Capítulo 08

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Kit


Era oficial: eu entreguei meu juzu para um completo doido.

Lírio permaneceu me olhando sério, apontando para uma casa grande e feia no meio de outras casas grandes e feias, daquelas cúbicas de concreto e vidro que os humanos atuais consideravam tão requintadas.

Pelo visto ele realmente não estava brincando. Meu mestre desejava mesmo reatar com aquele energúmeno.

"Não acho que seja uma boa ideia." Eu hesitei em continuar o seguindo.

"Se você quer brincar de mestre e servo então faça o que estou mandando." Lírio começava a ficar impaciente de verdade. Aliás, ele não estava impaciente, estava apenas tentando disfarçar o nervosismo e a culpa. Suas mãos trêmulas não enganariam a ninguém. "O Octávio sempre mantém um vigia particular na porta da casa dele, mesmo que o condomínio tenha segurança própria. Você pode ficar invisível ou manipular o vigia como fez com o pavão, a escolha é sua."

"Por que você apenas não toca a campainha?"

"Se eu pudesse eu faria, mas o Octávio me incluiu na lista negra de visitantes então o vigia não me deixa entrar, já tentei várias vezes."

"Como é que é?" Eu perguntei incrédulo. Esta parte só podia ser brincadeira. "Deixa eu adivinhar, na lógica deturpada que só existe dentro da sua cabeça o seu noivo barrou suas visitas por culpa sua."

"Claro que foi culpa minha, eu visitava demais. Duas vezes por semana, às vezes três... daí ele contratou aquele vigia, mas isso já faz tempo, foi ainda no começo do nosso noivado."

Eu pisquei rápido e desejei, com a força de todos os deuses, que pelo menos aquela parte fosse uma piada de humor negro. Mas claro que não era. O humano diante de mim estava totalmente sério e determinado a seguir com aquela idiotice.

"Lírio, meu querido humano confuso, veja bem..."

"Já sei o que está pensando e não preciso ouvir." Seu tom era tão frustrado que quase parecia raiva. Aliás, talvez fosse raiva mesmo, mas não era comigo que Lírio estava enraivecido. "Faça isso por mim, Kit. Eu sei que o Octávio não deve ter causado a melhor das impressões em você, mas eu amo ele."

A parte final da frase entrou como uma espada no meu coração.

Por que doía tanto? Sei lá. Mas, como se a raiva daquele humano fosse um vírus contagioso, eu também me enraiveci a ponto de ligar o foda-se.

"Tá certo, invadir a casa do filho da puta. E depois o quê?" Eu perguntei com desgosto.

Lírio se encolheu todo, deve ter percebido o quanto me feriu, mas não a ponto de me pedir desculpas.

"Se o Octávio já voltou do Japão ele vai estar em algum lugar da casa. Só quero que peça para ele me ligar."

"Só isso? Não vai me mandar controlar o cérebro dele para reatar o noivado a qualquer custo?" Eu perguntei com amargor.

"Só deuses mesquinhos usam seus poderes para o mal, não é?" Ele sorriu com humildade excessiva, praticamente uma barata agradecendo por não levar um pisão.

Se ele pensava que com isso eu me sentiria menos usado, então nós realmente não nos entendíamos tão bem assim.

"Vou falar com o seu noivo." Eu entoei todo o meu deboche na última palavra. "Me espere aqui."

"Obrigado, Kit."

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Por que está rindo? Não foi uma piada!

Nas Garras da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora