Ler tudo aquilo acabou me acalmando de alguma forma, então decidi me recolher pra evitar tomar decisões precipitadas - mais do que as que eu já tinha tomado. O dia já havia acabado e eu ainda não tinha achado nenhuma alma viva naquela mansão além de mim, o que me fez estranhar, mas não o suficiente pra me arriscar a continuar ali. Segundo Margarida, Ágata já estava em um pico de insanidade e eu precisava continuar seguro.
A noite era quente como a tarde e faltava só um dia até o sacrifício, o que me deixava preocupado por ter certeza que Ágata tinha algum plano pra se safar da morte. Eu não tinha mais certeza se o sacrifício realmente valia apena ou se ela se escaparia do destino se matasse essa última pessoa.
O caminho até em casa foi tranquilo, a movimentação na rua era mínima e o medo pairava no ar tanto quanto a neblina do verão. A cidade já carregava um clima macabro e deprimido, as paredes das casas pareciam chorar desbotadas e o chão já queria abrir em covas para todos os que o pisavam. Minha noite foi quase toda em claro, a ansiedade mordia minha nuca e não me deixava em paz, rolei de um lado pro outro na cama procurando calma mas não a encontrei, então decidi me sentar na varanda e aproveitar o silêncio até ouvir os cantar dos galos anunciar o dia.
Infelizmente o que me alertou não foi o canto, mas sim o som de um impacto ao longe, perto do rio. Alerta, me corri até lá e um carro estava prensado contra uma árvore ao lado da estrada do rio com muita fumaça deixando o capô. Me aproximei com cautela na tentativa de ajudar e ao ver os passageiros uma angústia me preencheu, me imobilizando. Meus sogros, os pais de Jonas, já estavam desacordados e perdendo sangue quando cheguei, tentei abrir a porta, mas a maçaneta estava completamente destruída, o que aumentou meu desespero. Quando consegui raciocinar direito pra tentar tirar alguém pela janela o capô começou a pegar fogo, e foi aí que eu percebi que o cilindro de oxigênio que ele usava pra respirar estava vazando e meu instinto foi me afastar o máximo que pude, me dando como única opção ligar para o hospital.
Não demorou até que o carro estivesse completamente em chamas e elas só não se alastraram pelas árvores porque foram contidas pelas pessoas que moravam próximas com extintores e baldes de água coletados no rio. Seus corpos ficaram completamente carbonizados, inclusive o do motorista. Eu devia estar me sentindo despedaçado naquele momento, mas aquela dor não se comparava em nada com tudo o que eu havia sentido em minha jornada até ali. Prestei minhas condolências pelo acidente e precisava seguir em frente com o plano, pelo bem de toda a cidade.
Estar insensibilizado àquela me fez questionar minha humanidade e empatia, principalmente depois de quase tirar a vida de Margarida e não derrubar uma única lágrima pela morte de pessoas que eram tão próximas a mim. Será que eu estava me tornando o monstro que tentava destruir? Ainda teria a capacidade de amar depois do final de tudo isso? Será que acabei me envolvendo nisso mais do que eu queria? Onde foi que me perdi, no que estou me transformando? Eu não era assim. O dilema me partia ao meio, mas a vingança ainda me levava para a frente, a morte de Jonas não podia ser perdoada.
A tarde se sucedeu morna e eu ainda não tinha visto Ágata desde a prisão do delegado, que seria executado na manhã do dia seguinte. Oficialmente eu ainda era funcionário dela, então resolvi ir até a mansão e enfrentá-la de uma vez por todas, seria melhor que postergar toda essa situação e ser consumido pela ansiedade como já estava sendo. Coloquei o canivete de meu pai no bolso e fui pra lá determinado a cortar o pescoço de Ágata.
A morte dela apenas iria dar início à chegada da Fera em Baskerville, mas isso era algo que eu estava determinado a lidar, já que jurei servi-la e trazer ela de volta era meio que uma das minhas obrigações afinal, mesmo com ela não tenha se comunicado comigo desde que desenterrei Jonas. Ser um escravo não estava nos meus planos, mas toda a frustração de estar cego às situações daquele momento me quebrou e precisei apelar ao que me daria poder de forma mais rápida. Arrependimentos viriam de qualquer forma, se eu pudesse voltar no tempo tomaria muitas decisões diferentes mas quando pude, segui o caminho que terminaria com todo o tormento de forma mais rápida.
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A Garota de Baskerville
HorreurEntre ser devorada por uma entidade como sacrifício ou ser perseguida e morta pela seita que a adora, Ágata Albuquerque resolveu lutar por sua vida! Depois de revirar a biblioteca antiga de Baskerville ela encontrou o diário de seu avô, bravo guerre...