0.6
- Luke, haverá uma leve picada e queimação e então a anestesia fará efeito, certo?
A agulha se injeta acima do meu peito e não o respondo, sinto exatamente o que o médico disse. Picada e queimação.
- Bom. - Ele diz e a única coisa que consigo pensar é em como amo e odeio esse cheiro de hospital.
O médico aproxima novamente suas mãos cobertas com luvas do meu peito e encara os enfermeiros atrás dele para dizer;
- Agora eu mexo para cima e para baixo para quebrar o tecido em torno do ponto de inserção. Ele pode sentir um puxão perto do peito, mas quando a agulha sair, isso vai embora.
Eu assinto balançando a cabeça, talvez não esteja forte o bastante para fazer mais que isso deitado nessa cama de hospital.
- Eu posso reinserir o cateter caso queira recomeçar o tratamento... Caso mude de ideia.
Eu desisti do tratamento faz alguns meses, não quero passar o resto da minha vida, o que não é muito, em um quarto de hospital, sei que a leucemia não tem cura, então quero poder aproveitar o que ainda tenho de vida, essa é minha escolha.
- Não vou mudar de ideia - Respondo forçando um pouco para que minha voz saia.
- Mãe? - O médico chama a atenção de minha mãe que tira a visão de seu celular por uns estantes.
- Ele não vai mudar de ideia. - Pelo seu olhar sei que está um tanto decepcionada.
- Tudo bem então.
Ele apóia suas mãos em meu tórax e puxa um tubo fino e flexível, - mas como um elástico - de dentro de mim, isso é o cateter. Uma dor aguda se instala no canto direito do meu peito e não consigo deixar de soltar um pequeno gemido de dor.
- Ai
- Segure para mim - O doutor pede colocando um curativo no local e eu apoio minha mão por cima o segurando. - Bom garoto.
Se Michael tivesse no meu lugar com certeza teria dito algo como; "não sou um cachorro para você falar assim comigo" eu apenas sorrio de canto.
O médico sai e minha mãe vem até mim.
- Já está feito. Acabou. - Forço um sorriso em resposta.
- Sabe quais são os sintomas, Sra. Hemmings? - A enfermeira questiona.
- Ahn... Não lembro bem
- Rigidez na nuca, calafrios, febre ou dor de cabeça. Pus, sangramento, perda de força. - Ela olha para mim. - Nada que não consiga aguentar
(...)
- Tem certeza que quer ir pra escola? -Minha mãe pergunta com as mãos no volante do carro.
- Sim. Nada que eu não consiga aguentar
- E se você tiver sangramento ou desmaio?!
- Não é necessário eu realmente ter todos os sintomas, mãe - Digo observando a rua pela janela fechada enquanto uma música calma toca na rádio.
- Você realmente tem condições, Luke? - Ela me olha de canto.
- Sim - Sorrio fraco. - Eu já estou acordado e de uniforme mesmo
Não entendo porque sinto essa necessidade de ir para escola, não sou o tipo de cara obcecado pelos estudos e nunca fui de hesitar uma falta para assistir aulas, mas agora é diferente, é como se ela fosse um dos meus lugares favoritos, mais que os altos (sim, eu adoro lugares altos) e mesmo que eu recuse aceitar, eu sei o motivo de querer ir, eu gosto de ver o cabelo colorido.
Não sei exatamente porque, mas gosto.
- Consulta?
- É - Digo, sorrindo o mais inocente de meus sorrisos para Charlotte Fitch, secretária da escola e, obviamente alguém que adora gatos. Sei de seu nome porque está visível no crachá e sei que obviamente ela adora gatos porque é do tipo que tem porta retratos com fotos dos mesmos em seu balcão.
Ela franze a testa em resposta enquanto digita alguma coisa no seu computador e claro, não posso deixar de reparar nas suas enormes unhas que fazem o barulho do teclado soar.
Agito-me um pouquinho, desejando que ela se apresse. Quero chegar no armário antes que as aulas terminem; assim terei menos risco de pagar algum mico.
- Está com pressa? - Pergunta Charlotte.
- Não - respondo, tentando dar outro sorriso.
Ela volta a franzir a testa.
Finalmente, a Srta. Fitch termina de digitar e empurra a cadeira giratória se separando do balcão. Ela abre um arquivo, encontra com facilidade a pasta com meu nome e insere o bilhete que minha mãe escreveu há alguns minutos.
Viro-me e encaro o grande relógio na parede atrás de mim. São 9h57. O sinal tocará em três minutos, o que me deixa nervoso por algum motivo. Perdi a aula de pré-calculo e educação física, que eu não faria de qualquer maneira - benefício do câncer- e meu próximo horário, por sorte, é o período de estudos. Nada mal.
Por fim, a secretária me oferece um passe para circular nos corredores, que eu pego sem deixar de reparar nos minúsculos gatos desenhados em suas unhas. É como se eles passeassem por um cimento vernelho-vivo que secou e os prendeu para sempre.
Pobres gatos.
Ajeito a mochila no ombro esquerdo e saio às pressas da secretaria. Ando bem rápido pela escola - ignorando o fato de ter acabado de tirar um cateter de dentro de mim- e chego ao corredor principal, ao longo da biblioteca. Na metade do caminho, o sinal toca e me vejo obrigado a nadar contra um mar de alunos distraídos.
Procuro não olhar as pessoas nos olhos, mas é impossível. Ashton, parecendo uma subcelebridade que brigou com o cabeleireiro, se aproxima na direção oposta e acena para mim de forma que considero um pouco entusiasmada demais.
Transfiro minha mochila para o ombro direito, mas logo me lembro do curativo e volto com ela para o lado esquerdo. Por um segundo, não tenho a menor ideia de por que ele está tão feliz em me ver.
Então, eu lembro.
Logo ele vai me encurralar e pedir que eu fale dele pra Carley da aula de matemática. Argh.
Descarrego os livros de minha mochila no armário e respiro fundo várias vezes para me recompor, talvez a falta de forças esteja começando a aparecer.
- Oi - Diz Calum se apoiando no armário ao lado do meu.
- Oi - respondo.
- Você ta bem? - Ele pergunta meio que analisando todo o meu rosto com admiração.
- Sim. Por quê? - Completo pegando meu livro de espanhol.
- Ta mais branco que o Michael!
- Não é pra tanto... - Desvio o olhar dele.
Fico um tanto nervoso, e a perca de força que antes tinha agora some, porque bem no momento em que fecho o armário, a porta se quebra caindo nos meus pés e causando um estrondo pelo corredor.
- Merda... - resmungo não só por ter quebrado a porta, mas por ter quebrado a porta exatamente na hora em que nosso diretor, Sr. Rice, - pelo o que me lembre de seu nome que acho engraçado por significar arroz - passa.
E sem nem me dar tempo de lhe dizer uma justificativa aceitável, como "a culpa não foi minha, esses armários são muito fracos" Sr. Rice simplesmente anuncia entre os dentes e com o dedo indicador apontado para mim;
- Você! Detenção! - Assim ele sai andando com a postura altamente exemplar de sua coluna.
Eu encaro Calum e apesar de não me dizer nada sei que ta com a maior vontade de rir com toda situação.
- Vocês acreditam que eu to de detenção?! - Diz Michael se aproximando. - Tivemos uma prova de história e eu não estudei, então dei uma olhadinha na prova de Anthony, e de repente, a Srta. Mason estava do meu lado.
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WANTED NOT TO LOVE [Muke]
RomanceMichael é um garoto revoltado que faz de tudo para tentar morrer, até conhecer Luke, um garoto feliz que faz de tudo para tentar viver. © 2014, aboutmuke