Artes era, de acordo com
João, uma aula inútil. No entanto, eu não pensava assim. Na sala 212, tinha quatro fileiras de mesas com cadeiras espalhadas ao acaso. Nenhum indício de ordem. Deslizei para um assento no fundo da sala. Minha inquietação aumentava à medida que eu observava a multidão entupindo o lugar. Mesmo depois de mais de 1 mês, eu ainda não tinha me acostumado com aquelas pessoas... mas tudo bem. Era só que... Não sei dizer. Eu me sentia estranha. Resolvi que desistiria dessa aula. Talvez, usasse esse período para sessões de estudo livre, algo de que eu realmente precisaria.A voz de um homem no corredor levou todos para dentro. Enquanto as pessoas entravam na sala, tive um vislumbre dela. A jaqueta jeans não estava mais ali e os cabelos loiros estavam presos de uma forma despojada.
Os olhos dela percorreram a sala e foram parar sobre mim. Eu quis desviar os olhos, mas não consegui. De algum modo ela me capturou, deixando-me fascinada.
O professor irrompeu porta adentro e quebrou nossa conexão. Ah, Deus! Ele parecia Johan Cruyff depois de usar ecstasy.
- Sentem em qualquer lugar - ele falou. Enquanto ele escrevia o seu nome no quadro, abri meu caderno de desenho. Quando observei furtivamente ao redor, notei que ela havia escolhido uma cadeira na parte da frente. Outra garota se sentara ao lado dela. Eu conhecia aquela garota, era Bianca, ou "Boca Rosa" como todos a chamavam por só usar batom rosa. Ela esteve na recepção dos novos alunos um mês e meio antes. Mais ou menos na mesma época em que eu e João entramos na escola. Bianca.
- Sei que vocês não vão conseguir pronunciar meu nome, então podem me chamar de professor Douglas. - Ele limpou as mãos sujas de giz e acrescentou: - Vocês podem me chamar de Doug também se quizessem.
Escrevi prof. Doug, depois risquei por cima e anotei: Douglas.
- Se eu quiser receber meu salário, vou ter que fazer isto aqui. - Ele balançou uma folha de papel impresso à nossa frente. Subindo na mesa, ele se acomodou com as pernas cruzadas e retirou a tampa da caneta.
- Antônia Lira.
- Presente - uma garota na ponta da minha fileira levantou a mão e Doug fez uma marca no papel.
Havia algumas pessoas que eu já conhecia. Isso é inevitável. Aquele cara com o cabelo arrepiado cor de laranja; eu me lembrava dele nas aulas de física nos primeiros dias. Já a menina de olhos castanhos e cabelos lisos ao lado dele eu lembrava da aula de história. Mas eu não lembrava de ter visto a loira do broche em nenhum lugar antes. Eu teria lembrado dela se a tivesse visto, não teria?
O prof. Douglas prosseguiu com a chamada. Por algum motivo, eu estava prestando atenção na cabeça da garota loira e apenas meio atenta ao momento em que ele chamasse meu nome.
- Marcella... Marcos? - Doug leu e riu meio sem querer.
A mão dela disparou para o alto.
- É Rica.
Anotei no caderno. Marcella Rica. Ricca? Decidi que seria Rica e desenhei um círculo em volta.
- Vitória Strada.
Algumas cabeças se viraram.
- O quê?
Eu pisquei, levantando o rosto.
- Vitória?
- Ah, aqui! - Levantei a mão e acrescentei em um murmúrio: - Na verdade, mais ou menos aqui.
Ela se virou para trás e sorriu. Senti um frio na barriga. Cobri o rosto com a mão e fingi que estava escrevendo.
Doug nos passou uma lista de materiais. Pedia lápis, tinta, borrachas e pranchetas de desenho. Deus, todas essas coisas!
Doug disse:
- Sei que esta será uma
semana corrida, mas apreciaria muito se pudessem trazer seus materiais dentro dos próximos dois dias. Mas tudo bem se não puderem.Gostei disso. Ele era compreensivo. Talvez eu tivesse que esperar mais para procrastinar nessa disciplina.
Às duas e quinze, o sinal tocou e eu recolhi meus livros e anotações, já me sentindo com morte cerebral.
- Oi, Vitória. Um bom feriado pra você! - Tuanny gritou quando caminhava para a saída.
- Legal, obrigada - acenei, abrindo aquele sorriso de gesso. Alguém me tire daqui, pensei. Um ruído de estática invadiu meus ouvidos como um rádio fora de sintonia. O corredor começou a esvaziar e a porta do banheiro feminino se materializou à minha frente... finalmente. Enquanto eu saia do reservado, ouvi duas pessoas entrando e conversando. Abri a porta e vi Bianca e Marcella. A morena falou alguma coisa que eu não consegui ouvir.
- Dane-se. - O tom incisivo na voz de Marcella fez com que eu me virasse. O olhar de Bianca cruzou com o meu e dei as costas de novo. No espelho, vi Marcella enfiar um livro na mochila e pegar a jaqueta jeans. Ela respirou fundo e disse para Bianca:
- Desculpa. Foi um dia complicado.
- Eu imagino. - Bianca sorriu com ar conhecedor.
Fiquei me perguntando o que será que ela sabia. Bianca segurou a mochila enquanto Marcella vestia a jaqueta. Perdi o fio da conversa quando um grupo de alunos passou em debandada pelo corredor. Consegui ouvir o final da frase de Bianca:
- ... ir tomar alguma coisa comigo?
- Não posso. - Marcella falou. - Tenho que ir trabalhar.
Ela pegou a mochila das mãos de Bianca e jogou-a sobre o ombro. Percebi que estava espiando descaradamente e me abaixei para arrumar os livros na mochila.
- Não estou a fim de enfrentar toda aquela gente no ônibus hoje. Será que você pode me dar uma carona até o trabalho?
- Claro. - Bianca cantarolou. - Sem problemas.
E elas foram embora juntas.
Quando Bianca disse que imaginava, queria dizer que entendia de algo que Marcella tinha passado. Carreguei minha mochila, pensando: O que tinha acontecido com Marcella?

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Quando o Amor Acontece...
عاطفيةDepois de anos estudando em um colégio militar, Vitória começa a estudar em uma escola de ensino regular. Lá ela conhece Marcella, que vai ajuda-la a descobrir uma nova forma de amor AU