NOVE

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SNAKE

— Isso que está acontecendo entre nós, não é um privilégio seu — falei com sinceridade sem desviar meus olhos dos seus. — Eu também gosto de você, Alana.

Ela abriu a boca para falar alguma coisa, mas sua voz morreu quando o garçom trouxe nossos pratos. Assim que ele se retirou, começamos a comer e conversar sobre merdas sem importância, até que decidi dar um fim a minha curiosidade sobre a família de Alana.

— O que aconteceu com o seu pai?

A mudança repentina de assunto, deixou Alana um tanto sem jeito, mas ela se recuperou rapidamente e limpou a boca com o guardanapo antes de responder.

— Ele teve um AVC há dez anos e acabou ficando com algumas sequelas.

Apesar da voz calma e controlada, estava nítido em seu olhar o quanto a doença do seu pai a deixava triste.

— Você cuida dele sozinha? — perguntei, fingindo desinteresse, mas no fundo queria muito saber o que havia acontecido.

— Eu sou a única família que ele tem. Desde o acidente, assumi o compromisso de cuidar do meu pai e acho que nós dois nos acostumamos com essa condição. — Ela deu de ombros como se fosse a coisa mais normal do mundo, uma menina de quinze anos viver em função de outra pessoa.

— Sua mãe não pode ajudar ou...

— Eu não tenho mãe. — Seus olhos se fixaram nos meus e foi ali que entendi o motivo de toda a sua tristeza.

— Me desculpe, não queria te deixar chateada. — Estava mesmo me sentindo culpado pela intromissão, eu deveria ter imaginado que suas razões para não mencionar o nome da mãe eram justificáveis. — Não vamos mais falar sobre isso, ok?

Segurei sua mão por cima da mesa e entrelacei nossos dedos. Seus ombros relaxaram e Alana balançou a cabeça rapidamente, como se estivesse afastando pensamentos indevidos.

— Eu é que preciso me desculpar, Snake.

Alana soltou um longo suspiro e inclinou o corpo para frente enquanto brincava com as nossas mãos unidas. A Terapeuta era a mulher mais contraditória que eu já tinha conhecido, tão pequena e delicada, e, ao mesmo tempo, tão forte e determinada.

— Eu fui um idiota, pode jogar na minha cara — brinquei, beijando suavemente os nós dos seus dedos.

— Minha mãe, e minha irmã estão mortas. Passei quinze meses indo e vindo com meu pai do hospital, ele ficou com várias sequelas, mas a pior delas foi o déficit de memória e a paralisia do lado esquerdo. — Alana tinha o olhar focado no meu, nebuloso, magoado, culpado. — Ele poderia ter voltado a andar se tivesse recebido o tratamento adequado logo depois do acidente, mas as coisas foram acontecendo, eu era muito nova, não tinha emprego e.... é isso. — Ela deu um sorriso desanimado. — Se você não se importar, eu gostaria de deixar esse assunto para um outro dia.

— Sinto muito que tenha passado por tudo isso sozinha, mas você não deve se culpar desse jeito. Cuidar do pai doente e ainda ter que cuidar da casa, é muita responsabilidade para uma menina de quinze anos.

— Eu não me culpo, Snake, mas meu pai não entende da mesma forma que você.

Franzi a testa sentindo a raiva aflorar dentro de mim.

— Ele te acusa de alguma coisa? — Minha voz saiu mais ríspida do que eu gostaria que saísse.

Seu sorriso se alargou evidenciando ainda mais sua amargura.

— Obrigada por se preocupar comigo, mas vamos esquecer isso, ok? O pior já passou e com o emprego que seu pai me deu, as coisas vão melhorar.

Se arrependimento matasse, eu estaria caído no chão quando Alana falou sobre Marshall e sua falsa generosidade. Vesti a máscara do herdeiro rebelde e pisquei para ela.

SNAKE - Meu Inferno Dourado (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora