A Hora do Renascimento

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Lembro-me que deixei a carta cair em um dos canos do esgoto enquanto me arrancaram de lá. Eu gritei, me contorci, mas assim que vi o par de olhos de um dos homens, o pânico se instaurou em meu peito imediatamente. Eram completamente pretos.

Ao perceber meu desespero, o homem abriu um sorriso revelando seus dentes tortos e podres. Eu não conseguia mais fugir.

Pensei em furar os olhos de um deles com a unha, dando tempo suficiente para me desvencilhar e fugir, mas já era tarde demais. Eu não tinha mais forças. Dias presa naquele esgoto, talvez meses naquele mundo, vivendo de ratos e animais que prefiro não mencionar, mexeram não só com a minha força física, mas também com a minha sanidade.

As sombras, os gritos, ecoavam em minha cabeça quase como se, de alguma forma, tivesse colocado em repeat em minha mente. Eu conseguia sentir ela se deteriorando a cada segundo.

Eu estava enlouquecendo, estava a perdendo.

– Ela está pronta. – Disse um deles, de forma estranha. - Ela disse que a Recrutada estaria pronta.

A Recrutada.

Lembrei da carta que fiz para a minha mãe e engoli o choro. Não sabia para onde estavam me lavando, mas 4 homens, dois segurando meus braços e os outros dois as minhas pernas riam e me olhavam como se estivessem me levando para o Carnaval.

A rua que passávamos parecia ser da minha casa, mas não era. Era um mundo paralelo, com casas e coisas idênticas ao mundo real, mas que do mundo real não era nada.

Meu estômago embrulhava a cada segundo que passava. Ouvia pessoas gritando palavras como "finalmente", "morte a recrutada".

Eu apenas estava ali, sendo levada, sem luta, ignorando cada palavra.

Sabia que iria morrer, só ainda não sabia como.

Ao chegar em uma casa, que parecia ser abandonada – como todas, para ser sincera –, os homens, ao invés de entrarem pela porta, deram a volta entrando pelo que parecia ser o jardim, no qual havia uma grande pedra com formato retangular e com desenhos vermelhos que implorei para que não fossem com sangue. Isso era muito para ser verdade.

As pessoas que estavam em volta, que não sei se posso definir como pessoas, gritavam incessantemente, incentivando a minha morte.

Contudo, estranhei quando no meio da multidão alguém gritou algo diferente de todos os outros.

Renascimento.

Eu iria renascer? Como assim?

Sem luta da minha parte, os homens que me carregavam, colocaram-me em cima da pedra, prendendo minhas extremidades com uma corda escura. Não sabia o que era e tinha medo de descobrir. O que estava acontecendo?

– Finalmente, irmãos e irmãs! - Esbravejou uma voz ao lado da minha cabeça. Levantei o olhar e meu coração paralisou. Era ela. A menina que me recrutou. – A Hora do Renascimento chegou!

– Você! – Gritei, quase que sem fôlego. Não tinha mais para onde fugir. Ela, com seus olhos negros, abriu um sorriso diabólico. – Como você está aqui? Cadê a minha mãe?

– Silêncio, estúpida! - Esbravejou. Ouvi gritos por toda parte. Senti meus olhos marejarem. Era assim que iria morrer?

– O que você ganhará com isso? - Indaguei, quase como um sussurro. E para meu desprazer, a mulher se abaixo com um sorriso e sussurrou em meus ouvidos, fazendo cada célula do meu corpo tremer.

Eu serei você.

𝕮𝖔𝖓𝖙𝖔𝖘 𝖉𝖆 𝕸𝖊𝖎𝖆-𝕹𝖔𝖎𝖙𝖊Onde histórias criam vida. Descubra agora