O princípio Imortal

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Eu não conseguia acreditar que Júlio havia chegado até aquele ponto, eu sabia que o destino seria esse, uma hora ou outra eu perderia Anne, mas, logo agora, e ainda mais por causa dele? Me aproximei da cadeira que Anne estava, e ouvi mais dois tiros, ambos me acertaram na cabeça, Júlio tinha uma ótima mira, e não havia errado nem mesmo quando atirou em Anne.

-Rafael! - Pedro gritou ao perceber os tiros me acertando.

-Cala a boca Pedro. - Sussurrei em um tom que fosse audível para todos ali presentes e me permiti regenerar - Cuida da Anne, eu vou resolver esse problema e logo voltarei.

-Como assim você não morreu? - Pedro perguntou espantado.

-Eu sou imortal Pedro, depois explico com mais detalhes.

Calmamente fui atrás de Júlio. Com Anne morta, se ele se tornasse imortal seria apenas um prazer torturá-lo por toda a eternidade. Eu não entendi o motivo mas eu sabia exatamente onde ele estava, eu sabia cada passo que ele dava, eu ouvia sua respiração ofegante, mesmo ele não estando perto de mim. Eu logo consegui acompanhá-lo por isso, quando ele entrou no meu campo de visão corri atrás do mesmo, consegui alcançá-lo e o derrubei.

-Eu até te perguntaria o motivo de tudo isso, mas temo não entender o idioma de um verme como você. - Eu disse.

-Rafael, nós sabemos que você não vai me matar, você poderia ter feito isso a muito tempo atrás se quisesse. - Júlio disse tentando se levantar.

-Não brinque tanto com a sorte Júlio. - O derrubei novamente e sorri.

Pensei um pouco em tudo o que aconteceu, todos os momentos e todas as palavras. Me transformei em um sombrio e olhei no fundo dos olhos de Júlio.

-Exatamente como Caroline havia descrito. Um sombrio, esse é o nome correto?

-Ela também te contou coisas sobre esse mundo? Você poderia ter agido diferente Júlio. Você teve a chance de ter uma vida feliz com uma família feliz. - Sorri - Se você voltar, eu vou estar bem aqui, esperando para te torturar por toda a eternidade.

Senti um breve calafrio até me dar conta de que eu estava no purgatório. Mas havia algo diferente em tudo. As coisas estavam começando a perder a cor de vez, tudo estava ficando branco e eu pude sentir alguns tremores.

-Rafael, acho que preciso de ajuda. - Light disse sentado no chão logo a minha frente.

-Podemos ajudar um ao outro, do que você precisa? - Percebi a cor de Light escurecer, ele estava se tornando um sombrio.

-Mate Júlio! Esse é o favor que eu peço. Eu sei o que fazer, em troca vou segurá-lo aqui no purgatório o tempo que eu conseguir.

-Mas e depois que ele sair?

-Te ajudo a mandá-lo diretamente para o inferno!

Apesar de não entender o motivo de Light estar com raiva de Júlio, eu preferi não questionar. Senti um último tremor até voltar para a terra e ver Júlio diante de mim.

-Você podia me matar, me torturar, pisar em mim e até podia ter me deixado em paz, eu não atrapalharia sua vida, mas ao invés disso, você machucou alguém que eu amo, você matou pessoas importantes pra mim. Agora está na hora de morrer Júlio. - Sorri.

-Vai mesmo matar o último membro vivo da sua família Rafael? -Júlio sorriu de volta.

-Sendo sincero com você Júlio, eu não me importo.

-Não Rafael, espere! Tem algo que preciso te contar.

-Manda um cartão postal do inferno, idiota!

Depois disso, a única coisa que me lembro é de ouvir ele gritando e depois cada osso dele quebrando, um por um. Retomei a consciência, e estava indo na direção da estação quando fui parado por alguém e por alguns minutos me permiti esquecer a morte de Anne.

-Que lindo! - Uma garotinha que aparentava ter uns 6 anos disse olhando para mim. Só então eu me dei conta de que ainda estava na forma de um sombrio.

