Capítulo 03

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Onde estavam todos os turistas? O jardim estava deserto e o portão fechado, embora sem cadeado. Eu consegui descobrir como abrir o portão, corri uns vinte metros e não aguentei, precisei me apoiar no muro ou cairia no chão por falta de ar.

Droga. Droga, droga, droga, o que foi que eu fiz?

Eu traí o Octávio. Não havia como negar ou florear a verdade, eu transei com um homem que não era o meu noivo. Sempre me aborreci com os temores e inseguranças do Octávio e só consegui provar que ele estava certo.

Um traidor. Eu era um traidor imundo, impulsivo e egoísta, destruí o casamento dos meus sonhos em troca de alguns minutos de prazer.

Como eu conseguiria esconder isso pelo resto da vida? Ou será que eu devia contar logo? Não, claro que não. Eu voltaria correndo para o hotel, tomaria um banho antes de o Octávio chegar e fingiria que nada aconteceu. Não era como se aquele loiro tivesse ido até o fim, eu continuava virgem lá atrás, nem tudo estava perdido.

"Está tudo bem, garoto turista?" Perguntou o monge de antes. Ele agora estava com uma mochila nas costas e carregando sacolinhas com compras de supermercado.

"O senhor ainda está aqui? Para onde foram todos os outros?"

"Este templo abre apenas durante as manhãs, nos domingos. Já encerramos o funcionamento por hoje."

"Então já é meio-dia?" Eu perguntei, quase enfartando.

"Na verdade são duas da tarde." O monge verificou seu relógio de pulso.

"Duas da tarde?" Eu gritei em pleno surto e verifiquei o meu próprio celular. Duas horas e quatro minutos. Quanto tempo eu passei com aquele cara pelado? Ai, meu deus do céu. "O senhor sabe onde tem uma clínica de criogenia? Porque eu preciso congelar meu corpo por 300 anos até o dia de hoje ser um detalhe irrelevante do passado."

"O jovem tem certeza que está bem?" Perguntou o monge.

"Sim, sim, tô ótimo, pronto pra uma guerra. O segredo é pensar positivo, meu noivo nunca disse a que horas retornaria, então é possível que ele ainda nem... aaaaaahh!" Eu berrei que nem um porco no abate. Octávio estava bem ali, no lado oposto ao do monge. E ele não parecia nada feliz.

"Pensei que iria por fim nestes seus passeios secretos." Octávio eriçou o canto do lábio. Eu já havia visto ele bravo muitas vezes, até mais vezes do que o vi sorrindo, mas ele nunca esteve tão irritado quanto naquele momento.

Até o monge devia ter notado que a coisa seria feia, porque fez uma breve oração silenciosa e se mandou rápido pela mesma direção de onde veio.

"Eu só precisava de um pouco de ar." A minha voz saiu gaguejada demais, por que eu era tão ruim em mentir?

"Ah, é?" Ele afinou seus olhos e alisou para trás uma mecha da minha franja que havia caído no rosto. "Este templo deve ser mesmo bem interessante para valer uma segunda visita."

Eu estremeci inteiro. Será que tinha algo no meu cabelo? Muito bagunçado? Suado demais para uma tarde tão fria? Eu estava surtando ainda mais do que de costume, não conseguia me mover. Octávio iria desconfiar, descobrir, o que eu faria?

"O templo é super bonito, mesmo. Vem, podemos tirar fotos juntos na frente das estátuas." Eu o puxei pela mão para dentro do templo.

Octávio não disse nada e apenas me acompanhou. Seu silêncio costumava ser mais perigoso do que as reclamações explícitas, mas eu precisava distraí-lo até pensar no que fazer.

"Olha como essas carpas são bonitas. O laguinho contorna toda aquela parte do jardim, onde ficam os..." Eu respirei fundo. Não conseguiria continuar com aquela farsa nem por dez segundos, imagina pelo resto da minha vida.

Nas Garras da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora