Duas semanas depois...
Brunna
Meu celular toca em minha bolsa, enquanto a limusine desliza pelo trânsito caótico, rumo à fundação LO, no Morumbi. Estou indo para a terceira reunião com a equipe que irá trabalhar comigo no projeto de dança clássica e contemporânea para crianças carentes. Eu me joguei de cabeça nesse projeto para não ter espaço de remoer a minha vida pessoal caótica. Visitei o estúdio na semana passada e meu coração doeu demais quando vi que é igual ao que Ludmilla mandou fazer para mim, em sua casa. É maior, mas a decoração é igual. Ela avisou que faria algo assim, só que agora a semelhança me fará lembrar dos momentos de paixão que tivemos naquele estúdio. Um período em que eu tinha certeza do seu amor. Um período em que parecíamos tão felizes. Meu Deus, eu fui tão inocente ao confundir desejo sexual com um sentimento mais profundo. A queda foi tão brusca, que nunca irei me recuperar dos ferimentos. Ofego, obrigando-me a parar de pensar nela. Atendo a chamada assim que vejo o nome de Marcos na tela.
- Desculpe, bonitinha. - É tudo que ele diz, então ouço vozes sussurradas e em seguida a voz rouca e profunda soa, como que invocada pelos meus pensamentos erráticos.
- Brunna. Por favor, não desligue. - Ludmilla se apressa em pedir. - O que tenho para lhe dizer é importante. - Não digo nada. Todos os números ligados a ela estão bloqueados em meu telefone. Um misto de repulsa e alegria por ouvir sua voz me invade. Aperto os olhos fechados, meu coração batendo com força. Odeio-a por me fazer amá-la dessa forma tão profunda, que por mais que tente, parece estar entranhada em mim, recusando-se a ir embora. Odeio-a! - O investigador particular que contratei para investigar Sarah cavou até conseguir encontrar o que você suspeitava. - diz cautelosamente.
Meu sangue gela, minha respiração falhando. Oh, meu Deus! Então aquela maldita estava mesmo por trás do acidente do meu pai? Desde aquela tarde em que atuou junto com a prostituta argentina para me destruir, tenho pensado em formas dolorosas de fazê-la pagar. Mas estou grávida e não posso colocar o meu filho em risco por causa daquela ordinária. Sua hora vai chegar, no entanto.
- Você está bem? - a voz de Ludmilla vem urgente e preocupada através da linha. - Responda, por favor.
- Sim. Estou bem. - minto. Meu corpo todo está dormente de raiva. Quero
acabar com ela. - Como? - pergunto em um fio de voz.
Ela faz um breve silêncio.
- O dono do haras e sua madrasta eram amantes. - diz, parecendo enojada.
Eu quase bufo com a sua hipocrisia. Até parece que é uma mulher decente. Ela havia retomado o caso com a puta muito antes de eu flagrá-las juntas.
- Como o investigador descobriu isso? - indago, rangendo os dentes.
- Ele foi paciente, se matriculou em aulas de equitação com horários fixos, três vezes por semana. - revela. - E se tornou, aos poucos, conhecido dos funcionários, então conversa vai e conversa vem, foi colhendo as provas. Um desses funcionários passou a sair com ele para beber depois do expediente e ao abusar do álcool, soltou a língua. Esse cara também se tornou amante de Sarah, pois a flagrou com o patrão e passou a cobrar favores sexuais para se manter calado. - meu estômago embrulha. Que puta ordinária! - O nosso investigador levou o bêbado para a casa e, vasculhando, encontrou fotos dela com o dono do haras. Fotos íntimas. - vou vomitar. - E outras fotos...
- Quais? - inquiro, meu coração saltando ainda mais rápido.
- Fotos de Sarah preparando os arreios do cavalo que o seu pai montou naquele dia... - um soluço estrangulado sai da minha boca. Foi ela mesmo! Oh, Deus! Ela queria matar o meu pai. - O funcionário desonesto registrou tudo com o intuito de lucrar ainda mais com isso. De acordo com o investigador, Sarah foi abandonada pelo primeiro amante, o dono do haras. Entretanto, o segundo, o funcionário, não largou o osso, passou a extorqui-la e continua usando-a para o sexo, sempre que tem vontade.
Então foi aí que ela torrou todas as economias de anos de trabalho do meu tolo pai. Encontrou alguém mais esperto em seu caminho. Meu íntimo se alegra por saber que não tem vivido um mar de rosas desde o acidente, sendo chantageada e usada por um simples empregado. Sei como é esnobe com os pobres, deve ser horrível para ela ser fodida por esse pobretão esperto.
