capítulo 1

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1990

A água se espalhava pelo asfalto a medida que as botas da mulher chapinhavam em passos largos pela chuva. Apesar da umidade, o tempo não estava tão frio em se tratando apenas de uma chuva de verão, sabia que as estrelas ainda estavam visíveis no céu, mas ela não tinha tempo para parar e observar. Seu caminhar obstinado vez ou outra precisava ser freado quando retirava as mãos dos bolsos para checar o papel surrado que mantinha amassado sob os nós esbranquiçados dos dedos como se toda sua vida dependesse disso. O endereço estava quase memorizado, mas ela não podia se perder, não dessa vez.

A jovem fugitiva continuou sua peregrinação noturna em silêncio exceto pelos pensamentos que continuavam borbulhando sua mente com questionamentos sem soluções. Era um alívio que fosse uma noite chuvosa, assim poderia evitar olhares desagradáveis em sua direção sabendo que sua pressa poderia ser julgada assim como a situação de suas vestes pretas e surradas... Já podia imaginar as mães se abraçando com força aos filhos e os olhares reprovadores que lançariam em sua direção. Mesmo de longe, nenhuma alma viva teria dificuldade em reconhecer que se tratava de um problema ambulante.

Afundou mais o capuz sob a cabeça e marchou até visualizar a placa de sinalização que fez seu coração palpitar fora da caixa. A rua era precariamente iluminada por postes quebrados, as pequenas casas se aglomeravam sem decorações luxuosas dando a impressão de um bairro de subúrbio tão ordinário quanto se podia esperar e isso fez um quase sorriso escapar por seus lábios ressecados... Definitivamente estava no lugar certo.

Varreu o local com os olhos até encontrar a casa número 7, seu coração já fazendo um péssimo trabalho em manter-se calmo. Segurou a alça da mochila rasgada que continha todos os seus pertences e suspirou fundo dirigindo-se até a porta de mogno, batendo três vezes antes de esperar algum retorno.

O som de correntes e chaves sendo abertas pôde ser ouvido de dentro da casa e a escuridão momentânea do olho mágico foi o que fez com que a porta fosse aberta em um rompante assustado, permitindo ver uma mulher pálida de feições completamente chocadas encarando a estranha pela penumbra da rua mal iluminada.

- Anna...? - A mulher gaguejou num choque que tremulou seus lábios, as orbes girando ao esquadrinhar a figura sombria a sua frente.

A mulher chamada Anna retirou o capuz da cabeça e passou as mãos pelos cabelos úmidos esboçando um meio sorriso.

- Oi, irmã. Sentiu minha falta?

- O que você... O que você tá fazendo aqui? - A irmã mais velha perguntou completamente chocada e Anna soltou um riso nasalado de escárnio.

- O que parece? Eu fugi - Ela deu de ombros fazendo com que a mais velha levasse as mãos a boca - E então, não vai me convidar para entrar?


- B L A C K - 


Não muito longe dali, há apenas alguns metros de distância, diretamente da janela da casa em frente, um rapaz esguio observava toda a cena sem segundas intenções ou sem retirar conclusões sobre o fato. Sentado no parapeito da janela, alheio as conversas e risadas dos rapazes dentro da casa, ele estava com a cabeça recostada na vidraça apenas observando a chuva cair e a consequente falta de movimento nas ruas... Até alguém aparecer visivelmente apressado.

- Distraído aí, Eddie? Vem pra cá, tem comida - O rapaz chamado Eddie foi acordado dos seus devaneios pela voz de Mike McCready.

Sorrindo timidamente e ainda sem jeito, Eddie desceu do parapeito da janela, ajeitou o boné que mantinha invertido na cabeça e juntou-se aos demais na sala.

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