9- Os inimigos batem à porta

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Remar de Madrugada não é fácil, mas as vezes é preciso, meus irmãos! Eu já nem tenho mais noção do tempo. Desde que eu fiz aquelas viagens com os meus pais, e passei aquela temporada em Anagrom, minha cabeça não é muito normal, ainda mais quando o assunto é relacionado a tempo.

Eu sei que o sol já estava cumprindo seu papel brilhando no céu. Algumas aves cantavam como se aquele fosse o único dever da vida delas. Me senti como no meu primeiro dia em Anagrom, só que agora dentro de um barco. O que me acordou foi o meu novo despertador humano que eu ganhei num bingo na noite passada – para quem não entendeu isso foi um sarcasmo – Kemilly não parecia nada com uma princesa quando chorava, parecia um ogro urrando, a bichinha era bruta. Haja pulmão. Provavelmente ela estava com fome, ou com sede, ou estava cagada. Torci muito para que não fosse a última opção. Procurei na mochila algo que fosse ajudar os meus ouvidos a viverem novamente. Achei uma mamadeira. Se a princesa estava feliz imagina eu quando ela acabou com a barulheira. Foi a paz na terra.

Falando em paz na terra não ouvimos mais nenhum barulho desde que o sol começou a se levantar. Eu não tinha noção nenhuma de onde estávamos, mas estávamos perto de terra firme. Eu só precisava achar a fonte, e parte dos meus problemas seriam solucionados. Já em solo seguro, coloquei a menina na grama enquanto pegava o resto das coisas do barco. Um cheiro podre invadiu o lugar e eu fiquei com medo de encontrar algum animal morto, ou pior um corpo por ali, mas era só a Kemilly fazendo suas necessidades. Eu presenciei um cocô real sendo feito. Que virada que a minha vida dera. Eu anotei tudo aquilo para cobrar quando eu for receber meu cachê, porque tudo isso não vai sair de graça não.

Andei pela floresta, que estava tranquila e amigável como sempre, até encontrar algo que me desse um norte para seguir. Foi aí que eu vi a igreja impávida como em todos os dias, emanando uma força extrema através de seus vitrais de pedras preciosas. Não pude evitar achegar-me a ela e fazer uma prece. Eu sempre acreditei em Deus, e se tinha alguém que podia me ajudar, era Ele. Se nós estávamos perto da igreja, então estávamos perto da fonte e melhor ainda, estávamos perto de casa. Eu poderia falar com Mallu e ela me ajudaria.

Atravessei a floresta que rodeava a igreja até chegar à fonte, que de onde eu estava, encontrava-se escondida pelas cortinas de trepadeira – essa frase ficou muito engraçada, sério – mas lá estava ela, derramando águas límpidas e cristalinas como se isso fosse sua missão de vida. E era. Procurei uma parte fofinha da grama, perto das pedras que rodeavam a fonte, quase na parte de trás, para deitar a princesa e para eu descansar também, minhas pernas e meus braços estavam mortos e eu não suportaria mais. A princesa dormia como um anjinho, sério, eu queria ser ela naquele momento. Sendo levada para um rolê legal, aonde nem eu sabia onde seria, com uma mamadeira sempre que chorasse, com uma estranha que eu nunca vi e pessoas meio verdes tentando me matar. É, pensando bem eu não queria ser ela não. Por uns poucos minutos, estiquei meu corpo na grama, junto à Kemilly e permiti-me sentir o que o bebê real estava sentindo. Algumas gotinhas de água pingaram na gente. Que sensação maravilhosa! Fechei os olhos e me imaginei mergulhando naquelas águas tão geladinhas.

