Capítulo 05

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Lírio


"Esta é a sua cabine, senhor Lírio, sinta-se bem vindo. Eu poderia lhe trazer a carta de vinhos?" Perguntou a comissária de bordo, em inglês.

Eu espiei a cabine privativa sem conter um suspiro de desamparo. Não só Octávio desaparecera do hotel como também não estava na fila de check-in do aeroporto. Será possível que ele retornaria em outro voo?

"Obrigado, não preciso de nada." Eu entrei na cabine e fechei a cortina.

Viajar na primeira classe com o Octávio foi como viver um paraíso. Dezenove horas abraçadinho nele, assistindo filmes juntos sem que ele se distraísse no celular ou precisasse sair para algum compromisso urgente. E agora eu precisava fazer a viagem de volta na mesma cabine, só que sozinho.

Antes mesmo de sentar na minha poltrona eu já estava chorando.

Como eu podia ser tão burro? O que eu iria dizer para a minha família? Eu escolhi abrir um restaurante japonês porque ter um restaurante de alta gastronomia sempre foi o meu sonho, e também porque eu queria mostrar aos meus pais que conseguia ser um adulto responsável. Eu não queria viver para sempre na sombra dos meus irmãos mais velhos, queria ter um empreendimento de sucesso, marido, filhos e uma casa própria grande e bem localizada, de preferência antes dos vinte e cinco anos. O mínimo para não preocupar os meus pais.

Ser parte de uma família onde todos — ok, quase todos — eram absurdamente bem-sucedidos não era simples, mas eu acreditava estar no caminho certo até... até estragar tudo.

Eu estava chorando tanto que precisei me conter antes que algum comissário viesse conferir se eu estava bem. O avião ainda não havia decolado e a viagem seria muito longa, então eu me despi do meu terno e vesti o pijama disponibilizado no estojo de viagem da companhia.

Desesperado, com certeza, mas pelo menos de pijamas eu estava confortável, também. Talvez até conseguisse dormir algumas horas, nem que fosse de exaustão por chorar tanto.

Logo iriam trancar os banheiros para o procedimento de decolagem, então eu precisava ser rápido para escovar os dentes antes de me deitar. Eu vasculhei o estojo buscando a escova de dente, que devia estar perdida no meio daquele monte de brindes desnecessários.

Para combinar com a minha sorte, assim que eu achei a escova eu a deixei cair, e claro que aquela porcaria deslizou para baixo do banco.

Eu me ajoelhei em cima no meu assento e me enfiei no vão da cabine da frente. Claro que eu podia pegar a escova no estojo do assento ao lado, mas Octávio ainda podia aparecer, talvez só tivesse errado de cabine, e ele ficaria tão bravo se eu...

Dois olhos azuis surgiram na escuridão.

"Ah!" Eu saltei para trás. A coisa saiu de baixo do banco segurando a minha escova na boca. Era uma... uma... raposa?

Passado o susto inicial eu me inclinei cauteloso para ter certeza de que não endoidara de vez. Realmente era uma raposa, daquelas bem vermelhas com as bochechas e a ponta da cauda brancas.

A raposa pulou no assento da janela que deveria pertencer ao Octávio e ficou me olhando, abanando o rabo felpudo.

Eu nunca havia visto uma raposa de verdade, apenas nos filmes ou em desenhos, quando eu era criança. Só sabia que eram predadores ferozes na natureza, apesar daquela não parecer nada ameaçadora.

Cuidadoso, eu peguei a escova de dente do meio de suas presas brancas. Ela cedeu fácil, era como se realmente estivesse me devolvendo o que eu deixei cair.

Nas Garras da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora