Por mais que não quisesse admitir, aquele assunto ainda remoeu na cabeça de Anna ao longo dos dias que se sucederam. A conversa com Gwen martelava em sua cabeça, as palavras cruéis que destinara a irmã na ocasião, o panfleto anunciando as aulas de artes, as telas que a irmã tinha comprado, a estranha e providencial aparição de Theo Donnovan na livraria... Todas aquelas coisas acontecerem justamente na semana em que Eddie estava viajando era como um sinal para que Anna fosse forçada a encarar a própria vida sem distrações e ser forçada a ficar na própria companhia estava sendo, no mínimo, um tormento.
A situação não estava muito boa na casa das irmãs Black. Não que Gwen tivesse verbalizado, mas Anna sabia que a irmã mais velha estava fazendo questão de sair de casa mais cedo do que o necessário e chegar mais tarde só para não ter que socializar, rendendo uma guerra fria em que nem sequer trocavam uma palavra sobre qualquer coisa que fosse. Aquela altura, Anna sentia o remorsos corroer pelas coisas que tinha dito, ao mesmo tempo que não queria dar o braço a torcer para reconhecer que havia verdade no que tinha sido dito.
O fato de Eddie estar viajando só fez com que ela tivesse mais tempo livre para pensar sobre aquelas coisas, estava em um final de semana sozinha em casa com saudade da barulheira de ter Stone como vizinho, contemplando o tédio profundo. Foi esse tédio que mobilizou Anna a pegar a tela que havia sido comprada por Gwen e que ainda estava intocada com os pincéis e as tintas na mesma sacola.
- Mamãe, olha que lindo o que eu pintei!
- Está lindo mesmo, filha, você vai ser uma grande artista!
Anna suspirou profundamente passando os dedos trêmulos sobre a tela em branco, seu coração acelerando progressivamente a medida que algumas recordações vinham a sua mente.
- Me promete que você nunca vai parar de pintar, não importa o que aconteça.
- Nick, que coisa mais idiota, por que eu iria te prometer algo que é tão óbvio?
Os olhos de Anna ficaram marejados quando ela apoiou a tela no suporte que Gwen havia montado em seu quarto com tanto carinho e ela nem sequer deu atenção. Olhou para a tela em branco, mas nenhuma inspiração lhe veio a mente, apenas recordações dolorosas do que ela queria esquecer.
- Por que estão levando ele? Não, não deve ter algum engano, levante, Nick, levante!
- Anna... Querida, ele se foi, o Nick... Ele morreu.
Anna tocou no pincel e revirou ele entre seus dedos sentindo a textura só então dando-se conta do quanto sentira falta daquilo, mas ao mesmo tempo que sentia saudade, também sentia um medo profundo, principalmente das consequências que sua última pintura tinham causado.
- Por favor, não me leve daqui! Eu prometo, eu não vou mais pintar, eu prometo!
- Não está mais nas minhas mãos, Anna, eu sinto muito...
- Não! Mamãe, por favor! Não deixe que eles me levem, eu prometo!
Anna largou o pincel no chão e quebrou a tela na parede com raiva. Era justamente essa reação que queria evitar, mas não conseguia controlar a raiva que estava mal canalizada para sua arte. Ao invés de sentir aquilo como uma benção, naquele momento ela só conseguia pensar em como sendo uma maldição e não era assim que queria se sentir. Anna nunca conseguiu encontrar uma fonte de paz melhor do que a que sentia quando passava o pincel com tinta em uma tela em branco criando formas e texturas... Mas sua inspiração tinha acabado e ela temia que nunca mais fosse ressurgir.
- Mãe, por favor, eu prometo!
- Anna, eu te amo, me desculpe, eu te amo...
Era um inferno que o coração de Anna fosse tão bobo a ponto de sentir saudade da mãe depois de tudo. Talvez o motivo para toda sua raiva fosse justamente pelo fato de ser incapaz de odiá-la com a intensidade que queria, talvez o motivo para que se sentisse tão patética fosse justamente porque tinha falhado em ser a megera coração de pedra que tinha por propósito se tornar... Se fosse indiferente a tudo e todos, ninguém poderia magoá-la, estaria protegida. Mas Anna não era uma pessoa fria, nunca tinha sido. E seu coração era seu ponto fraco... E também o mais forte.
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All About Black
Fiksi PenggemarEm meados de 1990, cruzando uma noite chuvosa em passos pressurosos, Anna Black se refugiou em Seattle trazendo consigo somente uma mochila e muitos segredos. Da janela vizinha, Eddie Vedder observava a chegada da desconhecida misteriosa em silênci...