— Você deveria ser como seu irmão!— sua mãe gritou pela sexta vez em menos de 2 horas.— Eu não aguento mais ter um filho como você.
O menino não disse nada, continuou desenhando formas estranhas em seu caderno de artes, era única atividade que fazia todos os dias. A mulher ficou mais enfurecida ao não ver nenhuma reação do menino.
— Você é uma aberração! Fica sem falar só para me irritar. Anda, fala algo!— ela gritou puxando o braço da criança.
Ele levantou porém seu olhar continuava vidrado em seu caderno, que permanecia em sua mão. Sua expressão não tinha vida, parecia somente um corpo reagindo no automático.
— Largue esse caderno!— ela berrou puxando-o e o jogando no chão. Com as unhas perfurando a bochecha do menino virou seu rosto para si.— Para com esse drama, fala logo!
O olhar do menino em nenhum momento se focou nela, parecia perdido sem olhar para lugar algum. Aquilo só mais, já eram 2 anos naquele estado.
Com raiva o largou e saiu do quarto em direção ao cômodo ao lado, a irritação era nítida até em seus passos pesados contra o chão, desejava loucamente despejar no piso toda sua raiva e frustração.
— Faça algo com teu filho, ele não muda!— ela gritou ao entrar no cômodo.— Não aguento mais essa criança.
Mesmo estando longe o menino escutava cada palavra atentamente, porém nenhuma emoção era esboçada em seu rosto ou atitudes. Lentamente buscou seu caderno com folhas amassadas no chão e começou um novo desenho.
O pai da criança somente inclinou um pouco o rosto para enxergar sua esposa, sua aparência angelical e sua forma de se vestir tão luxuosamente constratavam com sua histeria habitual.
— Ele é só uma criança, deixe com uma babá e pare de reclamar em meus ouvidos.— ele respondeu e voltou sua atenção aos vários documentos que ocupavam sua mesa.
— Você é tão inútil quanto ele!— a mulher gritou.— Não suporto mais você também!
O homem sorriu sem nenhum traço de humor enquanto seu olhar encarou friamente sua esposa, automaticamente um arrepio percorreu o corpo da mulher.
— E você sabe o que eu não aguento mais?— ele perguntou se levantando e andando em direção a ele.— Olhar para essa sua cara e ouvir todo dia reclamações de uma mulherzinha que se casou comigo por dinheiro.
— Mas...— ela tentou dizer algo, porém seu marido a cortou.
— O mais engraçado é que você ainda teve a audácia de se casar estando gravida do meu irmão.— ele falou com escárnio.
O rosto dela se tornou tão branco quanto papel, sua boca abria repetidas vezes porém nenhum som era audível, o jogo havia virado totalmente.
— Querido, isso não faz o mínimo sentido.— ela disse em tom baixo enquanto tentava o tocar.
Foi naquele momento em que Leonel se enraiveceu ainda mais, sabia há muitos anos que somente seu filhos mais novo tinha seu sangue.
— Todos nessa casa sabiam, Catrina, todos menos eu sabiam que eu era um grande corno! Riam pelas minhas costas e eu sem saber só tinha olhos cegos de amor por ti. E todos sabem o motivo de você humilhar tanto essa criança e o maltratar, é porque ele não é filho do meu irmão!— ele gritou cada palavra enquanto lágrimas escorriam sua face.— É porque ele não é filho do homem que você ama! Porque ele não te lembra seu amante!
Foi libertador gritar tudo que estava entalado em sua garganta, acreditou por tanto tempo que um dia ela o amaria e não precisaria nunca tocar nesse assunto, se sentia o homem mais lamentável do mundo. Era sempre bom e paciente, mas não suportava mais ignorar aquela situação.
— Eu amo você! Aquilo foi um erro do passado, faz tantos anos.— Catrina tentou remediar a situação, porém já não tinha mais jeito.
— Não me faça rir, sua...— Leonel interrompeu sua própria fala ao ver seu pequeno filho na porta.
O menino o encarava, totalmente inexpressivo como sempre, enquanto andava até ele com seu caderno em mãos.
— Papai.— ele sussurrou estendendo o caderno para ele.
A surpresa de sua fala não foi maior do que a de ver o desenho no papel. Sua mulher aparecia caída no chão sem cabeça e seu filho estava sorrindo ao ver a imagem. O desenho não era muito nítido, porém era impossível não reconhecer-los. O cabelo loiro de sua esposa, o vestido roxo que vestia naquele momento, tudo estava representado no papel.
Seu olhar cheio de horror encarou o pequeno menino em sua frente, seu olhar parecia tão inexpressivo e sem vida, naquele momento lamentou o futuro daquela criança.
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Sobreviva até o sol se por. (Livro 2)
Science-FictionNão precisavam mais sobreviver até o sol nascer, mas sim lutarem para conseguir vê-lo se por. Até que ponto a vida poderia parecer uma história de terror? Era isso que se perguntava todos os dias. Sharaene não estava mais em um desafio que poderia...