Já fazia alguns meses que Harley estava tentando manter uma rotina saudável. Beber todas as noites havia ficado insustentável tanto para manter um emprego quanto para sua saúde mental. Pro bolso também. Sabia que ainda que tivesse recaídas, crises, tinha de se manter firme e prosseguir no tratamento, por isso tomava seus remédios, acordava cedo mesmo odiando e dormia todas as noites no mesmo horário - pelo menos durante a semana. Por mais que fosse chato ouvir do psiquiatra e da terapeuta o que tinha de fazer, porque ela própria como profissional da saúde mental já sabia, era um reforçador.
Fazendo tais coisas estava conseguindo manter o novo emprego e se sentia menos bagunçada, menos invadida. Antes de ter um diagnóstico exato e iniciar tratamento, Harley estava totalmente perdida em si mesma, mesmo quando sequer prestava atenção no que sentia porque estava ocupada demais prestando atenção nos outros.
A pequena Quinzel sempre foi assim. Generosa, preocupada com o outro. Não à toa escolheu a Psicologia. Era compreensiva, perspicaz. Prestava atenção nas pessoas, as ouvia, as entendia às vezes melhor que elas mesmas. Tais características eram boas, mas em algum momento se viraram contra ela.
Dando tanto de si há todo mundo desde sempre, Harley foi se esvaziando e se enchendo de um enorme buraco que parecia que iria devorá-la. Isso ainda no auge de sua adolescência, quando a vida não passava de um inferno criado pelo pai e preservado pela mãe. Mas na vida adulta, quando se mudou de casa, as coisas não melhoraram. A sua psique já estava danificada demais para isso.
Os surtos começaram cedo. A depressão parecia fazer parte dela desde sempre, o que era irônico, porque Harley sempre foi animada e divertida aos olhos dos outros - adjetivos que dificilmente seriam empregados a um depressivo. Ao mesmo tempo, ela tinha um excesso de energia que a fazia se meter em confusões. Foi assim na escola, no colegial, na faculdade, nos trabalhos, nos relacionamentos, na porra de toda sua vida. Foi assim que Harleen Quinzel se tornou Harley Quinn, porque ela era a porra de uma tempestade. E isso chegou no nível máximo quando conheceu Jay.
A garota sempre tão inteligente não viu o cometa chegando em sua direção. Ela só percebeu que havia sido atingida quando já estava no chão - literalmente. Tarde demais. Ou foi o que pareceu na época. De tão destroçada, Harley não achou que conseguiria juntar seus caquinhos e se refazer. Talvez nem quisesse, porque a vida de repente pareceu tão cinza. Um cinza nunca visto antes, o pior de todos.
Para variar, estava atrasada. Ela corria sobre seu all star de cano vermelho após descer da moto. Deveria ter chegado quinze minutos antes, no mínimo. Era sua primeira sessão e já deixaria uma péssima impressão. Ótimo, Harls.
Nunca havia feito terapia em grupo antes então estava ligeiramente nervosa. Entediada também. Estava certa que seria um tédio ficar ouvindo as lamentações de desconhecidos quando chegou ofegante e todos os olhares se voltaram para ela, inclusive um par de olhos verdes que ela já conhecia.
— Oh, merda — deixou escapar o pensamento.
Deviam ter umas quinze pessoas ali, incluindo a terapeuta de meia idade com cara de tiazinha de escola. Só que Harley só conseguiu focar em uma pessoa: Pamela. A ruiva a olhou aterrorizada, como se Harley tivesse acabado de pisar em seu jardim. Só que a loira não tinha culpa, porque ela também não queria aquele encontro.
Por que diabos em tantos lugares em Gotham, Pamela Isley tinha de ir justo no seu grupo de terapia?
— Senhorita Quinzel?
— Harley — a loira respondeu ainda de pé, os olhos azuis em cima da vizinha, que inclusive se encolheu na cadeira e pôs a mão no rosto para se esconder.
— Harley, claro. Por que não se junta a nós?
Assentiu e andou até a única cadeira vaga que ficava praticamente de frente para a ruiva.
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Meant to be
FanfictionOnde Pamela e Harley são vizinhas de apartamento, sabem muito uma da outra, mas nenhuma tem coragem de tentar uma aproximação. Acham que suas vidas são ferradas demais para isso, que não há espaço para novos relacionamentos até que a mão do destino...