as coisas.
- Encontrei-me com Alberto na entrada do prédio né subimos juntos no elevador. Está mudado! Elegante, bem-vestido. Nem parece o mesmo. O que faz a roupa! Parece até que aumentou de estrutura.
- Ele está trabalhando em uma companhia inglesa. Conseguiu um cargo importante junto à diretoria. Foi educado em um bom colégio na Inglaterra e o ajudou.
- Como vai o caso? A audiência é hoje!
- É. Estamos em um momento decisivo. Vamos ver o parecer do juiz. Por isso marcamos essa reunião com Alberto. Estamos esperando Jonas também.
- Gostaria muito de acompanhar o caso.
- Pode ficar e assistir à nossa reunião.
- Não vou atrapalhar?
- Não. Vai ser até bom. Você não está tão dentro do assunto como nós e poderá nos dar opinião.
- Nesse caso, eu fico. Rubinho não vai se incomodar?
- Tenho certeza de que não. Afinal você nos ajudou desde o começo desse caso. Rubinho entreabriu a porta e, vendo Lanira, abraçou-a com prazer. Ela lhe perguntou se poderia ficar para assistir à reunião e ele não só concordou como achou ótimo. Assim, eles se dirigiram à sala de Rubinho para repassar os fatos mais uma vez, esperar Jonas e verificar o que mais ele havia conseguido descobrir














































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