Capítulo 09

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Lírio

Estúpido, estúpido, como eu podia ser tão estúpido?

A tristeza nos olhos do Kit não saía da minha mente, parecia carimbada no avesso das minhas pálpebras. E tudo porque eu fui um insensível, um completo idiota.

Kit ainda não havia retornado, então eu sentei num dos bancos da calçada e me encolhi chorando. E se ele tivesse simplesmente ido embora? Quem é que não fugiria após ouvir uma merda tão grande? Eu não entendia qual era a do Kit comigo, mas algum sentimento ele devia ter, claro que ele iria se ferir sobre eu amar outro homem.

E meu amor pelo Octávio era mesmo verdade, afinal? Precisava ser. Não era amor que um noivo deveria sentir? Eu não teria tantas dúvidas da resposta se Kit não tivesse se jogado na minha vida com seu corpaço gostoso e...

Na verdade isso nem era pelo corpo dele. Perto do Kit eu sentia um calor desconhecido. Claro que havia o tipo óbvio de calor, mas também havia outro igualmente intenso, que fazia acelerar meu coração quando ele sorria e me dizia que eu não era o pior dos piores.

E mesmo assim eu provei que era, sim, o pior de todos.

O meu celular tocou, me causando um susto. Eu atendi rápido mesmo sabendo que as chances de ser o Octávio eram mínimas. E não era o Octávio, mesmo.

"Oi, Florence." Eu atendi dando um longo suspiro. Só porque não era o Octávio não significava que seria uma conversa relaxante.

"E aí, Lírio. O Kadu já me deu as boas notícias, como foi de viagem?"

Eu esfreguei meus dentes e grunhi de raiva. Quando proibi Kadu de falar com o meu pai deveria ter proibido, também, as conversas com meu irmão mais velho.

"Foi bem tranquila, nada de absurdo aconteceu." Eu respondi.

"Papai vai retornar para Nova Iorque esta noite. Por que não o levamos juntos para o aeroporto? Daí você pode nos contar sobre o Japão."

Eu não sabia qual era a armadilha do Florence, mas conhecia bem o meu irmão. Florence nunca foi um fã de reuniões de família, ou de momentos que não turbinassem sua campanha para governador, de modo geral. Com apenas 26 anos ele já havia sido vereador de uma cidade interiorana e agora estava planejando o passo mais largo. Nenhum político chegava tão longe tão rápido sem um imenso potencial de manipular pessoas.

"Qual é o seu jogo, Florence? Esta vai ser outra intervenção sobre o quanto preciso terminar com o Octávio?" Eu perguntei.

"É bom que o nosso desgosto por aquele rapaz ainda esteja fresco em suas memórias, mas não. Tenho algo mais importante para tratar a sós com você, depois que o papai for embora."

Uma conversa particular comigo? Havia uma primeira vez para tudo.

"Recém saí daquele Aeroporto, Florence, eu não..." Minha voz engasgou. Era impossível lembrar a viagem sem lembrar o Kit. "...eu só não estou bem."

"Você está chorando?"

"Não sei." Eu solucei.

Florence ficou quieto alguns segundos, como um robô lutando para processar emoções humanas.

"O Octávio te agrediu de novo? Eu tenho os contatos certos para dar um jeito nele."

"Florence, você acredita no verdadeiro amor?"

"Não." Ele respondeu seco.

Isso complicava a conversa, mas eu já esperava essa resposta.

"Vamos começar pelo básico, existe essa coisa chamada um coração, certo? E o coração tem sentimentos que podem ser muito bons ou muito doloridos..."

Nas Garras da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora