CAPÍTULO 24 - CONFRONTO

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Quando finalmente conseguiu recobrar os sentidos, Kagome inspirou o ar tão violentamente quanto alguém que acabara de voltar do mundo dos mortos.

Assustada, com o coração batendo forte, demorou para reconhecer os rostos do avô e do irmão. Ambos a cercavam, a preocupação em seus olhos era palpável. Souta soluçava, provavelmente acreditando que a irmã tivesse, de fato, morrido.

Ela ainda estava do lado de fora de casa, deitada no chão do templo. As gotas de chuva tocavam sua pele de forma delicada, porém insistente. De certa forma, a água fria a ajudava a recobrar os sentidos.

- Deuses - o avô murmurou, aliviado - Achei que o pior tinha acontecido! Consegue me ouvir bem? Sente alguma dor?

- Você não queria acordar - Souta choramingou - Era como se você tivesse morrido...

O avô pediu para que o menino fizesse silêncio. Queria se concentrar no que a neta tinha testemunhado.

- Onde ele está? - Kagome perguntou, com a voz embargada.

- De quem está falando? - o avô rebateu, temendo que ela tivesse visto mais do que deveria.

- O homem que estava em pé diante do senhor - ela afirmou, levantando-se rápido demais.

Amparada pelo irmão, Kagome se colocou de pé, olhando em todas as direções. Ela procurava pela figura que jurava ter visto diante de seu avô, antes de desmaiar e ter aquele sonho perturbador.
Talvez nem mesmo um sonho tenha sido. Ninguém seria capaz de sonhar com algo assim.

- Não tinha ninguém, Kagome - o avô afirmou, nervoso - Vamos entrar, vamos nos aquecer e esquecer tudo isso...

- Esquecer? - Kagome sussurrou, ainda olhando a sua volta - Sinto que já esqueci demais, vovô. Não minta para mim, onde está aquele homem?

- Que homem é esse que você fica falando, irmã? - Souta queria saber, já que era o mais confuso de todos.

- O homem de cabelos brancos - ela respondeu, agora encarando o avô - O homem que não tinha aparência humana.

O velho ficou sem palavras. Não sabia o que responder. Estava arrasado por ela ter visto o youkai que ele enfrentou. E mais preocupado por ela demonstrar interesse por ele.

- O senhor sabe mais sobre mim do que me contou - ela disse, se afastando aos poucos - Se tivesse me contado, agora eu não estaria tão confusa...

O avô estendeu as mãos para tentar segurar a neta. Mas sua atitude não parecia colaborativa. Quanto mais ele tentava se aproximar, mais ela se afastava.

- Vamos entrar em casa - ele insistiu, já sem esperanças - Vamos conversar.

Kagome sentiu uma corrente de energia passar pelo seu corpo. Imediatamente, virou-se na direção das escadas do templo. Sua percepção havia aumentado, sentia a energia da criatura que procurava. Estava próxima ainda.

Num ato impensado, ela começou a correr em meio a chuva, na direção em que a energia pulsava. Seu avô gritou para que ela voltasse, mas Kagome o ignorou.
Desceu as escadas do templo, atravessando a barreira de amuletos e se guiando apenas pela sensação estranha em seu coração.

Pulou a grade de proteção e seguiu em meio ao matagal que se formava ao redor do templo, ainda sem saber o que faria ao certo se encontrasse a quem buscava.
A imagem das mãos brancas envolvendo seu corpo, do sangue que escapava de seus próprios ferimentos,  do cenário caótico de uma guerra entre monstros... Vinham em flashes diante de seus olhos.

Ela havia atravessado alguma barreira entre dimensões? Vivenciou uma experiência do passado?
A voz do homem de branco era assustadoramente familiar.

Continuou correndo pela floresta, afastando os galhos que atrapalhavam seu caminho. A energia estava cada vez mais intensa e pungente. Até que ela pode vislumbrar um brilho misterioso mais adiante.

