Dois

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Não foi uma surpresa ver o Duque e Genevieve reunidos no escritório chique. Os móveis eram de madeira, com estofado verde escuro nas poltronas. Uma pesada cortina bege cobria parcialmente a janela gigantesca atrás de Ryan Von Luitger, que lia uma pasta que jazia na escrivaninha a sua frente. Genevieve estava sentada em uma das duas poltronas na frente do pai, o rosto impassível. Preferi me manter em pé até segunda ordem.

— Timothy Miller. — o Senhor Von Luitger pronunciou meu nome como se testasse a sonoridade. — Sobrinho neto de Janete Abrax.

— Sim, Senhor. — mantive a cabeça baixa, me permitindo desviar o olhar só mais uma vez para Genevieve. Ela parecia achar graça de algo. Com certeza estava tendo sua vingança.

— Sua tia foi um grande nome na música e nos teatros, Senhor Miller. Sinto muito pela sua perda.

Não respondi devido ao caroço formado em minha garganta, mas assenti para demonstrar que estava ouvindo.

— Sente-se. — ele sinalizou a poltrona e eu obedeci. — A Senhorita Turner mencionou que você é um excelente pianista.

A diretora do orfanato estava fofocando sobre minha vida para o Duque. Ótimo.

— Aprendi desde pequeno com minha tia, senhor.

— Pois bem. Eu soube que você herdou a propriedade e o dinheiro, mas sem um tutor precisa ficar em um abrigo pelo próximos três anos. — uma pausa. Concordei com a cabeça, sem saber onde aquela conversa poderia chegar. — Entrei em contato com um grande amigo meu, o Senhor Lancaster. É primo distante de sua tia e considera se tornar seu tutor. Seria algo apenas formal, é claro. Vocês não precisam ter contato algum entre si, mas dessa forma o Senhor poderia voltar para a sua casa e ter acesso a quantia deixada pela Srta. Abrax. Lancaster me prometeu não interferir na administração caso não seja solicitado.

— E se ele não cumprir com o que diz?

— Cuidarei pessoalmente para que todos os termos do acordo sejam cumpridos.

— E em troca? — perguntei antes que pudesse me impedir. Um brilho ferino surgiu no olhar do Duque enquanto um sorriso preenchia seu rosto devagar.

— Garoto esperto. Minha filha Genevieve tem certa... Dificuldade com o piano. Nenhum dos professores nunca conseguiu resultados e desistiram após alguns... Empecilhos. Minha proposta é que você a ensine tudo o que sabe. Já estou farto de ser envergonhado na frente de meus parentes amigos com a inabilidade de Genevieve.

— E se ainda assim não tivermos resultados, Senhor?

— Você aprendeu com a melhor desde que nasceu e não poderá abandonar o cargo até ter atingido algum resultado ou os três anos acabarem. E você cumprirá sua parte do acordo sem desistir, ou garantirei que o Senhor Lancaster simplesmente... Desista também de ser seu tutor.

— Céus, pai! — interrompeu Genevieve — Você faz parecer que sou uma criança precisando de babá.

— Você precisa de disciplina.

— Eu já disse que o pó de mico foi um acidente — ela cruzou os braços.

Interessante.

— O que me diz, Senhor Miller? — o Duque me encara.

— Eu aceito.

— Você precisava ver sua cara quando entrou na sala do meu pai

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— Você precisava ver sua cara quando entrou na sala do meu pai. — ela ria. Era a primeira aula de Genevieve, dez dias depois da reunião com o Duque. Fora o tempo que havia levado até que toda a papelada de nosso acordo estivesse pronta. Estávamos na sala de música, a porta aberta para que os passantes vissem tudo o que acontecia. Percebi o Duque nos observando pelos primeiros quinze minutos antes de ficar completamente entediado e sair com uma desculpa qualquer. Logo depois a governanta disse ir ao banheiro, mas algo me dizia que ela também não voltaria.

— Não é Fá, é Do. Toque de novo. — ralhei — Ninguém me disse sobre o que se tratava aquela visita, é claro que eu estava assustado.

— Eu nem sei qual é Do, as teclas são todas iguais!

Me inclinei sobre ela, apertando a tecla correta.

— Olha como ela soa. Do, do, do. Agora, olha essa. Fá, fá, fá. Pode se guiar pelas teclas pretas se achar mais fácil. Tente memorizar a posição e o som delas. Não aprendeu isso fazendo as escalas?

— Não.

— Francamente, o que você aprendeu?

— Eu não estava muito interessada nas lições que meus professores passavam, na verdade.

— E por que pediu para Sra Turner me indicar para que eu fosse seu professor? — tirei a partitura da música que ela lia e abri a pasta, buscando pelas escalas.

— Gostei de você. Achei que poderíamos ser amigos. — ela deu de ombros. Coloquei a nova partitura a sua frente.

— Gostou de mim? Por que eu te critiquei no piano?

— Exatamente. As pessoas normalmente me enchem de elogios mesmo eu tocando tudo errado.

— Você não faz isso de propósito, faz?

Ela me encarou, sorrindo gatuna e começou a tocar um trecho de Balakirev, de Islamey*.

Perfeitamente.

Soltei um xingamento.

— Que palavra mais feia, professor. — ela ainda sorria.

— Até mesmo seu pai acredita que você não sabe tocar nada.

— Eu odeio piano e odeio as aulas, de verdade. Então descobri que se me fizesse passar por estúpida e causasse acidentes o suficiente meus professores desistiriam de me ensinar.

— E o que mudou?

— Nada mudou. Eu só pensei sobre o que você me disse.

— Sobre você ter destruindo meus ouvidos naquele dia? — arqueei as sobrancelhas para Genevieve, que rolou os olhos.

— Eu só estava tocando para provocar meu pai. Ele doa dinheiro, mas não se importa realmente com as pessoas, é só para diminuir os impostos. Mas não, não foi sobre isso que eu fiquei pensando e sim sobre ter escolhas. E então eu te escolhi, como meu amigo.

— Não é assim que funcionam as escolhas. Eu posso escolher te achar uma garota chata e mimada.

— Eu sei que sou. Mas você não se importa de verdade com isso.

E era verdade, eu não me importava. Ela tinha me tirado do orfanato e me devolvido meu lar. Além do mais, as aulas me davam um bom dinheiro e eu era grato por isso.

— Faça as escalas, Senhorita Von Luitger.

— Mas...

— Você quis ter aulas, vamos ter aulas, não sou pago para conversar.

— Você é tão chato quanto eles.

— Não estou ouvindo as escalas.

— Estou começando a te odiar.

— Do, ré, mi...

— Argh.

*é uma composição para piano da compositora russa Mily Balakirev, considerada uma das músicas mais difíceis do mundo para serem tocadas no piano

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*é uma composição para piano da compositora russa Mily Balakirev, considerada uma das músicas mais difíceis do mundo para serem tocadas no piano.

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