Capítulo 17

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alerie esperou até que as vozes dos homens diminuíssem, enfraquecessem e desaparecessem totalmente. Só então se apoiou sobre os pés e saiu furtivamente pela porta lateral para voltar para a comemoração, contente por ir embora.
Não viu nenhum sinal de Peter. Uma fileira de pessoas era iluminada pelas chamas altas e rosadas que pulsavam no ritmo da música. Parecia que ninguém havia notado sua ausência — até mesmo Roxanne estava ocupada, assistindo admirada às pessoas que caminhavam sobre o fogo, girando, dando piruetas, andando sobre as palmas das mãos sobre as brasas e chutando os pés no ar. De repente, tudo ficou tão belo...
Carregada de ferocidade animal, Valerie sentiu que poderia fazer qualquer coisa. O dono da taberna andava om dificuldade, com um par de chifres de bode amarrado sob o queixo. Afastando o cabelo do rosto, ela rapidamente o prendeu em uma trança frouxa, as mãos trabalhando instintivamente. Em seguida, agarrou os chifres direto cabeça dele e prendeu-os na sua própria cabeça.
Taças de metal estavam espalhadas sobre os fardos de feno empilhados; a cerveja escoava lentamente atrás dos feixes bem embalados e gotejava no fundo. Ao ouvir risos acima dela, Valerie ergueu o olhar.
Alguns homens sentados sobre uma árvore, despejavam suas bebidas, pelos espaços entre os galhos, nas pessoas que passavam. Uma das vítimas pensou em mostrar sua irritação, mas em vez disso decidiu rir. Alguém se embrenhou pelos arbusto e uma alma corajosa foi atrás dele. Alguns camponeses bêbados golpeavam os galhos, e de vez em quando grande desabava. As pessoas ouviam; no rumor da noite, contudo, sequer se preocupavam em olhar.
De repente, as brasas ardentes da fogueira representavam tudo pelo que Valerie passara: as perdas, os fracassos, os arrependimentos. A música martelava enquanto ela corria, passando por Roxanne e sobre as brasas vermelho no chão. Enquanto dançava sobre as brasas, Valerie não tinha peso — existia apenas como movimento. Essa sensação terminou assim que ela tomou consciência do que havia começado a fazer; fugiu do carvão no chão e olhou par trás para o lugar onde ela havia estado.
Roxanne, seguindo-a, lançou-se na sua direção, gargalhando. Logo depois estavam nos braços uma da outra, girando e girando. Valerie não conseguia ver nada; sua visão revolta do mundo era condensada em um borrão. O que estava lá não era real. O que havia sido real fora a sensação das mãos de Peter, o peso de seu corpo e o toque de sua respiração.
Mas uma coisa rompeu tudo. Uma dupla de garotas que havia se inspirado em segui-las sobre as brasas era uma massa vertiginosa de cor; seus corpos dançavam por elas, revelando algo no beco que cortou o efeito borrado e prendeu a atenção de Valerie.
— Onde você estava, afinal? — Roxanne perguntou, absorta, engolindo ar.
Um par de olhos.
Valerie parou, empurrando Roxanne.
— Que é isso? Você sabe que eu estava te procurando.
Elas não se falaram por um momento, permitindo que o mundo parasse de girar. Roxanne esperava ansiosa por uma resposta. Mas Valerie estava em outro lugar, bem longe no tempo.
Ela tinha sete anos; uma menininha na floresta negra, paralisada de horror, presa por um par de olhos selvagens.
Olhos que a viram.
Não um tipo comum de olhar, mas um olhar de forma que ninguém nunca vira antes. Olhava através Reconhecia-a.
O Lobo.
Ela sempre soube que esse dia chegaria. Sabia enquanto andava pela mediocridade de sua vida cotidiana, porém nunca se permitira pensar nisso. Mas sabia.
E aqui estava.
Primeiro veio um rosnado baixo, inaudível em meio ao tumulto da festividade. Mas foi como a d’água que dá início a um maremoto.
Com um rosnado e um salto de longo alcance, Lobo já havia passado por Valerie e estava no centro da praça.
O Bailio, exibindo-se na mesa de honra, olhou de soslaio para a monstruosa forma escura diante dele; seu rosto franzia em uma tentativa de entendimento. Sua mente inundada pelo álcool lutava para reconhecer.
Havia visto uma forma como aquela ontem mesmo, na caverna, mas este não poderia ser um lobo; a besta que o havia transformado em herói era um mero cãozinho comparada com esta... coisa.
Mas os olhos — os olhos amarelos incandescentes... sua negritude gigantesca... seu pelo esculpido pelo músculos por baixo...
Horrível.
O Bailio se levantou cambaleando; a mão buscava a faca em seu cinto de modo desajeitado, sabendo que todos estavam vendo.
A grande sombra preta correu na direção dele, rápida como uma flecha, e em um instante passou por ele. Mas um instante foi suficiente. O Bailio ficou imóvel enquanto uma linha escura se ampliava em sua garganta, e então caiu no chão. Em um momento ele estava sorrindo, exibindo-se em toda a sua glória; no seguinte, estava morto.
— Estamos sob ataque! — alguém pensou em O pânico atravessou o vilarejo como uma tesoura cortando uma seda fina quando o Lobo passou pela praça. Correndo para fora do tablado, os aldeões desabaram dentro do poço. Garrafas foram atiradas, baldes de maçãs foram chutados e instrumentos foram abandonados e deixados balançando de lado com suas cordas ainda tremendo. Os homens não pararam para ajudar as mulheres que haviam caído na lama barrenta; logo, elas saíam de lá por conta própria, com as saias respingando presas nas mãos que estavam chocadas demais até mesmo para tremer.

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