Thomas

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          Oi, meu nome é Thomas Martins Neto, mas todo mundo me chama de Tom. Eu tenho vinte e um anos e estou no meu terceiro ano da faculdade de biologia. E claro que isso não é tudo sobre mim.  

          Meu pai é o Thomas Martins Filho, um dos maiores exportadores de carne bovina do país. Não é mérito dele, todas as fazendas, frigoríficos e aras da minha família foram herdados do meu avô.  Eu também tenho um irmão mais novo de três anos, o Ottis, ele é uma peste. Mas na idade dele eu era dez mil vezes pior. Aos três anos me diagnosticaram com TDAH, meu pai não levou o diagnóstico a sério e disse que era só mais uma doença inventada, como depressão e transtorno de ansiedade. Ele não liga muito pra saúde mental.  Eu dava muito trabalho para qualquer pessoa que prontificava-se a cuidar de mim, eu riscava paredes, quebrava coisas e tinha dificuldade de realizar tarefas simples. Meu pai dizia que isso ia passar e que ele daria um jeito, mas tudo que fazia era se estressar e as vezes partir para a violência. Minha mãe não gostava que ele me batesse, mas éramos uma família tradicional, morávamos no sítio e o que o meu pai dizia era lei. Quanto mais eles tomavam medidas para me conter, mais eu ficava irritado, não entendia o que havia de errado comigo e porque eu apanhava quando soltava os bezerros do curral, ou porque meu pai me trancava no quarto toda vez que eu quebrava um vaso ou coisa assim, o que acontecia todo dia. Quando eu comecei mostrar comportamentos de uma criança violenta, meus pais tornaram a me levar ao médico.  Descobrimos que agora além do TDAH eu tinha desenvolvido Bipolaridade. Dos meus quatro aos cinco anos de idade passei por coisas difíceis, pode não parecer nada para quem vê de fora, mas haviam dias que eu simplesmente não conseguia desligar, meu cérebro parecia querer se ocupar com absolutamente qualquer coisa e dias em que queria apenas dormir. Quando alguém chamava minha atenção eu simplesmente explodia, já cheguei a me jogar de cima do telhado de nossa antiga casa uma vez, lembro de ter apenas pensado em saltar de lá e voar não queria fazer isso de verdade, mas quado notei já estava no chão sentindo uma dor surreal. O médico disse que eu tive sorte de quebrar apenas o braço e não o pescoço. Foi só ai que meu pai aceitou que tínhamos um problema. Comecei a tomar remédios e ir ao terapeuta. Minha mãe mudou-se comigo para a cidade, O nome dela é Elis. Ela é muito gentil, enquanto meu pai trabalhava com meu avô pra cima e pra baixo ela fazia de tudo para lidar comigo. Nos seis meses que morei com ela sem a presença contante do meu pai, meu TDAH melhorou muito, ou pelo menos o suficiente para eu não me jogar de telhados. Os médicos diziam que eram os remédios e a terapia, mas eu sabia que tinham muito mais envolvido. 

          Morávamos em um condomínio fechado e foi lá que conheci Yun.  A mãe de Yun, a Senhora Huan havia acabado de se divorciar do Reitor Wei. Ná época eu não sabia o que divorciar significava, e pelo visto Yun descobriu antes de mim. Morávamos ali há seis meses e pela primeira vez ela havia ido dar-nos boas vindas. Yun era mais baixo que eu na época e três meses mais novo, um pequeno chinês bochechudo sempre preso a perna da mãe que nunca dizia uma palavra. Durante toda a visita Yun ficava quieto me olhando enquanto sua mãe incentivava-o a brincar, e eu como sempre não parei um segundo. Lembro-me de a senhora Huan pedindo para que Yun e eu brincássemos juntos, achava que ia ser bom para o filho ter uma amigo extrovertido. Vi que minha mãe ficou muito feliz na época porque uma pessoa mais velha me via apenas como um garoto extrovertido e não como uma peste total. Foi somente por causa dela que comecei a brincar com Yun, ele era muito chato, nunca queria aprontar nada e gostava de ficar escrevendo em chinês ou montando quebra-cabeças por horas, eu juro que uma vez eu tentei ajuda-lo a montar um que era uma grande imagem de um cavalo, mas antes de chegarmos na metade eu já havia enfiado umas vinte peças dentro das comidas da geladeira, minha mãe passou uma semana achando partes de cavalo enfiadas nos tomates.  No início do ano seguinte fomos matriculados na escola, estudávamos de manhã e na parte da tarde íamos para casa Yun onde uma babá era paga para nos vigiar. Minha mãe voltara a trabalhar com  meu pai e a mãe de Yun estava investindo em coisas que não entendía-mos com seis anos.  Não demorou mais que uma semana de aula para começarmos a sofrer bullying de um valentão chamado Marcos, Yun sofria calado, mas na primeira vez que Marcos resolveu mexer comigo nós brigamos feio, pelo menos tão feio quanto garotos de seis anos de idade podem brigar. Minha mãe tinha uma forma estranha de resolver as coisas e assim que descobriu que eu havia arrumado encrenca na escola fez com que Marcos, Yun e eu passássemos todas as tardes juntos dali em diante. No primeiro ano tivemos seis babás diferentes. Yun era quieto demais, eu era bagunceiro demais e Marcos... digamos que ele era estressado demais. Com o passar do tempo eu parei de brigar ou explodir por pequenas coisas, pois estava ocupado  impedindo que Yun apanhasse de alguém ou que Marcos batesse em alguém. Contratar cuidadoras para nós três estava ficando difícil, apenas deu certo quando encontraram a Marnie. Marnie tinha dezoito anos, era uma punk de cabelo preto cortado curto e olhos azuis, no primeiro dia que cuidou de nós passamos a tarde inteira vendo filmes de terror e no final quando já estávamos assustados o suficiente ela nos colocou em um canto e disse que se fossemos bons meninos não precisaria arrancar nossas tripas e colocar em um pote.  Não posso dizer que não foi eficiente. Havia duas coisas boas em ser vigiado por Marnie, a primeira é que se nós não quebrássemos nada caro podíamos fazer e comer qualquer coisa. A segundo era a irmã mais nova de Marnie, Alicia,  que passava algumas tardes conosco. 

Azul é Verde e VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora