Paciente-Zero

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Cleck.

Cleck.

Cleck.

Toda vez que a água que vazava do cano de cima e se encontrava com a bandeja de metal do canto da sala fazia esse barulho que estalava em minha mente quase morta. Aquele cubículo branco, que diferente do que muitos pensam, lembram a inferno, foi o lugar que deu o início a tudo. E não digo como uma forma bíblica, se é que existe Deus, mas, se for observar com olhos católicos, sua forma era diabólica.

Não me leve a mal. Eu nasci e cresci em uma família católica e, aparentemente, feliz. Talvez tenha sido esse o problema. Não a família, mas o que ela representava, o que ela fez. O que permitiram fazer comigo.

Lembro-me de pouca coisa. A pandemia estava causando pânico. O vírus que o próprio governo criou, invadiram jornais e noticiários afirmando ser apenas um furo de segurança de pequena magnitude que o país estava trabalhando para concertar. Os livros de historiadores e conspiradores se unindo para entregar um palpite sobre teorias referentes as armas biológicas e o que isso ocasionaria no mundo.

Cômico, se não fosse trágico.

No fim, tudo que é feito pelas mãos humanas tem apenas uma única finalidade: poder.

No momento que o vírus fora criado, não demorou muito para que alguém mal-intencionado, ou que subestimasse o próprio azar, vazasse a tal arma. Não sei ao certo como isso se espalhou, mas a velocidade com que o caos foi criado chegou a ser catastrófico. Sinais de televisão cortados, rádios com chiados constantes, pessoas ensandecidas pela rua. Pareceu, primeiramente, que o vírus, além de se espalhar pelo ar, afetava o cérebro de modo rápido e deteriorante, amortecendo partes que nos tornávamos civilizados e humanos, e intensificando aquilo de mais cruel e animalesco.

Você deve estar se perguntando: se o vírus se espalha pelo ar e afetou grande parte da população, como eu estava aqui, em sã consciência, conversando com vocês? Bom, nunca fui de sair de casa, mas tinha plena visão dos horrores que as pessoas faziam uma com as outras. Não nego que o medo de invadirem a minha casa e atacarem a minha família era enorme.

Contudo, o que eu não esperava foi o que aconteceu.

As pessoas que invadiram a minha casa não estavam insanas ou violentas, muito pelo contrário, suas vestes brancas, cobrindo seus corpos até a cabeça, com a utilização de máscara que era, em si, muito familiar nos filmes de terror ou apocalipse viral. Em pensar que, sendo fã de filmes e histórias assim, nunca imaginei me tornar protagonista de um.

Os indivíduos que invadiram a minha casa, por algum bizarro motivo conheciam meus pais, mas isso não afogou a culpa em seus olhos quando eles abaixaram a cabeça, evitando contato visual, enquanto eu fui arrastada contra a minha vontade para dentro de uma van branca com um símbolo patriota.

Olhei pelas janelas entre choro e desespero, e os olhares inexpressivos que permaneciam perto da porta confirmaram que eu estava completamente sozinha.

Senti minha respiração falhar consideravelmente no momento que algo beliscou meu braço, me chutando para longe dos meus devaneios. Encarei a pessoa mascarada de maneira assustada e tentei o empurrá-la para longe, mas a força foi se esvaindo.
– O que –

Não consegui finalizar a frase, pois ela foi bloqueada por um grito. O meu mundo estava girando e meu corpo estava ardendo, queimando. Fechei os olhos para que conseguisse me concentrar em ficar bem, ficar viva, porém foi sem sucesso.

Eu queria morrer e talvez eu fosse.

Finalmente.

– Avise, Loehim! – Disse o homem ao meu lado de forma abafada. - A paciente-zero está a caminho.

𝕮𝖔𝖓𝖙𝖔𝖘 𝖉𝖆 𝕸𝖊𝖎𝖆-𝕹𝖔𝖎𝖙𝖊Onde histórias criam vida. Descubra agora