Okay, vocês provavelmente vão querer me matar por conta disso, mas foi necessário e rápido, não se preocupem. Mas eu não podia demorar muito. Provavelmente, àquela hora, todos já sabiam que o castelo foi atacado e que a princesa havia sumido. Era questão de horas até que os esverdeados – nome muito legal que inventei, não sei vocês perceberam – fossem atrás dela e, consequentemente, de mim também. Então, eu tive a ideia de esconder a criança atrás da fonte, com toda a proteção do mundo – vocês sabem que eu sou cuidadosa, né? – e ir atrás de Mallu. Eu tinha que avisar para ela que eu tinha que ir embora. Que eu fui delegada para uma missão, longe daqui e com a herdeira de Anagrom. Precisava de comida também e de algumas roupas. Antes eu cuidei bem para que a princesa dormisse e estivesse quentinha e que ninguém a achasse. Com meus dotes de faz tudo, que eu conquistei convivendo com dona Magda, fiz uma pequena casinha de galhos e de trepadeiras – esse nome é muito engraçados, vocês não acham? – o suficiente para que ninguém percebesse que tinha um bebê ali e sai correndo em direção a minha casa.

Maria Luci não se sabia se me abraçava e chorava ou se me enchia de perguntas sobre como eu estava e o que tinha acontecido no castelo.

- Mallu, eu não tenho muito tempo, mas eu preciso da sua ajuda para algo urgente – falei enquanto eu pegava algumas roupas, lençóis, frutas e colocava dentro de um saco de pano.

- Para que são essas coisas? Onde você está indo? O que aconteceu no castelo, fiquei sabendo que ele foi atacado e a princesa foi raptada – ela estava um acúmulo de ansiedade e euforia. Eu precisava ser forte e impor calma, apesar que eu tinha que fazer muitas coisas ao mesmo tempo e Kemilly precisava de mim.

- Maria Luci, preciso de um favor seu – puxei-a para perto e falei em baixo e bom som – ontem, quando eu saí para dar uma volta pela cidade, eu meio que menti, na verdade, eu fui procurar alguma pista perto do relógio da cidade.

- Eu sabia, você é uma péssima mentirosa – ela estava espantada e com um ar de superioridade, certamente porque estava certa sobre algo – e o que você encontrou lá? Foi por isso que os guardas do Palácio te levaram?

- Eu descobri que quem está por trás de tudo é uma mulher, ela quer tomar o reino – nessa hora, começaram a bater na porta de uma forma bem violenta e gritavam "ABRAM!" – Eles estão atrás da princesa, meu Deus!

Eles quem? Os soldados inimigos? – cochichou Mallu enquanto eu olhava pela fresta da janela quem era – São eles?

- Sim, a gente precisa sair rápido daqui. Não estamos seguras. Eles estão atrás da princesa. Querem matá-la.

- Como assim, Ingrety? Você está ficando maluca? –

- ABRAM A PORTA! – gritaram outra vez.

- Pssiu!! Fala baixo, vem comigo – a arrastei pelas portas do fundo até darmos a volta na casa e vermos, do outro lado, os esverdeados arrombando a porta.

- Meu Deus, eles não podem fazer isso, por que estão invadindo a minha casa?

- Vem comigo, Maria Luci.

Puxei-a com todas as minhas forças enquanto corríamos em direção a floresta – você deve estar pensando, nossa elas moram no meio do mato, e sim, é basicamente isso. Anagrom é rodeada por uma floresta, a Vitae – Mallu me olhava com uma cara de perdida, mas ainda sim deixava que eu a puxasse em direção a qualquer que fosse o lugar. No caminho, encontramos Saminen, e ele nos seguiu perguntando para onde iriamos desesperadas daquele jeito.

A rainha pediu que eu não confiasse em ninguém, mas eu não poderia fazer isso sozinha. Saminen era de confiança, um dos bons amigos que encontrei aqui. Ele era tão fascinado pelas estrelas como eu, e direto ia a casa do pão bater altos papos comigo e o seu Nicolás. Ele era o queridinho dos mais velhos. Eu podia confiar nele, e naquele momento eu não tinha muitas escolhas.

Viajante - Conto IWhere stories live. Discover now