CAPITULO 25 - AQUELE DIA parte 1

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Desde que Youko a tinha capturado, cumpriu rigorosamente com sua promessa de mantê-la segura e longe das garras de seus subordinados.

No entanto, Yume ainda sentia arder por sobre seus ombros um certo olhar de ódio e ressentimento. Sempre que se virava para encarar o dono de tal sentimento negativo e maligno, deparava-se com o mesmo youkai.

Yomi, um dos seguidores assíduos de Youko. Ele parecia diferente dos demais: mais esperto, menos domável. Mas acima de tudo, infinitamente mais maldoso e cruel.

Youko não se deixava enganar por suas palavras submissas nem por sua suposta lealdade incondicional. Sabia exatamente quem mantinha debaixo de suas asas. Yomi era ganancioso e perigoso, sempre esticava a mão além de onde podia alcançar. Quando não chegava onde queria, se enfurecia e explodia de raiva.

Não se surpreendeu ao saber que ele desaprovava a presença de Yume junto do bando. Mesmo que ela permanecesse reclusa e afastada. Muitos youkais mal a viam, como se nem sequer estivesse lá.

Mas ela está aqui.
Pensava Yomi, em contragosto. As caçadas haviam diminuído, a busca por tesouros e relíquias se tornaram irregulares, quase inexistentes. Youko só tinha tempo para a humana. Passava horas testando seus poderes, estudando seus dons e colocando-os à prova.

Ele parecia se divertir com isso.
Seu sorriso, sempre diabólico e cruel, ganhava outra roupagem quando ele sorria para ela.

A humana tinha que morrer.

X

- Recebi notícias de seus antigos colegas - Youko comentou, numa certa tarde.
Yume ergueu a cabeça, um traço inútil de esperança brilhando em seis olhos. O brilho logo se apagou quando ela mesma se deu conta de que pouco pensava neles, àquela altura.
Tinha passado tanto tempo desde a última notícia que recebera, tantos dias e noites longe de seu ninho, que já parecia se recordar dele como um sonho distante. Como se sua vida sempre tivesse sido aquela que vivia agora, com Youko ao seu lado, mostrando um lado de sua personalidade que nem mesmo ele tinha conhecimento.

- Não vai me perguntar nada? - ele insistiu, sorrindo.
- Eles estão em segurança? - ela finalmente se manifestou.
Youko sorriu, satisfeito com a resposta. Não havia traço algum de saudades em seus olhos avermelhados.
- Estão perfeitamente seguros - respondeu, aproximando-se da garota - A única que tem estado em perigo é você.

Yume desviou o olhar.
Ele sempre lhe dizia isso, mesmo que estivesse fazendo de tudo para mantê-la confortável. Sua maneira de enxergar a situação a deixava brava, quase revoltada. O que ele esperava que ela fizesse?

Certa vez, ainda no começo, ela tentou medir os limites da bondade de Youko. Saiu escondida durante a noite, passando pelas rochas ásperas e irregulares que cercavam o acampamento.
Quando pensou que tinha, de fato, despistado o youkai e conseguido se libertar, parou de caminhar e encarou o horizonte à sua frente.
Seu desejo em regressar não era tão forte quanto imaginava.
Sentou-se alí mesmo onde havia travado e esperou por ele.

Alguns minutos depois ele chegou. Não estava alarmado, nem furioso, nem surpreso. Estava com o rosto sereno e benevolente. Sentou junto dela e também fitou o horizonte.
Não seria tão difícil chegar até eles, disse.
Percebi que não sinto mais vontade de voltar, ela rebateu.
Naquele momento, Youko soube que tinha conseguido o que mais queria.

- Estão se mobilizando para te encontrar - ele informou, sem enrolar.
- Ah... - Yume sussurrou - O que vamos fazer?
O youkai levantou uma das mãos e a levou em direção ao rosto da jovem. Com o dorso, acariciou sua bochecha, um contato que nunca antes se permitiu fazer.
Yume não se moveu. Sentiu o toque gelado de sua mão pelo rosto, indo desde a maçã do rosto até o queixo. Era um toque sutil, delicado. Não carregava nenhuma intenção negativa.

Kurama Youko estava apaixonado por ela.
Até que essa informação fosse absorvida pelo próprio, foi um processo custoso. Quando, em toda sua existência, ele poderia imaginar que entregaria sua alma a uma garota humana?
Negou até quando foi possível. Se recusava a ceder. Era apenas um capricho, uma vontade passageira que logo se desmancharia.
Mas não cedeu. Se fortificou.

