Capítulo 5 - Chuva que lava a culpa

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Aquela cena foi difícil de digerir. O cheiro de carne queimada me deixou tão enjoado que não lembro quantos dias eu passei sem conseguir comer direito. Toda aquela confusão acontecendo de forma descontrolada me fez pensar em quanto nós estávamos agindo como amadores inocentes. A forma que aquele fogo subia era diferente de tudo o que eu já havia visto na vida, ele dançava, quase que feliz. Suas labaredas ascendiam comemorando cada grito e cada gota de sofrimento que saía de Florinda, até que ela finalmente se calou e a fumaça preta tomou conta do céu. 

Eu não sei ao certo quanto tempo fiquei paralisado assistindo aquilo, mas assim que recobrei os sentidos disparei entre a multidão à procura das meninas, sem sucesso. Então me dirigi à mansão o mais rápido que pude, mas ela parecia vazia. Continuei andando, até que ouvi barulhos de tiro, então já sabia exatamente onde Ágata estava.

Subi os lances de escada até o andar mais alto da mansão e me dirigi até à sala de treino de disparos. Entrei e lá estava ela com alguma espécie de arma de fogo que eu nunca tinha visto na vida disparando contra um alvo.

- Ágata?

Ela continuou disparando.

- ÁGATA! 

- Oi oi - ela parou e se virou para mim.

- Você não vai acreditar! Queimaram Florinda viva em frente à igreja! 

- Eu sei, eu acabei entregando-a - ela voltou a disparar.

- O que?

- A situação agravou, eu não tive opção. E na verdade não foi só minha culpa, o delegado já estava querendo condenar ela, eu só dei um empurrãozinho. Ouvi dizer que ele ameaçou matar pessoas que ela amava se não confessasse. 

- Como assim? Isso é crime! 

Ela parou de atirar.

- Beto - ela sussurrou - nós matamos uma pessoa, você quer realmente julgar o crime de outra pessoa? Isso não me deixa feliz, eu realmente gostava de Florinda, mas se vamos a frente com isso precisamos fazer sacrifícios. Se não mergulharmos de cabeça vamos perder, e não é isso que queremos fazer.

Era verdade. 

- Eu concordei em ajudar você a matar apenas as pessoas que te substituíam no sacrifício à Fera, não sabia que isso incluía passar por cima de outras pessoas. 

- Seu espírito é fraco, Beto. Você não tem determinação alguma.

- Licença?

- Você não tem ambição, você não vai atrás de sonho nenhum, só fica em sua zona de conforto sem ir adiante em nada. Nem aquele rapaz que você namora desde criança você assume. 

Eu fiquei surpreso.

- Como sabe dele?

- Eu sei de tudo. Você só procura um lugar aconchegante pra ficar e nunca mais sai de lá, não se arrisca, não toma decisão alguma. 

- Isso não é verdade, Ágata. Eu já conquistei várias coisas!

- É? Tipo o que? 

O silêncio durou mais do que eu queria, mas não consegui pensar em nada pra respondê-la.

- O foco não é esse. Mesmo para uma condenação, queimar uma mulher em praça pública é algo medieval demais até para Sr. Manuel - eu disse.

- Isso não me deixa feliz também - ela disse enquanto deixava de lado a arma e buscava seu arco e uma aljava - mas não há muito o que possamos fazer. Nosso objetivo é claro. Eu estou devastada por dentro em ver uma pessoa que eu admirava tanto em um destino tão cruel assim, mas o que eu estou fazendo é o que eu preciso fazer pra sobreviver!

A Garota de BaskervilleOnde histórias criam vida. Descubra agora