Acordei com o som estridente das galinhas, uma melodia rústica que anunciava o início de mais um dia na fazenda. Deixei que meus olhos se ajustassem à suave luz que penetrava pelas frestas da janela e, pela primeira vez em muito tempo, observei minha mãe lá fora, alimentando as galinhas com uma destreza que eu nunca imaginara. Era um vislumbre genuíno de sua vida diária, uma visão que, por anos, passou despercebida aos meus olhos urbanos.
Vesti-me com uma mistura de ansiedade e curiosidade, descendo para o café da manhã. Minha avó, como sempre, desempenhava seu papel na rotina matinal, e meu pai, com sua habitual dificuldade para abotoar a camisa, estava ali, uma figura que, mesmo no campo, mantinha a aura de alguém que não se encaixava completamente.
– Eu te ajudo. – Ofereci, ignorando o olhar contrariado do meu pai enquanto tentava lidar com os botões da camisa xadrez.
A conversa casual girou em torno de trivialidades, mas logo meu pai dirigiu-se ao acontecimento da noite anterior, à minha ausência inexplicada.
– Foi pra onde ontem? Não estava na cama...
– Eu precisava tomar um ar.
– Hum. Só espero que você não esteja...
– Não esteja o que? Me atrasando com outro homem da cidade? – Interrompi-o, minha avó com olhos arregalados ante a ousadia da minha resposta. – Pai, na cama onde você dorme, eu já...
Fui salvo de concluir minha frase pelo aparecimento do meu avô, entrando com uma bengala na mão direita, seguido pela minha mãe. O contraste entre a rigidez do meu pai e a vitalidade do meu avô era evidente.
– Vovô, que bom te ver mais forte nessa manhã.
– Com esse jeito que vocês estão me mimando, nunca mais vou querer ser mais rude. – Ele brincou, seu sorriso iluminando o ambiente.
Ricardo, com seu físico esculpido e sorriso confiante, apareceu, e mesmo antes de cumprimentar meu avô, seus olhos já passeavam pela cozinha, encontrando os meus.
– Sim, Ricardo. Espero que esteja cuidando bem dos meus bichos e do resto da fazenda. – Meu avô falou, trazendo a atenção de todos de volta para o motivo principal da sua visita.
– Está tudo certo, seu Tião. Estão ajudando bastante também, além de Arthur e Alfredo. Está tudo indo muito bem. – Ricardo respondeu, suas palavras ressoando com uma confiança que eu sabia que vinha da sua capacidade de liderar.
Enquanto minha mãe se aproximava dele, pondo a mão em seus ombros, e meu pai limpava a garganta, uma onda de memórias do passado me atingiu com força. Lembrei-me vividamente da cena em que caí da égua, um misto de dor e risos que ecoavam no tempo.
No celeiro, enquanto realizávamos as tarefas diárias, o ambiente sutilmente evocava momentos do verão passado. A madeira rangia, lembrando-me de quando eu caí, e as gargalhadas de Ricardo ressoavam em minha mente. Uma mistura de nostalgia e incerteza pairava no ar, e eu me peguei refletindo sobre como o tempo havia transformado tudo, inclusive as relações que pareciam tão simples naqueles dias.
Durante nossa caminhada em silêncio até o celeiro, eu me perdi em pensamentos, revivendo fragmentos do passado enquanto observava Ricardo, um homem que, de alguma forma, continuava a desafiar minhas expectativas e compreensões. Cada passo na direção do celeiro era também um passo mais profundo nas complexidades do que éramos e do que poderíamos ser.
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Querido Peão 2
RomanceEsse é o Segundo livro. O Primeiro livro : Querido Peão Sinopse: Após ocorridos na fazenda, Nicolas volta para São Paulo e começa uma pequena vida trabalhando com seu pai. Até perceber que está tudo desandando, quando percebe que o seu suposto amor...