O mar

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O café na minha caneca estava frio, algo de que não me lembrei até a ter levado aos lábios. Forte e amargo, o sabor arrancou-me uma careta, um instante antes de ter deixado que o líquido deslizasse pela minha garganta.
Estremecendo, mantive uma outra gota na língua. Um arrepio suave deslizou pela minha pele, enquanto procurava a linha que atravessava o parque à medida que me perdia nos meus pensamentos. Aquela tarde havia sido intensamente dolorosa.
A culpa apertava o meu coração e a minha sombra espreitava os meus atos. Sentia-me como uma aberração, com tanta falta de consideração que tive perante os sentimentos de Lena, mas não é como se aquela confusão fosse inteiramente da minha responsabilidade, eu não era a Kara que os outros queriam, eu era o monstro que eu própria criei.
- Peço desculpa - um rapaz murmurou desajeitado quando a sua mochila bateu contra o meu braço. Sentou-se a uma distância relativamente razoável de mim, o banco estava gelado e ele sentiu isso, deu para perceber quando os pelos do seu braço eriçaram.
As minhas costas estalaram quando essas arqueei ao levantar-me e inspirando profundamente. Comecei a prosseguir caminho e pelo mesmo realizei um esforço consciente para permitir a passagem do que acreditava ser a quantidade certa de poder através de mim para excitar as moléculas de água e aquecer o café.
- Aqui estás tu. Andei a tarde toda à tua procura - uns esguios dedos rodaram o meu braço, com um movimento suave obrigou-me a virar na sua direção e mais uma vez encontrei aquele par de pérolas verdes hoje.
Mantive-me calada e sorrateiramente fugi do toque de Lena, decidida a deixá-la na ignorância, retornei à minha passada calma.
- Olha, desculpa pela forma como te falei hoje. Eu sei que está a ser difícil para nós, mas estamos a esquecer-nos que és tu que estás numa terra diferente, lamento por isso - Lena, sem a minha autorização, acompanhou-me pelo caminho.
- Certo - concordei apreensiva, com os olhos presos aos pés, sem saber ao exato o que responder perante aquele pedido de desculpas.
- Deixa-me levar-te ao teu apartamento - num tom de súplica, reforçou o seu gesto ao apanhar mais uma vez o meu fino braço.
- Está bem - essa ajuda não poderia negar, estava perdida à procura da morada desde o momento em que fui abandonada.
Dirigimo-nos para o carro de Lena e desta vez deixamos um silêncio perturbador apoderar-se do ambiente entre nós. Quando finalmente chegamos ao destino, soltei-me rapidamente do cinto e sai do carro. O sol agora caia sobre os prédios, banhando esses de dourado.
- Segue-me - Lena seguiu caminho para um dos pequenos prédios e às suas ordens obedeci. Vasculhou a sua bolsa em busca das chaves e quando finamente essa encontrou, jogou as mesmas para as minhas mãos.
- A honra é tua - murmurou com um sorriso de canto a brincar na sua boca.
Empurrei a porta deparando-me com aquilo que seria o meu novo habitat. Os meus olhos navegaram pelo apartamento, avaliando esse de uma ponta à outra. Fui jogada para um apartamento aparentemente abandonado. Pó vestia os armários, havia caixas espalhadas por todo o lado, arrumação por acabar.
- Hmmm é aqui que eu vou ficar? - murmurei com a insatisfação a assobiar nos meus lábios.
- Hmhm - vibrou as cordas vocais em concordância enquanto espiava para dentro do apartamento. Um semblante de tristeza rapidamente espelhou a feição de Lena, mas decidi manter o silêncio quanto a isso.
- Precisa de uma limpeza, parece que está abandonado - os meus pés tocaram no soalho de madeira, a cedência dos meus passos dizendo-me que estava a coxear. Deslizei a ponta do meu indicador ao longo de um móvel ficando com uma almofada de pó agarrada ao dedo.
Dirigi-me até à janela mais próxima e as cortinas dessa corri, o pó de estuque ergueu-se no ar, fazendo-me engasgar - E uma urgente - resmunguei num sussurro interno e dei a volta ao apartamento num segundo de forma a avaliar as limpezas que seriam necessárias.
- Uau, pareces o Barry só que versão feminina - Lena estava com os pés colados no chão, ainda no mesmo sítio, com fascínio espelhado nos olhos, enquanto me observava - Apesar que tu não tens raios e os dele são vermelhos - apontou pensativa.
- Quem é o Barry? - o casaco escorregou pelos menos esguios braços e esse repousei em cima do sofá.
- É o The Flash da Terra 1 - respondeu como se eu estivesse a par do assunto.
- Está bem. Se não te importares, eu gostava de ficar sozinha - empurrei os meus óculos de vista para cima, de forma a colar esses ao meu rosto, e reparei que a concentração de Lena se estilhaçou com tal ato, colando toda a sua atenção em mim. 

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NOTAS

Olá! Espero que estejam fechados em casa há tanto tempo quanto eu, já lá vão quase 3 semanas, não posso esperar pela hora que vou voltar a ver o Pizza Hut aberto xD Ao menos, com isto tudo tenho tido tempo de trazer a vocês esta história.

Até à próxima.

Perdida entre terrasOnde histórias criam vida. Descubra agora