Mine

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          Isa já estava no carro. Havia prendido os cabelos cacheados em um coque no topo da cabeça e usava uma blusa amarela desbotada que era duas vezes maior que ela. Tinha trazido uma quantidade de bagagem razoável que com muita dificuldade devido a falta de tamanho e de músculos conseguiu arrumar no porta-malas. 

         O sol começava a subir pouco a pouco no céu. Ontem havíamos nos despedido das meninas da academia de dança e hoje combinamos de tomar café com nossos pais, o que era pra ser um segredo, porém acabaram nos contando todo o planejado e o evento deixou de ser uma surpresa de fato. Antes de enfrentarmos doze horas de viajem até a faculdade, passaríamos um tempo agradável com nossas famílias. Mas com um horário de encontro marcado para às 07h00 devíamos ter contado com um imprevisto óbvio.  

           -  Ela não acordou ainda não é? - Isa pergunta como que não fosse muita surpresa. 

           Balancei a cabeça negativamente e uma ruga começa a se formar em minha testa. Era óbvio que não. Pego meu celular e começo a discar o número de Hanna o mais rápido que posso, Sete ligações depois começo a planejar uma forma de mata-la sem ir parar na cadeia. 

07h30...

Nada. 

08h00 

Nada. 

08h30...

          Vemos um vulto branco ao longe que se aproxima rápido, carregando o que parecem ser várias coisas penduradas. Se não esperássemos Hanna talvez tivéssemos pensado que se tratava de um vendedor ambulante. Ela morava a cinco quadras da minha casa, que era o ponto de encontro,  e parecia ter corrido as cinco, pois estava toda suada e vermelha, além de que uma das bochechas tinha a marca amassada do travesseiro. 

         - É tão difícil acordar cedo? - Pergunto assim que ela para toda ofegante a minha frente. 

        - Ah sim. E você achava mesmo que essa dorminhoca ia estar aqui ás sete em ponto ? Eu estou surpresa que não ficamos esperando até o meio dia. - Isa grita do assento traseiro do carro. - Vamos, já estamos atrasadas. 

       - Desculpa ai gente... - Pausa para respirar profundamente. - Eu perdi a hora. 

       - Sério? A gente nem notou. - Digo fazendo sinal para que ela colocasse as coisas no porta-malas. 

        - Ah que bom!! Tive medo de que tivessem ficado me esperando por muito tempo. 

        Vejo Isa revirar os olhos através do vidro escuro do carro. A gente não podia fazer nada, afinal era a Hanna.  A loira afobada coloca as bolsas grandes e uma mala cinza no porta-malas, antes de correr e sentar no banco traseiro ao lado de Isa. Entro e logo percebo que estou sentada sozinha na parte da frente do carro. 

         - Vocês estão achando que eu sou algum tipo de Táxi? - Pergunto observando ambas colocarem o cinto apressadamente no banco de trás. 

          - Claro que não... Nós só estamos tomando as devidas precauções. - Isa diz pegando um dos travesseiros que havia trazido para a viajem e colocando sobre as pernas. 

         - Ei!! Eu quero um travesseiro também. - Hanna fala como se estivesse tentando me irritar. 

          Eu não sei de onde essas duas tapadas tiraram que eu dirijo mal, todo esse drama apenas porque eu tirei a carteira há menos de um mês. Fiz questão de realizar a viajem com o dobro da velocidade normal, mesmo que isso tenha me feito deixar o carro morrer uma ou duas vezes

         Chegamos em menos de cinco minutos a uma cafeteria que costumávamos frequentar antes da escola todos os dias.  Nossos pais estavam nos aguardavam lá provavelmente pelo mesmo tanto de tempo que nós ficamos esperando por Hanna. Saio do carro e sou seguida por duas malucas que se atiram para fora batendo as portas fortemente e caindo em seguida no chão. 

          - Teeeeerra fiiiiirme. - Ouço a voz de Hanna. 

          - Não achei que fossemos sobreviver. - Isa toca algumas partes do próprio corpo como se estivesse checando se ainda estão lá. 

         Acho que é difícil fingir que não conheço ambas a esse ponto, uma vez que um grupo bem peculiar de adultos vem em nossa direção de braços abertos. Meus pais são um casal bem comum, uma senhora ruiva de estatura baixa que sempre parece estar pensando em alguma coisa e um homem não muito alto de pele escura que tinha um rosto severo, no entanto era muito gentil. Os pais de Isa eram igualmente legais, um senhor calmo e uma senhora animada e faladeira como a filha. Já os pais de Hanna... para ser mais exata a mãe, não era uma pessoa... Como podemos dizer? não muito normal. Tia Amanda, como a chamávamos, era uma mulher... jovem? Ela teve Hanna muito cedo, e a criou mais como uma amiga do que uma filha. Os cabelos loiros e a pele clara da Hanna também ficavam bem na mãe, mas nossa amiga não puxou a vantagem... digamos, que ela não herdou o busto avantajado de Amanda. 

       Meus pais vieram em minha direção e era bom ver que estavam felizes com tudo que está acontecendo. Vejo que os pais de Isa compartilham do mesmo sentimento e a Mãe de Hanna... está enchendo a filha de beijos enquanto a esmaga entre os peitos.  

         É o ultimo dia que vamos passar com nossa famílias por muito tempo, então por mais ansiosa que eu esteja para sair resolvo aproveitar a companhia deles, das meninas... e da Tia Amanda, mesmo que essa ultima seja meio diferente.

         Nos deixaram comer tudo o que queríamos, e as conversas giraram em torno de nós. Como nos conhecemos, o que fizemos durante a infância e algumas coisas constrangedoras que nós três concordamos em deixar de  fora deste livro. Amanda nos apresentou o namorado novo,  ela os trocava toda semana e o verdadeiro pai de Hanna só ela e Deus sabiam quem era... na verdade eu acho que só Deus sabe. Isa sempre dizia que Hanna era filha de chocadeira e eu não posso discordar. Tudo correu bem, tirando pela parte em que o padrasto motoqueiro bombado de Hanna tentou agredir o garçom por trazer o pedido errado. Eu acho que o tal do "Hank", se é que esse era o nome verdadeiro dele, tinha sérios problemas de autocontrole. 

         Eu devorei todos os biscoitos que pedi e também bebi um chá gelado, Hanna comeu um pedaço de bolo com cobertura que ela sempre pedia, mesmo Isa alertando que não fazia bem comer aquilo tão cedo. No final das contas Isa sempre comia um sanduíche ou cuscuz. "Acho que deve ser a influencia nordestina dela, porque Hanna e eu nunca vimos tanta graça em cuscuz." 

A despedida foi difícil, mesmo nós três sabendo que voltaríamos ali em menos de um mês. 

Azul é Verde e VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora