Cinco

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Fui acordado dois dias após o casamento com batidas pesadas na porta. Eu tinha dispensado os empregados por se tratar de um domingo e a chuva batia pesada contra o vidro da sala. A lareira acesa era um alívio divino contra o frio do inverno de Greenderfield e eu cochilei no sofá de pijamas ao assistir alguma besteira na televisão. Me arrastei até a porta, xingando baixo por ser forçado a sair de debaixo dos cobertores pesados no sofá. Não me importei em me arrumar antes de abri-la, mal mantendo os olhos abertos. Uma figura totalmente coberta por um sobretudo marrom e óculos escuros se lançou em minha direção, completamente encharcada pela chuva. Me assustei ao ser abraçado, mas ao ouvi-la murmurando meu nome e chorando, apenas a trouxe para mais perto e fechei a porta atrás de nós.

— Genevieve, o que aconteceu?

— Ele me apresentou para a amante dele, Timmy. Logo após nossa noite de núpcias ele me apresentou para a amante e disse que deveríamos ser amigas já que vamos conviver pelo resto de nossas vidas.

— Ah, Genna... — eu realmente não sabia o que dizer sobre isso, então apenas a abracei e deixei que chorasse, a raiva me preenchendo. — Ele é um babaca.

— Eu vou pedir o divórcio.

— Você se casou antes de ontem.

Ela parecia perdida enquanto me encarava.

— Ele tem seus olhos. Foi o que me fez aceitar esse casamento que meus pais arranjaram. É o exato tom de azul dos seus olhos.

— Genna, você está bêbada? — eu sentia o cheiro do álcool forte em seu hálito. Acho que eu nunca tinha a visto beber. — Vamos lá pra cima, você precisa de um banho quente. Vai congelar com essas roupas molhadas.

De fato ela tremia e apenas se deixou levar, o olhar perdido e sem dizer uma palavra enquanto eu ligava a torneira para encher a banheira de água quente. Eu a ajudei a se despir das roupas molhadas e as pendurei perto da lareira para secar, deixando um conjunto de moletom no banheiro para ela. Genna continuava na mesma posição, agora tremendo menos enquanto a água quente descongelava seus ossos. Me sentei no chão frio do banheiro e peguei o shampoo, aplicando em seus cabelos molhados. Ela fechou os olhos e pareceu relaxar sob meu toque então continuei massageando seu cabelo até que Genna afundasse a cabeça na banheira, se livrando da espuma. Foi o movimento que me sinalizou que ela já estava bem o bastante para ficar sozinha, então só esperei ela retornar à superfície e avisei que a esperaria na sala.

Troquei meu pijama molhado por um novo e o pendurei próximo de onde as roupas dela secavam, me acomodando no sofá logo em seguida. Mal passavam das cinco da manhã.

Quando Genna apareceu eu não pude evitar um sorriso. De moletom e cabelos molhados, ela não parecia nada com a garota, agora princesa, que vivia com vestidos caros e terninhos. Apesar de não devolver o sorriso, ela se acomodou no sofá, deitando-se de costas para mim. Senti a pressão familiar de suas costas contra meu peito e a abracei, depositando um beijo casto em seu ombro.

— Quer conversar?

— Acho que só quero dormir, Timmy.

— Tudo bem.

— Senti falta do seu cheiro.

— Senti sua falta, Genna.

Ela se virou para mim. No sofá apertado demais para duas pessoas, estávamos tão próximos que eu conseguia captar cada detalhe de seu rosto. Genevieve deslizou a mão por meu rosto, os olhos me esquadrinhando.

— Sinto muito, Timmy. Eles precisavam desse casamento para garantir a parceria com meus primos na Inglaterra e na Dinamarca e conseguir patrocínio para investir na saúde. Nossa população está envelhecendo e eu... Eu achei que podia lidar com isso.

— Não cabia a você salvar o país se significasse ser infeliz.

— Agora cabe.

— Princesa Genevieve. Quem diria.

— Para com isso.

O pedido soou tão infeliz que não ousei dizer mais nem uma palavra. A abracei pela noite adentro até que sua respiração estivesse calma e profunda e então permiti que o sono me levasse também.

 A abracei pela noite adentro até que sua respiração estivesse calma e profunda e então permiti que o sono me levasse também

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Já passava das dez quando acordamos. Senti antes de abrir os olhos que seus dedos acariciavam meu rosto. Ela estava com o rosto ainda inchado de sono, o cabelo amassado de um dos lados, mas ainda assim era a criatura mais adorável já vista até então. Eu mal podia acreditar que, mesmo após pensar que a tinha perdido, lá estava ela, deitada ao meu lado, me encarando como se também não acreditasse que eu era real.

— Não achei que você fosse realmente aparecer no meu casamento. Não nos falávamos há anos e não nos vemos há tanto tempo...

— Você subestima nossa amizade, Genna.

— Amizade?

— Do que você quer que eu chame o que nós temos?

Silêncio. Na verdade, nenhum de nós nunca soube essa resposta, os limites eram confusos quando se tratava do nosso relacionamento. Ela se virou de costas para mim e suspirou contra a almofada do sofá enquanto eu encarava o teto, o silêncio pesado se instalando.

— Por acaso você tem uma escova de dentes sobrando em algum lugar? — ela perguntou alguns minutos depois. Com a pergunta, despertei dos meus pensamentos sombrios e caminhei até o banheiro em meu quarto, Genna há poucos passos atrás. Entreguei uma embalagem de escova de dentes fechada e fui para a cozinha preparar algo para o café da manhã.

— Não vão sentir sua falta no castelo? — perguntei enquanto comíamos.

— Teoricamente eu ficarei três dias em uma ilha em algum lugar na Grécia. Quando eu me recusei a acompanhá-lo, Henry foi com a amante.

— Por que ele se casou com você se tinha ela?

— Questões políticas. Ela não é alguém importante na corte ou sequer tem conexões. Não as que realmente importam para eles nesse momento.

— Um casamento por conveniência então? Eu nunca pensei que você se submeteria a isso.

— Nem eu.

— Temos três dias então?

— Três dias.

— E depois?

Mais silêncio. Eu deveria ter finalizado as coisas ali, a mandado de volta para o palácio ou para a casa de seus pais, mas Genevieve estava frágil e precisava de apoio, então permiti que ela ficasse e se infiltrasse ainda mais em meus pensamentos.

Sorrisos QuebradosOnde histórias criam vida. Descubra agora