- Parece que ela também teve que ser a puta de um escroto, no final das contas. - cuspo com veneno.
Ludmilla inspira agudamente na linha. Faz-se um silêncio pesado depois disso. A carapuça lhe serve bem, não é? Zombo.
- Sim. Parece que sim. - finalmente concorda com a voz derrotada. - Ouça. A polícia está indo agora para a casa de Sarah. - meu coração dá uma guinada de pura felicidade. - Um juiz amigo meu e de Patty, agilizou as coisas e emitiu um mandado. Ela será presa, Brunna.
Meus olhos transbordam e eu suspiro, ao menos esse ciclo está sendo encerrado. Aquela maldita terá, finalmente, o que merece. Então eu respiro fundo e me obrigo a reconhecer que ela foi quem me proporcionou essa vitória. Ironicamente está sendo responsável por um sorriso em meu rosto depois de ela própria ter me arrancado a vontade de sorrir.
- Obrigada. - minha voz sai baixa, forçada. Ela sabe que a última coisa que quero no mundo é lhe dever um favor. - Agradeça a Patty em meu nome também.
Eu a ouço respirando fundo do outro lado.
- Não por isso. - sua voz parece tão triste. - Eu faria qualquer coisa por você, Brunna. Qualquer coisa.
Inspiro com força. Você não fez a coisa que eu mais precisava, Ludmilla. Você destruiu o que tínhamos. Tenho vontade de retrucar, mas isso levaria a uma discussão, e, no momento, quero apenas saborear essa vitória.
- Eu vou desligar. - aviso com frieza.
- Onde você está? - pergunta em uma tentativa patética de esticar o assunto.
- Não é da sua conta. - cuspo.
- Estou perguntando porque eu a conheço bem e sei que está pensando em ir até Sarah. Isso não é bom para o bebê.
Eu ranjo os dentes para o seu tom amoroso.
- Eu vou lá e ninguém vai me impedir. - rosno com petulância. - Quero dizer na cara da vaca, exatamente o que penso dela.
Ela pragueja, parecendo irritada.
- Eu vou com você, então. - diz como se eu fosse aceitar.
- Vou sozinha, Ludmilla. Pare de agir como se eu fosse importante para você. - estalo com desprezo. - Fui apenas o seu banco de esperma. Pare de fingir!
Um longo suspiro vem em meu ouvido.
- Marcos está indo para o apartamento esperar por você. - diz em uma voz desolada. - Baby... - murmura angustiada e eu já imagino o que vem a seguir.- Me dê uma chance, por favor. Eu te am...
Encerro a ligação, endurecendo o meu coração para as palavras mentirosas que saem da boca dessa mulher. Peço ao motorista, que também é o meu segurança pessoal, para mudar a rota. Mantive o segurança por insistência de Vilma. Ela alegou que estou grávida e que o bebê e eu precisamos de proteção. Mais ou menos vinte minutos depois, estacionamos na frente do prédio, em Moema. O lugar que chamei de lar enquanto crescia. Já tem um tempo que eu não vinha aqui, desde que fui para Nova Iorque, no começo do ano passado.
Fico no carro observando a movimentação, esperando os agentes chegarem. Quero vê-la algemada. Quero tripudiar em cima dela. Sei que não são bons sentimentos para cultivar por uma pessoa, mas não estou em um momento de me importar com o que é certo ou errado. Só quero vingança contra todos que me magoaram. Vou, pessoalmente, cuidar para que seja condenada. Tenho recursos, caso precise. Sou uma mulher rica agora. Com o coração todo destroçado, mas muito rica. O contrato inicial havia sido reformulado por Ludmilla e ela nunca me disse. Patty me mostrou dois dias depois que assinamos o divórcio. Acho que queria me sensibilizar para voltar para a sua amiga traidora. Sem chance.
No primeiro momento, eu quis rasgar o documento e mandar Ludmilla enfiar seu precioso dinheiro naquela bunda cruel e arrogante dela. Contudo, Patty me deu uma aula sobre direitos conjugais e que meu casamento com a filha da puta da sua amiga era legal, para todos os efeitos. Então, cá estou eu, podre de rica.
Fabuloso.
Não demora muito e eu percebo os agentes na entrada do prédio. Meus olhos ardem e eu inspiro, procurando a calma necessária para ir lá e vingar o meu pai e a mim. Desço do carro e entro no prédio, seguida pelo meu segurança. Os homens estão ainda do lado de fora do apartamento quando saímos do elevador, a porta está aberta e uma Sarah branca como papel, do lado de dentro.