Kagome parou de correr quando viu a silhueta alta, parada em meio as árvores. Era ele. O mesmo homem de suas visões.
Era pálido, alto, com longos cabelos prateados. Ele era real.
Seus sonhos enigmáticos começavam a atravessar para a realidade.

O rosto da criatura demonstrava uma mistura de pânico e admiração. Ele a conhecia, claro que conhecia. Eles viveram juntos naquele mundo cruel e violento. Ela ainda não sabia que tipo de relação tinham, mas, tão claro quanto a luz que ele emanava, estava também se tornando nítido o seu nome.

- Youko! - ela gritou, num impulso.

O homem arregalou os olhos, ajeitando a postura.

- Você me conhece? - Kagome gritou, tremendo - Você veio atrás de mim?

A figura do homem de cabelos brancos não se moveu. Ele a encarava, apenas. Seus olhos amarelos estavam atônitos. Sua boca estava entreaberta, como se quisesse falar alguma coisa.

- Você é Youko, não é? - Ela continuou perguntando - Por que eu sei o seu nome? Por que eu conheço o seu rosto? O que você quer de mim?

Nenhuma pergunta foi respondida.
Kagome estava começando a perder a coragem que havia ganhado graças ao sonho. Que a esta altura, já sabia que não se tratava de um sonho comum. Aquelas imagens mostravam a ela uma cena de um passado distante, num mundo distante.
Onde ela era outra pessoa.
Mas ele era o mesmo.

- Me responde! - ela gritou mais uma vez, começando a chorar.

O homem, Youko, deu poucos passos adiante. O que a fez sentir um medo absurdo. Tê-lo mais perto a apavorou. Temia que ele fizesse mal a ela, pois seu instinto dizia que era necessário cautela.
Mesmo que fosse um pouco tarde para se arrepender de qualquer coisa que ele viesse a fazer com ela. Foi ela mesma quem correu atrás disso.

- Lembra do meu nome? - ele perguntou com a voz suave.

- Esse nome fica martelando dentro da minha cabeça - ela soluçou - Youko... Seu rosto é o mesmo também.

O homem caiu de joelhos, deixando-a atordoada e surpresa.

- O que mais aparece em sua mente? - ele perguntou, desolado.

- Suas mãos - ela respondeu - Com garras que me envolvem e me prendem. Sua voz... Seu cheiro.

Ele não respondeu. Apenas permaneceu ajoelhado, com o olhar vidrado.

- Você queria me matar? - ela perguntou, enfim. A pergunta que tanto temia fazer - Ainda quer me matar? Por isso veio até aqui?

- N-não - ele respondeu, engasgando.

- Então... Por que eu vejo você segurando o cadáver de uma mulher que é idêntica a mim?

Youko ficou impressionado com a pergunta. Ela se lembrou. Ou, pelo menos, vislumbrou o que aconteceu com ela em sua vida passada.
Ele não estava pronto para explicar. Não naquela situação, não daquele jeito.

- Não sou quem imagina - ele disse, sussurrando - Não quero lhe fazer mal nenhum. Queria apenas vê-la mais uma vez.

- Quem é aquela mulher que morreu num campo de batalha? Por que eu posso ver através dos olhos dela?

Ele não conseguiu responder, mais uma vez.

- Me diga, Youko! - ela gritou, voltando a soluçar - O que eu tenho a ver com você? O que eu tenho a ver com a mulher chamada Yume?

Ao ouvir o nome, Youko estremeceu. Levantou-se de onde estava, e avançou em direção da jovem garota.
Ela tentou fugir, ao perceber que ele vinha em sua direção, mas foi em vão. Ele era veloz demais.

- Yume e você são uma única pessoa - ele disse, tocando em seu rosto com as mãos geladas - Eu sou o youkai que as persegue, em todas as vidas, por toda eternidade.

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