34|tudo para.

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Existe algo pior do que uma briga de casal, existe o casal não conversar

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Existe algo pior do que uma briga de casal, existe o casal não conversar.

Aimee e eu nos evitamos há dias, e isso é o pior que pode existir. Nós não temos a capacidade, coragem ou, sei lá, vontade de sentarmos e gritarmos um com o outro, e resolvermos nossa situação. Nós apenas seguimos normalmente como se absolutamente nada tivesse acontecido durante as últimas semanas, Aimee não consegue olhar para mim por mais de 5 segundos e cada vez que ela desvia o olhar com a cabeça em negação meu coração se parte e meu corpo inteiro se agita em raiva.

Se parte pelo fato dela não me olhar mais como dá primeira vez e raiva por não discutirmos toda a nossa situação logo.

Eu havia dado um grande passo com minha irmã ontem, domingo, nós nos conectamos na música. Quando ela desabou na minha frente, eu fiquei com ela. Quando foi minha vez de desabar ela, pela primeira vez em muito tempo, ficou comigo. Minha irmã restaurou a promessa de sempre estar ao meu lado, e eu com todo o meu coração, acredito nela. Segui o conselho de Otávio, não forcei Isis e me dizer coisas que ela não se sente pronta para falar. Ficamos juntos, desabamos juntos e iríamos nos levantar juntos também. Aquela música foi nossa primeira chama de esperança para restaurar nossa conexão de irmãos.

Demorei messes, talvez anos, para me resolver com Isis. Quanto tempo eu levaria para me resolver com Aimee?

Falando nela.

Aimee adentra o teatro seguida de seus dois amigos, Liz e Ottus, sorrindo de alguma coisa que a ruiva lhe diz e o rapaz alto de pele negra aproveita para ajeitar sua mochila nas costas. Linda para um caralho. Ela pode até estar escondendo coisas de mim, mas nada no meu cérebro me prova o contrário do quão linda ela é.

Tortura.

É tortura ficar tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe dela. É de endoidar qualquer um ver a a garota que mais se ama no mundo tão distante de você.

No meio de uma risada, nossos olhares se cruzaram e eu senti novamente todo aquele choque de primeira vez novamente. Minhas mãos suaram frio, meu corpo se arrepiou por inteiro e minha mente parecia ter sido completamente invadida por pôneis e Aimee parecia ter se transformado na fada madrinha com aquela roupa de ballet.

Porra, ela fica tão gostosa vestida assim.

O olhar dela se choca com o meu. Meu corpo inteiro se acende. Queima. O olhar de Aimee sobre mim queima tanto que me sinto pegando fogo em um teatro com ar condicionado no 15.

Mas não dura muito tempo. Os lábios da bailarina se contorcem em um sorriso mediano e ela desvia o olhar negando com a cabeça, e me vejo como um idiota ainda acompanhando seus passos. Eu não posso continuar com isso. Preciso me concentrar e só tocar, assim como fiz em todos os ensaios anteriores. Sem vacilar. Sem recuar e, acima de tudo, sem olhar pra ela.

Sem olhar para Aimee dançando ou então,
todos os meus hormônios se ativariam automaticamente enquanto eu toco uma canção de Alice no País das maravilhas.

Não me recordo nem quando e nem como, mas meu professor de piano instrumental avançado, o que eu acho que se chama Maik, se colocou do meu lado. De início, ele apenas me analisa com os olhos. Me crítica em pensamento. É normal, eu entendo. Um garoto com algumas tatuagens, sem um terno ou uma roupa mais social, sem uma postura de soberba e com algumas marcas de cordas de violão nos dedos não deveria ser visto como um fã ou amante de música clássica. E é aí que mora o problema dos estereótipos, eles geram julgamentos e, quase 100% das vezes, julgamentos errôneos.

—Você que foi o escolhido para tocar na peça? — Me pergunta com desdém.

—Eu acho que sim.

—Ah, sério? Por que? — O suposto Maik indaga.