-Acha isso lindo? - Perguntei apontando para mim.

-Você tem asas, voa?

-Eu nunca tentei, não que eu me lembre. - Eu disse meio confuso. - Como você pode achar um demônio lindo?

-É que um demônio já foi um anjo um dia, né? Ainda que você seja ruim, já foi muito bondoso.

-Karol? - Uma voz feminina gritou ao longe.

A garotinha se virou e eu saí de lá rapidamente para que ninguém mais me visse, entrei em um beco próximo dali e ouvi uma breve conversa entre a garotinha e sua mãe.

-Mamãe, eu vi um anjo! Daqueles que você me contou!

-Não seja tola Karol, é muito difícil encontrar algum deles.

-O nome da mãe da garotinha é Deni, é uma imortal. - Alguém cochichou ao meu lado.

Me assustei e dei dois passos para trás até perceber que era só um humano. Não consegui ver muito bem sua aparência por estar no escuro.

-Quem é você?

-Isso não importa agora, mas veja, não há muitos imortais no mundo, mas é como se fossemos atraídos uns pelos outros. Aquela garotinha é uma semi-imortal.

-Você também é um imortal?

-Atualmente na terra somos uns 500, pode parecer muito mas, mais da metade desses estão vivendo isolados, com medo de serem descobertos e estudados pela eternidade.

-Quem foi o primeiro imortal e como ele obteve a imortalidade?

-Foi a muito tempo atrás. Kaleb é o nome dele, cresceu e foi criado na igreja, sempre gostou de pensar na vida eterna que Deus dava, até que um certo dia, um questionamento veio a sua mente "onde estão aqueles que tem a vida eterna?", ele estudou por muito tempo, até que percebeu uma incongruência, o maior pecado que se poderia cometer. Retirar a vida de alguém, ou a própria vida, pois esta havia lhe sido dada por Deus. Ele descobriu algo, que até hoje ninguém sabe o que foi, mas tem haver com a passagem "conhecei a verdade e ela vos libertará", ele sentiu um ódio profundo por Deus, e então ele se matou para ter seu julgamento, dizem que ele dialogou com Deus por ter descoberto a verdade, ele ganhou a vida eterna e o poder de dar vida eterna a todos aqueles que sentissem o verdadeiro ódio, meio que o ódio se tornou a verdade, conhecei o verdadeiro ódio e ganharás a vida eterna.

-Mas, qual o motivo de nos transformarmos em sombrios?

-Uma troca equivalente, ganhamos algo muito bom, em troca da vida eterna, nós temos que proteger os portões do inferno para que nenhum humano entre, e nenhum saia.

-Entendo - parei para pensar um pouco - Vou indo agora. Tem algo que preciso resolver. - Dei as costas e saí andando, chegando próximo a estação percebi que aquela pessoa estava me seguindo.

Me virei e percebi sua aparência, um homem com longos cabelos loiros, olhos verdes, e pele pálida.

-O que quer me seguindo? E quem diabos é você? - Enquanto eu perguntava ele se aproximou, então eu senti um cheiro familiar, o cheiro do purgatório.

-Eu me matei para ter a vida eterna, irônico né? Se bem que a ironia é a minha cara. Deixei para trás o nome Kaleb, literalmente para trás, Belak é meu nome agora.

-Você é o primeiro imortal?

-Sim, eu agora sou a verdade, me conheça e ganhe a vida eterna Rafael. Mas você deve me conhecer como Light, o nome que eu uso quando estou sem cor.

-É você mesmo? - Perguntei espantado.

-Sim Rafael.

-Você estava com ódio de Júlio?

-Entre na estação e vai entender.

Caminhei um pouco nervoso até a estação, abri a porta e vi Anne conversando com Pedro, como se estivesse tentando acalmá-lo.

-Ela está viva?! - Sussurrei.

História de um Imortal - Rafael, o imortalOnde histórias criam vida. Descubra agora