Capítulo 2 - O diário de Giovani

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- O que você quis dizer com medidas modernas, minha criança? - a voz rouca do Sr. Manuel tomou o salão - Todos nós sabemos que nos manter fiéis às tradições é o ideal para evitar a chegada da Fera.

Sr. Manuel era, provavelmente, a pessoa mais velha da cidade. Ele era o responsável pela segurança, polícia e controle social de Baskerville. Muitos os chamavam de Delegado, mas pra quem é próximo dos Albuquerque ele permitia essa intimidade. Ele era branco, baixinho e um pouco curvado pra frente. Seu nariz era tão pontudo quando o bico de um tucano e na sua cabeça haviam fios contados de cabelo branco. 

Ele sentava na terceira fileira de bancos e vestia um uniforme de policial.

- Vamos começar pela data do ritual - Ágata começou - Todos sabemos que a Fera chega na segunda lua nova do ano, então não temos pressa ainda, já que vamos entrar na primeira na semana que vem. 

- Quem posterga responsabilidades acaba pagando o preço, minha jovem.

- Com todo respeito, Sr. Manuel, mas tomar atitudes sem antes refletir nas suas consequências não me parece muito inteligente. Meu pai acabou de assumir o cargo e já querem que ele faça o ritual mais importante do nosso culto? Não te parece um tanto precipitado? Ele merece alguns dias pra se preparar mentalmente para tal ato. 

- Ele não precisa fazer tudo sozinho, seu irmão pode ajudá-lo. 

- Não ouviu meu tio dizer que não está mais em condições de realizar esforços grandes? Ou a idade também danificou seus ouvidos?

- Olhe como fala com meu pai! - o filho do Sr. Manuel levantou. Ele parecia uma montanha, tinha quase dois metros e altura, ombros largos e uma cara de bicho. Usava, também, um uniforme policial com boina e tudo.

- Tá tudo bem, meu filho. Preste atenção, Ágata. Eu não sei exatamente o que se passa na sua cabecinha, mas as regras do ritual serão seguidas querendo você ou não. Não deixarei que você se esqueça contra o que nós, dessa cidade, lutamos e quais são nossos princípios. Minha função aqui ainda é deixar todos completamente seguros e isso inclui fazer com que os ritos se concretizem.

- Não é minha intenção deixar a cidade preocupada, Sr. Manuel. Como já disse, o ritual será realizado, mas não há motivo pra tamanha pressa, a não ser que o senhor tenha algum motivo pessoal envolvido nisso. E... sabemos que o chefe da segurança deve ser imparcial com seu trabalho, não é?

Todos começaram a cochichar.

- Minhas intenções são genuinamente em prol de proteger a cidade, nada mais - Sr. Manuel e seu filho se sentaram.

- Muito bem - Ágata prosseguiu - Ameaças a parte, vamos voltar à nossa rotina padrão e nos manter à data original de realização dos nossos cultos. Boa noite a todos. 

Eu respirei fundo. Fiquei surpreso com a agilidade que ela teve de perceber do que a situação se tratava e de articular um discurso pra ganhar tempo. Eu sabia que ela era inteligente, mas aquela foi uma demonstração e tanto. 

Ao sair do altar ela deu uma olhada pra Margarida e pra mim e nós sabíamos o que aquilo significava. 

Todos fomos pra casa alguns momentos depois daquela situação tensa, mas eu mal consegui dormir depois de todo aquele tumulto. Acordei de madrugada diversas vezes imaginando o que me aguardaria daquele momento pra frente.

No dia seguinte levantei bem cedinho, me arrumei e parti em direção à casa de Ágata. Encontrei Margarida já sentada no sofá da sala da mansão tentando disfarçar o nervoso, mas eu a conhecia bem demais pra saber que ela não estava bem. 

A Garota de BaskervilleOnde histórias criam vida. Descubra agora