E nos dias que se seguiram após sua terrível constatação, dedicou a garota todo seu tempo e sua atenção. Perguntava tudo a ela, queria saber cada detalhe de sua vida, de sua mente e de seu coração.
Queria conhecê-la melhor do que qualquer um conheceu. Queria desvenda-la e conquista-la. Percebia que seu tempo investido não estava sendo em vão. A garota logo confiou nele e deixou as ressalvas quanto a sua natureza maligna de lado.
Só enxergava alguém que a fazia sentir-se menos infeliz.

- Se não quiser vê-los, eu farei com que não a encontrem - Youko respondeu, calmamente.
- Não saberia como encarar aquelas pessoas - Yume confessou - Não depois de tudo isso.

Como poderia defender um youkai diante de seres humanos que caçavam e lutavam contra eles? Provavelmente haveria um confronto se as duas partes de encontrassem. Yume temia pela vida dos humanos, pois conhecia a força de Youko e seu bando.

- Não vou machucar ninguém - Kurama Youko prometeu - Sei que deve estar preocupada com isso.

Ele sabia de tudo, afinal. Era como se fosse capa de ler seus pensamentos. A mão gélida afastou-se de seu rosto, deixando apenas uma sensação fantasma, uma lembrança do toque.
A garota lamentou por isso.
Estava apaixonada por Youko.

O sentimento começou pequeno, com a surpresa de ter sido escolhida como objeto de proteção. Depois, a sensação de necessidade de sua presença a dominou. Suas palavras eram um acalento, uma carícia em sua alma dolorida. As conversas longas que os dois tinham, preenchiam o vazio que há muito ela vinha nutrindo.
Seus poderes espirituais não o intimidavam, mas sim o fascinavam.

Quando ele não a impediu de partir, na noite em que fugiu, ela teve a certeza de que aquele youkai não era tão maligno quanto ouvira falar.
Pelo menos, não era maligno com ela.

- Não quero me encontrar com os humanos - Yume disse, baixinho - Porque eu estou cometendo todas as atrocidades que eles sempre condenaram.
- Quais atrocidades? - Youko provocou, sorrindo.
- Preferindo sua presença à deles.

O peito de Youko se encheu de orgulho e vaidade. Mas, acima de todas as coisas, de felicidade.

X

Yomi havia combinado um encontro secreto com alguns dos capangas descontentes. Tinha reunido um bom número de youkais insatisfeitos com o comportamento de seu líder.

- Como faremos para afasta-lo da humana?
- Ele não sai do acampamento à dias.
- Não vamos conseguir tirá-lo daqui sem sermos óbvios quanto ao que pretendemos...

Yomi revirou os olhos. Os youkais que seguiam Kurama Youko eram tolos e ingênuos quanto ao próprio senhor. Mas Yomi o conhecia bem.

- Os humanos do Makai estão atrás da menina - ele disse, suspirando - Kurama Youko jamais permitiria que eles a encontrassem.
- É verdade que o chefe gosta dela? - um dos youkais perguntou, com nojo.
- Não, não é possível - outro retrucou - Ela é só um brinquedo.

Tolos. Yomi se aborreceu.

- Ele está apaixonado - revelou aos companheiros - Por aquela humana.

Sons de repulsa e desaprovação ressoaram pelo ambiente.

- Se quisermos voltar à nossa antiga vida devemos destruí-la.
- Yomi, estamos falando do chefe - um dos monstros murmurou - Ele é esperto...
Yomi riu, Finalmente alguma coisa certa aqueles idiotas haviam falado.

- Quando ele for despistar os humanos, ela ficará indefesa - Yomi começou a expor seu plano - Ele terá de ir pessoalmente, pois ela não confiaria em outro youkai para se aproximar dos antigos companheiros. Ele confiará que nenhum de nós tocará na garota, e provavelmente vai se certificar de nós impor muito medo quanto a isso, antes de partir.

Todos o ouviam com total atenção. Sentiam falta de saquear, roubar e matar. Desde que a garota estava com eles, nada disso tinham feito.

- Provaremos alguma tribo que viva aqui perto, para que se inicie uma batalha. Alguma tribo menos poderosa, para que não corramos riscos... Quando atacarem, nosso alvo principal não será nenhum deles.

Todos os youkais riram e festejaram o plano prefeito de Yomi.
Eles cuidariam da humana.
Eles a matariam.

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