Corvos sobre meu umbral...
Isso te lembra a quê?
Bailes de Poe se esgueiram pelas portas mal fechadas – aprendi sobre ele outro dia.
Você sempre teve a mágica dos homens sobre suas mãos.
Todos sempre a tivemos.
O que eu sou? Você não sabe?
Raven é um homem sério.
Sério é o homem...
Isso, isso. Vamos diga, grite comigo...
RAVEN!- 2019.
Aos 58 anos, Lincoln Forestry ainda era um rapaz. Ele não estava realmente velho, as crianças da vizinhança o chamavam de "Coroa". Ele nunca entendeu isso, realmente. Ele não se lembra de ter chamado seu pai de coroa, mas ele lembra de ter amigos que chamavam os professores assim. Lincoln se perguntava como aquilo aconteceu, quando Coroa virou sinônimo de "você é velho mas pode ficar ainda mais".
As crianças gostavam de Lincoln, apesar de chamá-lo dessa forma estúpida e incoerente. Ele não tivera filhos, nem mulheres, embora muitas vezes pegara boa parte das mulheres olhando para ele e sorrindo entre sussurros. Ele não tinha ficado exatamente como achou que ficaria quando tivesse quase 60. Mas, aos quarenta, ele ainda era um homem e tanto. Os olhos azuis eram a porta de entrada, os cabelos caindo nos olhos, passando longe da cauvisse que a moiria sofria, era uma porta a mais para se abrir. Nenhuma das mulheres chegou até a sala e, em sua cabeça, ele já estava velho demais para deixar que isso acontecesse.
Lincoln era um contador de histórias. Histórias sobre gatos guerreiros que enfrentavam legiões de corvos. Sempre que se aproximava do final, e as crianças estavam boquiabertas, esperando por mais, ele prometia contar amanhã. E esse amanhã se estendia para semanas e semanas de novas histórias e fins inventados de súbito. Um dia, porém, quando sentia-se solitário e apenas poucas crianças se reuniram sobre tapetes quadriculados em seu jardim, ele contou. Contou tudo. Sobre os corvos que se chamam Raven Town, sobre os gatos que também eram corvos, sobre o guerreiro que sempre fora solitário e no fim, após passar por uma lufada de alegria e amizades que prometiam se estender até o fim do horizonte... Ele contou como todos sumiram. Como o guerreiro solitário teve que passar por procedimentos e médicos e uma série de lavagens cerebrais numa tentativa falha de fazê-lo esquecer tudo o que viveu durante a árdua jornada em busca do final feliz.
As crianças reagiram como ele achou que reagiriam. E então, não mais. Elas o abraçaram e pediram por outra história em um outro dia. Elas queriam saber sobre o passado de Raven Town. Mais tarde, em uma outra semana, Lincoln contou, contou como Raven Town era um herói, contou como tudo fora estragado por um homem com metade do rosto desfeito, contou como foi voltar e não haver nada.
Raven Town não existe mais. Fizeram uma lavagem cerebral na humanidade, pois todos afirmavam a mesma coisa: que Raven Town não existia a muito tempo. Muito antes de Londres e Inglaterra e tudo em que põe os olhos existir, ela fora expurgada.
Lincoln havia feito a promessa de não esquecer e não a quebraria.
Quando voltou para sua sala estreita em sua casa amarela como a descrição de uma doença — que já fora branca, mas assim era melhor de encontrar —, ele releu a carta que recebera mais cedo. Ele gostava de fingir que a estava abrindo pela primeira vez. As letras impressas diziam respeito a um certo filme sobre uma certa cidade com um certo roteiro maluco e de fim duvidoso sobre quem realmente tinha vencido — se é que havia mesmo um vencedor. Datas de possíveis reuniões sobre as discussões sobre mudanças ou checagens no roteiro estavam marcadas a mão em espaços onde as letras esparramadas, com uma dificuldade claramente contornada, tentavam se escorar. Sua mente de cineasta ainda serviria de muita coisa.
Lincoln sentia-se feliz, como não fizera por muito tempo em sua nova vida desde que deixou aquela casa branca cheia de pessoas com vozes na cabeça que ele preferia não recitar o nome. O passado ainda estava ali, moribundo, sussurrando em seus ouvidos a noite, mas essa era a maneira que o mundo encontrara para ajudá-lo a manter sua promessa, então ele não se importava.
Eram dezoito garotos em Raven Town. Se eles a mataram ou foram consumidos por ela, não se sabe ao certo. Mas, eles foram exatamente isso, garotos de Raven Town, bravos guerreiros, malucos num ônibus azul rumo a lugar nenhum, ou todos ao mesmo tempo.
Raven Town, Lincoln sentia, estava bem viva em algum lugar sob seus pés... Outros guerreiros haveriam de enfrentá-la mais tarde, mas, por hora, ela estava morta.
Vivos voltam mortos voltam vivos – essa é claramente a vida de Lincoln, o último dentre os garotos de Raven Town.
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Os Garotos de Raven Town
FantasyApós dez dias acampando, Pete, Scott, Duece e toda a sua estirpe - formada por dezessete garotos - estão de volta à pequena e pacata Raven Town. A cidade, por sua vez, jazia deserta, silenciosa... exceto por Pearce - o único morador que restara. ...