Parte II - Revisada.

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Catarina sabia que Amália seria a primeira a se pronunciar, em uma tentativa de convencê-los com uma versão deturpada do que havia acontecido, buscando colocá-la como a vilã. Era verdade que o comentário nada inocente que fez serviu para desencadear a fúria explosiva da ruiva, mas em contrapartida, Catarina vinha sendo paciente e benevolente demais com a jovem.

Então ela aguardou, mantendo o olhar no rei, que olhava para a noiva com um brilho inédito nos olhos direcionado para a noiva.

Amália não a decepcionou.

— O que está acontecendo, meu amor, é que estou expulsando Catarina desse castelo de uma vez por todas. E quanto ao que fiz, apenas dei o que ela implorava há tempos, sempre me provocando, me desafiando como se eu não fosse nada. Fiz o que fiz porque atingi o meu limite. Ela teve a coragem de dizer que você não se casaria comigo, Afonso e que eu jamais serei a rainha que você merece.

E se antes a ruiva já não contava com a simpatia do povo, naquele momento ela terminou de cavar a própria cova. Alternando o olhar entre o conselheiro e o rei, Catarina teve certeza de que os dois chegaram à mesma conclusão. Não apenas pela reação das pessoas ao redor, mas também pela expressão exasperada e de cansaço presente no rosto de Afonso. Ainda encarando-a, o rei voltou a perguntar.

— E posso saber o motivo para tamanha sandice, Amália? Você sequer tem noção do que fez e do que pode ter causado para Montemor? Para mim e até mesmo para você?

A ruiva o olhou sem entender.

— Sandice, Afonso? Pensei que você me apoiaria! Catarina sempre me provoca e eu venho tentando manter a paz. Essa víbora já deveria ter ido embora há muito tempo, já que ela não descansará até que consiga nos separar. Ela mesma me disse, com todas as letras! — a voz da ruiva soou esganiçada ao fim de suas palavras, porém, ela não havia terminado. — Não consegue ver, Afonso? Até onde sei, Artena é um reino aliado e sobre isso, não terá nenhum tipo de consequências, nem sobre você, nem sobre mim.

A maneira indiferente com a qual a plebeia se referiu a seu reino e a ela foram o estopim para que Catarina decidisse que era hora de se pronunciar e de encerrar aquele circo de uma vez por todas.

Eu vou fazer você se arrepender, desgraçada.

Amália se arrependeria do dia em que ousou enfrentá-la e desafiá-la, acreditando que Afonso poderia livrá-la de qualquer consequência.. A ruiva esquecia-se de um fato primordial: ela é uma cidadã arteniense e, por isso, Catarina é sua rainha e detentora da justiça para uma cidadã de seu reino.

E nem mesmo Afonso seria capaz de intervir.

Soltou-se de Lucíola, caminhando na direção do casal à sua frente, seus passos acompanhados por todos os presentes ali, parando diante da ruiva de ar presunçoso. Colocando sua melhor expressão no rosto e assumindo a postura digna da rainha que era, Catarina deu um ínfimo sorriso para os dois.

Era hora do espetáculo, e se era isso que a plebeia desejava, era isso que ela teria.

— Se eu fosse você, Amália, o que felizmente não sou, teria um pouco mais de respeito ao se referir a mim. Sou uma rainha de um reino poderoso, embora devastado pela guerra, mas ainda assim, poderoso. Rainha de Artena, sua terra natal, bem como de sua família.

A ruiva a encarou e Catarina pôde perceber que ela não havia entendido o porquê de suas palavras, mas ao desviar os belos olhos negros para o rei e depois passá-los para seu conselheiro, a rainha teve que segurar a vontade de alargar o sorriso zombeteiro em seus lábios.

Sim, eles haviam entendido exatamente o que ela queria dizer. Voltando à ruiva, a morena falou novamente.

— Parece-me, doce Amália, que você se esquece de que você é uma cidadã de Artena e não de Montemor. Fica-me bem claro também que você se esquece que eu sou a rainha de Artena, portanto, sua soberana e possuo um título, este que muito aprecio. Dito isso, todos aqui presentes podem notar que, desde que você invadiu meu castelo, na primeira vez, jamais se referiu a mim com nada além de desrespeito.

E quando Amália com o rosto vermelho de raiva quis interrompê-la, Catarina levantou a mão e disse com a voz firme.

— Eu ainda não terminei. Se interrompe o seu noivo e ele permite, acredite, é um costume que eu não tolerarei que tenha comigo — piscou, desviando brevemente o olhar para Afonso, que a encarava com intensidade. — Como eu ia dizendo, você não se referiu a mim como alteza ou majestade em nenhuma ocasião, como mandam os costumes que regem a Cália. Por você ainda não estar inserida na corte como deveria e por ser noiva do rei de um reino aliado, perdoei suas falhas e resolvi não tomar nenhuma atitude mais severa em relação a isso.

Uma breve pausa, não se atrevendo a desviar o olhar do rosto da ruiva.

— No entanto, essa situação chegou ao limite hoje — pausou novamente para organizar seus pensamentos. Precisava de frieza para que não houvesse nenhuma ponta solta em suas próximas ações. — Posso perdoar que não use meu título ao se dirigir a mim, assim como posso perdoar seu despreparo para lidar com nobres de um reino aliado. Posso admitir que você não possua o conhecimento mínimo necessário das leis que regem os vinte e dois reinos da Cália e até mesmo esquecer que me chamou de víbora. Mas eu jamais, escute bem, eu jamais admitirei que toque em mim ou me dê bofetadas como fez ao me expulsar do castelo de seu noivo, rei de Montemor.

Voltou a atenção para o homem, que se surpreendeu. Catarina continuou.

— Creio que já fui exposta e humilhada o suficiente, majestade. Chega desse circo protagonizado por ela e por mim, contra a minha vontade. Relevei tudo o que podia única e exclusivamente por nossa aliança com Montemor e por nossa amizade, mas agora chega — suspirou, torcendo os lábios em desagrado. — Estarei esperando por vocês em seu escritório para que possamos conversar sobre o que aconteceu hoje e sobre o futuro de nossos reinos. Com vossa licença, majestade, Gregório.

Sem mais nenhuma palavra e ignorando a falta de reação de Amália, Catarina deu as costas para todos, tentando inutilmente segurar a risada ao imaginar o que passava na mente de Afonso naquele momento.

Era um fato conhecido que estava disposta a fazer de tudo para que o rei de Montemor se casasse com ela. Catarina o amava e via reciprocidade em seu olhar em mais de uma ocasião, ainda que o orgulho Monferrato a encobrisse enquanto tentava convencer a si mesmo que seu coração pertencia à jovem plebeia.

Nem ele acredita no que diz.

Não admitiria que a plebeia ousasse humilhá-la novamente. Nunca mais.

Já havia sido condescendente o suficiente com toda aquela situação e agora eles teriam que jogar o jogo de acordo com suas regras. E uma coisa era certa: Catarina entrava para ganhar.

No início das escadarias de pedra, ela parou.

Sem virar o olhar para trás, ela perguntou.

— Não os esperarei para sempre, majestade.

E mesmo sem querer, o rei de Montemor entende o significado implícito de suas palavras, o que serviu apenas para aumentar a sensação incômoda em suas entranhas.

Onde ela quer chegar com tudo aquilo?

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