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A primeira vez que a vi foi no espelho do banheiro feminino. Eu havia
acabado de tirar retocar a maquiagem quando ela abriu a porta do reservado e se aproximou da pia para lavar as mãos. Ela tinha um broche muito pequeno com as cores da bandeira LGBT preso na manga da jaqueta jeans. Eu queria atormentá-la por desrespeitar o antigo código de vestimenta da minha Escola Militar: ela estava com o cabelo solto. Mas esqueça isso, pensei. Já não estou mais na Escola Militar. Agora estou em uma escola comum. As pessoas podiam vir à escola peladas se quisessem.

Ela fechou a torneira e me olhou. Os olhos dela encontraram os meus.

- Oi - disse ela, sorrindo. Senti um frio na barriga.

- Oi - respondi de um jeito automático. Será que ela era nova na escola? Acho que não.

Ela se afastou, mas não antes que eu desse uma boa olhada para ela tentando lembrar se já tinha visto antes. Ela olhou para trás, por cima do ombro, do jeito como se faz quando sabe que alguém está observando. Meus olhos baixaram, mas a mantive no meu campo de visão, até que ela sumisse no corredor.

Transferi minha atenção para o cronograma. Literatura, História e, artes. Por acaso fiquei maluca? Por que enfrentar o último semestre do ensino médio em uma escola normal se era tão puxado quando na Escola Militar? Não deveria aproveitar que agora estou em uma escola normal para festejar com os amigos, transar e vagabundear por aí até a formatura? Eu era jovem!

Percorri o corredor deserto, agarrando os livros junto ao peito. Isso é loucura, pensei. Se era pra ser difícil era melhor ter continuado na Escola Militar... A manhã passou como um borrão.

Quando cambaleei rumo ao refeitório, com a cabeça girando pela quantidade de lição de casa que já havia acumulado, minha ansiedade estava nas alturas. Eu ficaria acordada até a meia-noite, fácil.

- Gata! - João me chamou do outro lado da cafeteria. Ele correu para as portas duplas para me encontrar. Me beijar. Meu namorado se mudou para a nova escola para poder ficar perto de mim. Ainda não sei se isso foi uma boa escolha.

- Estamos logo ali. - Ele apontou o polegar na direção dos amigos e esgueirou um braço ao redor da minha cintura, conduzindo-me a reboque.

- Oi, Vitória. Ei, João. - Algumas pessoas nos cumprimentaram conforme contornávamos as mesas.
Assumi minha expressão típica de "oh, como estou feliz". Um sorriso engessado. O que havia de errado comigo? Eu adorava o meu namorado e a companhia dele na escola militar. O que tinha mudado?

- Vitória, a secretária estava procurando por você - disse Natalia enquanto liberava um lugar ao seu lado para que eu me sentasse. - Ela pediu pra você passar no Centro de Orientação Vocacional, hoje, a qualquer hora.

Hoje, amanhã, nunca. Abrindo uma lata de Pepsi Twist que João colocou na minha frente, falei para Tuanny, do outro lado da mesa:

- E como foi o Natal em Chapecó?

Natalia chutou minha canela. Uh-oh. Tuanny suspirou, dramática.

- Você tinha mesmo que perguntar? - E ela deu início a um psicodrama sobre a mãe ter sido uma lunática desvairada ao longo daquelas duas semanas e tudo o que fizeram foi gritar uma com a outra.

João dividiu as batatas fritas comigo e eu me distraí. Ele falou na minha orelha:

- Quer ketchup? - E devo ter concordado, porque ele se levantou e foi buscar.

Natalia e Tuanny começaram a conversar sobre a universidade... de novo. Será que não podíamos passar um único dia sem tocar nesse assunto? Tuanny disse:

- Mamãe quer que eu invista na carreira de modelo mas e continue pensando na faculdade. Como se isso tivesse alguma chance de acontecer. - Ela revirou os olhos. - Tudo o que quero é conseguir um bom trabalho como modelo e nunca mais precisar estudar na vida.

Eu me desliguei de novo. Logo João estava de volta com o ketchup, e esfreguei uma batata gordurosa naquela coisa aguada. O mundo ao redor girava e girava; ninguém sabia quando ia parar. João me cutucou:

- Você tá bem?

Levantei os olhos para descobrir que todos estavam olhando para mim. Por acaso fiquei cantando em voz alta? Deixando cair minha batatinha mutilada, semicerrei os olhos e disse:

- Sim.

Na verdade eu simplesmente não conseguia parar de pensar naquela loira desconhecida e no broche que estava na jaqueta jeans dela.

Quando o Amor Acontece...Onde histórias criam vida. Descubra agora