Capítulo 3

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— Quer conhecer algum lugar em especial? — Perguntou tentando conter seu ânimo.

Liam era um lorde, talvez por ser filho de um algum duque ou talvez tenha o título somente por ser melhor amigo do príncipe.

O dia estava ensolarado e quente, uma deleitante raridade, já que Vênus tem um clima impiedosamente gélido. Estávamos no final do verão e, por aqui, no outono a neve já caia. Quando eu era pequena ficava deslumbrada com sua magnificência. Entretanto, com o advento da maturidade, pude ver que seus flocos eram tão delicados quanto penosos. Principalmente para as famílias desabrigadas, as que não têm roupas o suficiente para se proteger e as que sequer conseguem manter o fogo aceso por muito tempo. Famílias que o rei prometeu que não ficariam sem amparo. Foram promessas jogadas ao vento e caídas por terra. "Eu odeio o rei." Esse pensamento nunca me abandona. Como Kalel poderia ser uma pessoa tão distinta dele? Afinal, uma maçã não cai longe da árvore. Eu sinto pena do príncipe.

Afasto esses pensamentos e volto a me concentrar em Liam. Talvez eu só tenha emergido em meus pensamentos para não ter de encarar o fato de que estou de braços dados com um homem despido que não é o meu noivo. Solto seu braço e encaro seu rosto; ele é lindo, admito, ainda mais que o príncipe tem feições um tanto mais bruta. Eu gosto disso. Entretanto, ainda sou comprometida.

— Não sei se tenho um lugar que eu queira ir, até agora só vi a sala do trono, um corredor com muitos quadros e essa parte do jardim. — Disse de forma descontraída. — Você é o guia, você decide. — Sorri. — Só acho que deveria por suas roupas.

Ele ficou um tanto vermelho, achei fofo. Provavelmente ele havia se esquecido que tinha jogado suas roupas no chão para treinar com o príncipe. O lorde caminhou até suas vestes e as sacudiu para tirar a sujeira de terra. Ele, enfim, estava devidamente vestido e não me ofereceu mais o braço. Apenas parou ao meu lado.

— Desculpe-me por ter te encostado completamente suado. — Ele parecia um tanto envergonhado.

— Ah não, não tem problema, todos suamos. Não sou uma princesinha chata.

— Uma princesa rebelde, eu diria. — O mesmo apelido.

— Você e Kalel combinaram de me chamar assim? — Ele se espantou um pouco.

— Anotação mental: — Ele falava sozinho. — Não chamar a princesa como Lel a chama.

— Também não precisa me chamar de princesa. — Liam sorriu abertamente.

— Tudo bem, só rebelde então. — Foi minha vez de sorrir. — Rebeldes precisam de energia para se rebelar, quer conhecer a cozinha? Garanto que Vossa Alteza jamais te levaria lá.

— Por mim, tudo bem.

Caminhamos próximos um do outro, sua testa brilhava com o suor e devo dizer que ele não estava cheirando muito bem. Chegamos à cozinha, o tamanho não me surpreendeu, acho que pelo tamanho do palácio, eu esperava mais. Parte dos criados pararam o que estavam fazendo para me observar.

— Lady Serena, Lorde Liam. — Reverenciou.

O homem era alto, calvo, alguns cabelos que lhe restavam eram grisalhos, deveria ter por volta de 60 anos. Não era gordo ou magro, tinha pele escura e os olhos cansados, negros como a noite. Sua voz rouca e grossa tinha um sonar de respeito, mas ao se referir ao lorde notava-se também um certo afeto. Quem sabe Liam viesse vê-lo bastante.

— Senhor Elias, sabe que não gosto que me chamem de lorde. — Liam sorriu, como alguém que eu conhecia há muito tempo, talvez uma outra versão de mim.

— Peço desculpas, só não quis passar a impressão errada à Lady Serena.

— Apenas Serena, por favor. — Elias sorriu para mim.

Golpe de Estado (Coroa de Vênus - Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora