Capítulo 01

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Mamushi tentou recolher o braço e eu a agarrei instintivamente.

"O sol já nasceu, Kit." Mamu se soltou do meu agarrão e levantou da cama.

Eu demorei longos segundos para abrir os olhos, mas a primeira visão da manhã foi premiada: a bela deusa Mamushi, com sua cinturinha de ampulheta e cabelos pretos e muito longos desfilando pelo meu quarto em busca de seu quimono.

O quimono dela estava amassado entre os lençóis da cama. Eu furtivamente o escondi sob o meu travesseiro para admirá-la um pouco mais.

"Volte pra cama, Mamu. Somos divindades, que diferença faz se é dia ou noite?" Eu afastei o lençol para lhe dar visão total do meu corpo. Os músculos da minha forma humana eram digamos que... bastante invejáveis. E eu sabia bem o quanto Mamu gostava deles.

Mamu percebeu uma ponta de tecido colorido escapando debaixo do meu travesseiro e avermelhou de tanta raiva. Ela veio rebolando até mim e puxou o quimono e o travesseiro com um único movimento.

"Esconda essa vergonha, Kit." Ela jogou o travesseiro no meu pau. "Você tem o seu templo e eu tenho o meu. Logo os meus adoradores começarão a chegar e eu preciso estar lá para ouvi-los."

"Não, não precisa." Eu me levantei a contragosto e alisei o meu cabelo amassado para os lados do rosto. "São apenas humanos, criaturas egoístas e manipuladoras. Quem se importa com as súplicas deles?"

"Todos os deuses maiores, menos você." Ela olhou pela janela pensativa, enquanto fechava o laço de suas vestes cerimoniais. "Não entendo de onde surgiu este seu ódio, você costumava gostar tanto de humanos que até trepava com eles, e agora os despreza tanto que poderia competir com o Sika."

Eu achei meu quimono atrás do cesto de arroz e a faixa do outro lado do quarto. Diferente do quimono vermelho e dourado da Mamushi o meu era todo branco com bordado de pérolas e flores azuis, as mesmas cores da decoração do meu templo.

"Está me comparando com o Sika? Assim eu me ofendo." Eu vesti meu quimono, dei um laço na cintura e prendi meu cabelo loiro-queimado em um coque frouxo. Penteado de gueixa preguiçosa, como a Mamu gostava de chamar. "Aliás, eu não odeio humanos, apenas não me importo. É diferente."

"Você apenas nunca conheceu nenhuma humana interessante. Ou humano."

Meu peito bateu dolorido com lembranças que consegui rapidamente afastar. Já estava ficando bom nisso.

"Está insinuando que eu gosto da outra fruta?" Eu tentei dobrar meu futon de um jeito aceitável, perdi a paciência e o chutei para o canto do quarto.

"Estou insinuando que Sika já me contou mais do que deveria." Mamushi me espiou de soslaio, sorrindo com atrevimento.

"Ah, é?" Eu sorri com a mesma provocação, inabalável. Se Mamushi pretendia me ver constrangido, estava prestes a se decepcionar. "Aposto que gostou de imaginar a cena."

"E como não gostaria? Os dois deuses mais bonitos dos Sete Templos dividindo o leito. Só me pergunto quem ficou por baixo. Você é grande e forte enquanto que o Sika é todo miudinho, mas ele não deixa de ser... bem... o Sika."

O pensamento me divertiu. Quem havia ficado por baixo, mesmo? Sika e eu bebemos tanto naquela noite que eu não conseguia me lembrar de nada, mas Mamushi não precisava saber disso.

Eu agarrei a minha amiga por trás dos quadris e sussurrei em seu ouvido.

"Por que não assiste, da próxima vez? Isso deverá responder a sua curiosidade."

Mamushi se arrepiou toda, mas o sorriso petulante continuava em seu rosto. Ela alargou o decote do quimono até atiçar minha imaginação, e então dele tirou seu juzu e o deixou pendurado por fora da roupa.

Nas Garras da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora