capítulo 4: O senhor Johan

50 9 5
                                    

A velhinha falou sobre o que sabia sobre o senhor Johan. Não havia muito o que se dizer, apesar de trabalhar para ele há anos.
- Fui contratada pela família quando tinha quinze anos. Na época ele tinha apenas sete e seus pais não tinham tempo para ficar cuidando da casa - O guarda Benson escrevia tudo o que parecia importante. Enquanto isso, o Senhor Nelson ouvia atentamente enquanto degustava o chá de capim-limão - Depois que fiz vinte e cinco, a família do senhor Johan morreu em um acidente de carro enquanto viajavam para outro estado. O parente mais próximo morava na Alemanha e não tinha muito o que fazer pelo pobre garoto.
- Nessa época ele tinha dezessete, certo? Como ele se manteve e conseguiu manter o seu emprego, senhora?
A velhinha bebeu um pouco do chá e completou a xícara com o conteúdo do bule.
- Na época ele já escrevia para um jornal há dois anos e foi contratado para publicar também em uma revista semanal. Eu não cobrava muito. Sou órfã desde os quatorze anos e apenas pedia como salário o suficiente para comer, apesar de que ele sempre me pagava a mais. Por isso também fui capaz de pagar as dívidas da minha finada mãe.
- Entendo, senhora. Pode-se dizer que a vida lhes foi bem dura.
A conversa continuou por mais algum tempo até enfim se passarem duas horas desde a chegada do Senhor Nelson. A velhinha serviu-lhes também alguns biscoitos que havia posto no forno antes deles aparecerem.
- Diga-me, senhora Alda: ele lhe parecia estar agindo estranho ou de forma anormal nos últimos dias ou meses?
- Oh, sim. Ele estava há cinco anos migrando do estilo de Romance e Aventura para o Mistério e principalmente o Terror. Era evidente que sua expressão estava cada vez mais sombria.
O Senhor Nelson sentiu o calafrio novamente.
- Entendo. Quanto ao livro que estava escrevendo, ele lhe disse algo sobre?
- Sim, sim. Ele era sempre animado quanto aos seus livros. Porém ele disse que esse seria o seu último e quando falava sobre ele, parecia nervoso. Uma vez comentou comigo que esse seria um livro realmente assustador, como nenhum outro. Até mesmo citou Lovecraft e disse que estava escrevendo algo ainda maior que os seus contos.
O senhor Nelson coçou a nuca e estalou os dedos.
- Bem, parece que temos tudo o que precisávamos. Obrigado pela cooperação, senhora - O Senhor Nelson e o guarda Benson então levantaram do sofá e se dirigiram para a porta da frente - Lhe agradeço pela hospitalidade.
A velhinha os seguiu e abriu a porta.
- Oh, eu que lhes agradeço pela atenção. Além do senhor Johan não tenho com quem mais conversar.
- Algum problema se voltarmos para fazer mais algumas perguntas?
- Ora, problema algum. Por favor, venham quando desejarem.
O Senhor Nelson e o guarda se despediram e foram embora para a Delegacia.
[...]
No escritório do Senhor Nelson, o guarda dizia em bom tom os pontos importantes da conversa com a velhinha.
- E por fim, o senhor Johan tinha uma saúde de ferro. Dormindo sempre das oito às oito e comendo refeições naturais e saudáveis, sua rotina era impecável.
- Lhe invejo por poder dormir por tanto tempo. Não lembro de nenhuma noite, desde que entrei para a polícia, que pude dormir por mais de seis horas.
O Senhor Nelson, enquanto ouvia, organizava alguns papéis que se acumularam durante o último caso.
- O senhor Johan também tinha alguns costumes incomuns, como colocar sal nas portas e dormir de luz acesa. Era definitivamente supersticioso. Além disso, mais nada que possa parecer o motivo de sua morte.
- Isso é estranho. Esse tal Senhor Johan é tão perfeito em sua vida que parece até mesmo ser um ator. Bem, e quanto a seus fãs?
O guarda Benson virou algumas folhas no bloco de notas.
- Checamos com a editora as cartas que ele recebia. Nenhuma ameaça, maldição ou algo do tipo. Apesar de haverem muitos fãs afirmando que já não conseguiam dormir com as luzes apagadas devido a quão intensos eram os seus livros.
- Isso me parece muito estranho. E quanto a necrópsia?
- Estará pronta até as sete da noite de hoje.
O Senhor Nelson se levantou e andou até o armário de arquivos, onde pôs as pastas que organizara.
- E por que a demora?
- Aparentemente tiveram que checar mais de duas vezes para comprovar a causa da morte. Não foi algo comum.
- Isso eu irei decidir por mim mesmo. Pode ir agora.

Luzes no EscuroOnde histórias criam vida. Descubra agora