—Porque eu fui o melhor nas audições? — Devolvo na altura de suas perguntas.

—E quem foi que disse que você foi o melhor? Você, por acaso, se acha o melhor?

Fala sério. Querer socar um professor é considerado pecado?

—Eu não sei — Bufo e me seguro para não revirar os olhos.

—Se você não se acha bom no que faz, como sabe que é bom de verdade?

Um crime compensa?

—Desculpa, qual é o nome do senhor mesmo? O senhor é tão bom e inesquecível que eu não me recordo de ter assistido a uma aula sua — Sou irônico na dose correta e o semblante do professor se fecha mais um pouco para mim.

—Maison, Caio Maison. Ministro as aulas na quarta. E você assiste todas, isso quando não está parado no tempo viajando — Começa a resposta sério, mas na última fala sorri.

—Ah, então deve ser porque suas aulas não chamam atenção o bastante — Retruco sorrindo.

—Ou talvez você não seja bom o bastante tocando piano.

Ok, ele tocou no meu ponto fraco.

Qualquer músico que se preze, tenta sempre esconder suas inseguranças. Afinal, ninguém gosta realmente de mostrar suas dores aos outros. E para um músico, ouvir que não é bom o bastante... isso pesa muito.

Eu nunca admitiria, mas a fala de Maison acendeu em mim a raiva que eu vinha guardando há semanas, a raiva que eu estava lutando para que não saísse. A fala do professor fez com que alguma coisa no meu cérebro se ativasse e me fez ficar em um misto de raiva e ansiedade.

A pior combinação.

Meu coração bate acelerado, fixo meus olhos no piano em minha frente. Havia muitas regras das quais eu tinha decretado para esse dia. Eu não podia olhar para Aimee, eu não podia errar qualquer nota e agora eu não podia simplesmente não ser bom para Maison. Eu quero provar que ele está errado. E qual outra maneira eu vou encontrar de descontar a minha raiva? É o momento perfeito.

Aimee já está posicionada no palco junto com o idiota que ela disse que se chama Arthur. A porra desse dia tem tudo para dar errado.

Respiro fundo ainda sentindo o olhar de Maison sobre mim, me sento ao banco do piano e posiciono minhas mãos nas teclas.

Não pode haver erro.

As primeiras notas ecoam pelo local sem que eu perceba que as estou tocando. Pela primeira vez em muito tempo, eu toco olhando para cada tecla do maldito piano. Eu sinto o olhar de Maison nas minhas costas, me observando, me julgando e criticando cada posição dos meus dedos no instrumento.

Não, eu não sou e nem me acho o melhor. Eu nem mesmo sei se sou bom o suficiente.

A insegurança ronda minha mente e bufo com raiva de tê-la deixado entrar no meu cérebro. Forço meus olhos a não olharem pra cima. Ver uma Aimee que me esconde coisas não ajudaria em nada no controle da minha raiva.

—Não está tocando de corpo e alma, Ivo Stenvall — Maison sussurra.

Meu corpo se contorcia silenciosamente em pura raiva e minha alma não encontra em um estado muito diferente. Como eu pensei que poderia tocar bem uma canção de Alice, sentindo tudo o que estou sentindo?

—Se não melhorar suas notas vou ter que acreditar que não merece estar aqui...— Maison parece me desafiar. Por instinto, levanto minha postura e me forço ao máximo em me concentrar nas notas, mas não parece adiantar muita coisa —...não merece estar aqui e também não merece ir para a Itália...— Meu corpo se enrijece com o substantivo próprio: "Itália" —... assim como sua irmã também não merecia.

Tudo para.

Eu travo. Meus dedos parecem pedras e por mais que meu sistema nervoso involuntário ou minha memória corporal tente me fazer tocar, nada sai. Sinto todos os olhares em mim, inclusive o dela.

E mesmo com minhas pernas bambas pelo nervosismo, consigo me levantar e saio correndo o mais rápido possível dali.

CONEXÃO #1Onde histórias criam vida. Descubra agora