Prólogo

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Lírio


Aqueles estavam sendo os vinte minutos mais longos da minha vida.

O Advogado do sr. Kishimoto releu os termos do contrato com atenção. Ele às vezes apontava para alguma cláusula e discutia com seu cliente, mas eu não entendia japonês então eu permanecia no escuro.

Eu segurei a mão do Octávio, que estava sentado ao meu lado. Ele sorriu de maneira reconfortante.

"Vai dar tudo certo, Lírio." Disse ele.

Eu concordei com a cabeça e verifiquei a minha cópia dos contratos pela centésima vez. Sabia que era paranoia total, mas precisava me manter ocupado. O glorioso futuro da Yuki Sushi dependia do sucesso daquela contratação.

O velho sushiman disse algo em japonês para o tradutor, que me repassou em português logo depois.

"O senhor Kishimoto concorda com a maioria dos termos, mas exige um aumento de 230% na comissão oferecida."

"Duzentos e trinta por cento?" Eu levantei a voz, indignado. "Já estou oferecendo vinte vezes o salário de um sushiman comum."

O tradutor nem precisou traduzir minha resposta, meu tom de voz já foi o suficiente para o advogado deduzi-la e responder algo em japonês.

"É um salário elevado para um sushiman brasileiro, mas estamos nos referindo ao maior artista de sushi de Tóquio. O senhor Kishimoto aceita morar no Brasil durante o tempo de treinamento da sua equipe, mas para isso o pagamento deve ser compatível." Ele disse através do tradutor.

Eu tentei pensar com calma, já esperava precisar fazer concessões, mas o pagamento que o sr. Kishimoto me cobrava era irreal. O Yuki Sushi era o restaurante asiático mais requintado de São Paulo, frequentado apenas pela alta sociedade, mas nem mesmo os ricaços pagariam tanto por algumas fatias de peixe cru.

A mão quente e protetora do Octávio permanecia sob a minha, uma pedra sólida sob a areia movediça. Eu não podia me desesperar com o primeiro percalço, em negociações assim era normal exigirem o dobro para o acordo final ser algo na metade do caminho.

Eu me virei para o meu advogado, doutor Ênio.

"Quanto podemos aumentar esta comissão?" Eu perguntei a ele.

Doutor Ênio verificou nossas documentações. Apesar de ser jovem, baixo e magrinho igual a mim ele era um gênio especializado em acordos internacionais. Não estaríamos ali se Octávio não tivesse achado um advogado tão bom.

"Bem... levando em consideração os lucros atuais da Yuki Sushi e o empréstimo do seu pai... podemos aumentar 2% se demitirmos algum funcionário, ou vendermos algumas cadeiras." O meu advogado endireitou os óculos estreitos e passou os olhos pela planilha orçamentária do restaurante sem encontrar solução melhor.

Droga, será que era assim que terminaria? Eu atravessei o mundo apenas para levar um não na cara?

Tudo bem, ainda havia uma última saída. Eu peguei meu celular para ligar para o meu pai e... havia uma mensagem dele na tela: Nem pense em me pedir mais dinheiro – abraços do papai.

Um calafrio de horror desceu pela minha espinha. Eu olhei para o sr. Kishimoto e seu advogado, que apenas me olhavam com uma mistura de impaciência e pena. Eu estava bem longe de ser um pé-rapado iludido do terceiro mundo, mas esta devia ser exatamente a impressão que eu estava causando neles.

"Podemos marcar outra reunião para amanhã?" Eu perguntei, com a voz tremendo.

O tradutor repassou a pergunta ao sr. Kishimoto, que deu uma risadinha e comentou algo que fez seu advogado e o tradutor darem risada.

Nas Garras da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora