dia 15

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Mantendo a promessa que fizera a mim mesma, comecei elaborar um plano para a operação "Resgate ao  Joshua" (um nome bem idiota, eu sei, mas minha criatividade estava zero  no momento). É claro que nada do que eu escrevi no papel ia mesmo  acontecer, então só ri da minha própria idiotice e joguei o papel no  lixo. Afinal, eu era muito boa em improvisar também.

- Bom dia. – Cantarolou minha mãe quando entrou na cozinha. Exibi um sorriso radiante para ela.

- Adivinha só quem não é mais a encalhada? – Perguntei. Minha mãe levou as mãos a boca, se contendo para não dar um gritinho.

- É ele? Esse Matheus? – Assenti com a cabeça. – Aí, Any, quando vou conhecer meu genro?

- Que genro? – Perguntou meu pai do banheiro. Quando apareceu no cômodo  onde estávamos, vestindo o robe da minha mãe (achei que ele super  combinou com rosa choque), estava com uma cara linda de descrença. Meu  pai não brigaria se eu contasse, mas queria que Matheus estivesse comigo quando fosse para ele saber.

- Nenhum genro, pai querido. – Falei com um sorriso angelical. Minha mãe arfou.

- Mas você estava dizendo que...

- Que aquele filme era muito bom, lembra? "Um Genro Dos Meus Sonhos",  super recomendo, pai. – Expliquei, sabendo que ele jamais assistiria. Se  resolvesse assistir, lascou.

O homem pareceu desconfiado ainda, mas deixou passar, dando de ombros e indo fazer seu café.

Pedi licença e fui ao meu quarto tirar o pijama e por outra roupa comum.

Resolvi que era a melhor hora para tentar reconquistar Joshua e corri para o lugar onde ele provavelmente estaria, que era o terraço.

Antes de sair, vi uma mensagem de Matheus na minha tela.

• Matheus
Oi, namorada
Vamos sair, namorada?
Beijo, namorada

Dei uma risada bem idiota, com direito a print para o grupo e tudo.  Renato riu e falou que isso era uma oficialidade, mas Rafa retrucou  dizendo que ainda não era a hora.

Respondi a Matheus escrevendo que mais tarde o encontraria e corri para o terraço.

Assim como eu previra, Joshua estava lá. Ainda sem camisa, ainda tocando violão, ainda fumando.

Ainda nem aí.

Com um longo suspiro e três segundos de coragem insana, disse minha primeira palavra.

- Oi.

Eu sei que ele ouviu. Sei que ouviu porque errou a nota. No dia que eu  ficara para assistir à aula no orfanato, ele brincou dizendo que toda  vez que fica nervoso, acaba errando a nota.

E mesmo tendo me ouvido, após errar a nota, não fez nada além de continuar tocando.

Eu ainda não sabia, mas tinha que ter um motivo para ele estar agindo  assim. Não era possível que ele pudesse mudar de personalidade assim,  tão rápido. Queria saber qual era a dele, e porque estava fazendo  aquilo.

Pensando nisso, ignorei que ele tinha me ignorado e voltei a falar.

- Eu não sei o que está acontecendo com você, ou com a gente, mas... –  Hesitei, porque não sabia bem o que deveria falar. Talvez eu não fosse  tão boa de improviso. – Bom, você tem sido um amigo muito bom para mim  esses dias e eu... Eu sinto falta disso, Josh. Sinto falta de conversar, de fazer nada, sinto muita falta de você.

Ele continuou tocando, na dele. Mas estava mais calmo agora, e eu percebi que ele estava prestando atenção.

- E não sei porquê você acha que precisa tanto ser esse badboy, mas você  não precisa. Não precisa brigar, não precisa roubar, porque no fundo,  você é uma boa pessoa. E não vai ser os piercings e as tatuagens que vão  fazer de você uma pessoa ruim, como a parte conservadora da sociedade  pensa.

  Joshua parou de tocar, se virando para mim, com o cigarro meio pendurado na boca. Tirou o cigarro. Cruzou os braços.

E pela primeira vez em dias, abandonou sua voz cruel e se dirigiu a mim de um jeito quase ele mesmo.

- Eu não sou uma boa pessoa. – Resmungou, colocando o cigarro na boca de novo. – Não sou.

Aproximei-me um pouco dele, assustada.

- Você é! – Praticamente gritei. – Você tem esse complexo de achar que a  vida é curta e essas coisas, mas você só tem vinte anos, pelo amor de  Deus!

E talvez, eu estivesse surda de vez, porque o ouvi dizer baixinho:

- E terei vinte anos para sempre, any. – Eu ia pedir uma explicação, mas ele continuou falando. – Eu não sou uma boa pessoa. Você não sabe de nada.

  - Você é!

- Não sou, Gabrielly! – Gritou. Ele nunca tinha gritado assim comigo antes. –  Você acha que me conhece, mas não conhece! Você vê essa pessoa que acha  que eu sou, mas não faz nem ideia de quem eu era antes de  conhecer você. Eu não sou uma boa pessoa! Desde que eu me mudei, tenho  me esforçado, mas não dá. Eu não consigo esquecer as coisas deploráveis  que eu fazia. Eu era horrível e não consigo consertar isso. – Ele fez  uma pausa. Nunca o vira tão aberto assim antes. – Eu só posso me sentar  aqui nesse banco, tocar meu violão, fumar meu cigarro e tentar amenizar a  minha culpa. Começando por tentar agir como uma pessoa que eu não sou.

- Eu não sei. –  Comecei. – Quem você era ou o que fazia de tão ruim antes de te conhecer, mas conheço bem o Joshua que você foi depois, e posso garantir que ele era bom.

Joshua levou as mãos ao cabelo.

- Não sou. Para de tentar ser minha amiga, eu não sou bonzinho.

Lembrei da paciência dele ao ensinar as crianças tocarem violão. Quando  ele estava tentando forçar matemática para dentro da minha cabeça. Uma  má pessoa não fazia aquilo.

Fiquei brava. Senti cada célula do meu corpo se esquentar e decidi dar a  cartada final. E aos berros, deixei que as palavras me guiassem.

- Joshua! Você está tendo uma chance! Por que não a aceita?

- Porque uma pessoa que faz as coisas que eu fazia está condenada a passar a eternidade queimando no inferno!

- Dane-se! Apenas, dane-se! Se o que você faz é tão ruim, se suas  atitudes são tão deploráveis, que seja, eu vou queimar no inferno com  você!

E com essa frase de efeito, dei uma última encarada antes de sair do terraço.

Quando cheguei ao meu quarto, lembrei- me de Matheus e me senti uma  péssima namorada quando tive que cancelar nosso encontro. Ele parecia  chateado do outro lado da linha do telefone, mas me entendeu e desejou  melhoras.

Joguei o celular para o lado e imaginei o que poderia fazer para Joshua cair em si. Amanhã tentaria de novo, mas o que poderia fazer?

Por que ele estava fazendo aquelas coisas? Por que estava tão detestável? Por que estava tentando me afastar?

Foram essas perguntas que vagaram pelo meu consciente  até que eu finalmente, dormi.

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See you later💫

Burn with you - beauany fanfictionOnde histórias criam vida. Descubra agora