- Se não quer fazer as coisas pacificamente. - um deles puxa o mandado do bolso e o estende na cara de Sarah. -, a senhora está presa por tentativa de assassinato contra o senhor Jorge Gonçalves, seu marido.
Ela ofega, levando a mão à boca e nesse momento me nota no corredor, seus olhos de víbora se alargam.
Um sorriso frio se abre em minha boca.
- Eu pensei que nunca veria esse dia. - minha voz sai trêmula, o choro preso em minha garganta. O que eu não daria para bater nessa sua cara de assassina. - Você vai ficar lá, trancafiada, por um longo tempo, sua maldita! Eu vou me encarregar disso!
Uma expressão de puro ódio cresce em suas feições modificadas cirurgicamente.
- Eu não apostaria tanto, querida. A justiça nesse país é uma piada. - zomba
e os agentes resmungam, insatisfeitos.
- Algeme-a! - o que parece ser o chefe da operação, late para o segundo, que avança com um sorriso de escárnio.
- Dove? - ela grita para dentro do apartamento, pânico enchendo seu rosto, enquanto seus braços são torcidos à sua frente e os pulsos contidos pela algema.
- O que diabos é isso?! - a piranha filha está com o queixo no chão quando entra no living e vê a situação da mãe. - Porra, mãe! Por que está algemada?
- Sua mãe está sendo presa por tentativa de homicídio, senhorita. - o homem que está segurando Sarah informa.
A expressão no rosto de Dove não é de surpresa. A prostituta sabia. Claro que sabia. Eu me enfureço. As duas são farinha do mesmo saco. Malditas!
- Não vai dar em nada, querida. - Sarah tenta se manter firme, mas vejo o medo em seus olhos. - Eles não têm como provar isso.
- Na verdade, temos, senhora. - o chefe diz em tom satisfeito. - Seus amantes. - torce a boca sarcasticamente. - O dono do haras e o empregado da baia resolveram abrir a boca para livrar o deles da reta quando os procuramos. - Sarah ofega, pavor legítimo deixando-a pálida. Com um sorriso irônico, o agente completa: - Delação premiada, senhora, está em alta em nosso país ultimamente...
Sarah desvia o olhar para Dove, que está franzindo a cara em desgosto.
- Filha, vou precisar de um bom advogado. Use o dinheiro que tem economizado...
- De jeito nenhum! Está louca? - Dove corta sem a menor empatia pela situação da mãe.
- O quê?! - Sarah fica aturdida, enquanto olha a víbora filha.
- É isso que ouviu. Não vou gastar as minhas economias com advogados caros, quando pode muito bem usar um defensor público. - diz com descaso.
Meu Deus, até eu estou estarrecida. Ela está abandonando a mãe. Ouço um fungar e minha atenção recai para a minha madrasta. Vejo seus olhos cheios de lágrimas. Pela primeira vez, parece estar sentindo realmente alguma coisa. Suas faces são banhadas, olhando a filha, provavelmente se perguntando se é real tudo que ouviu.
- Você criou bem a outra víbora. - eu tripudio, meu tom cheio de veneno. - Vai pagar por tudo que fez ao meu pai e a mim.
Seus olhos lacrimosos e tomados pelo ódio voltam para mim e eu sinto-me mal. É um tipo de olhar maligno.
- Meu consolo é saber que ele não vai acordar nunca! - brada, colérica. - E que você, menina insuportável, não tem mais ninguém nesse mundo!
Estremeço com o impacto das sentenças, soando como uma maldição.
- Não. Você é a única que acaba de ficar sozinha no mundo. - rio ironicamente. - Com uma filha dessas, não precisa de inimigos. Bem feito! Está colhendo o que plantou. - rosno. - E, sim, meu pai vai se recuperar. E quando isso acontecer, faço questão de te escrever uma carta contando como estamos felizes e juntos de novo. - meu ódio cresce a níveis altos. - Você terá, finalmente, o que merece, sua puta miserável!
- Dove... Filha... - ela ainda tenta mais uma vez. Dove solta um suspiro exasperado, como quem não vê a hora de se livrar do incômodo.
- Eu vou te visitar todos os dias e encontrar um bom defensor público. Prometo.
As palavras soam tão falsas quanto as duas mulheres horríveis. Sarah chora silenciosamente enquanto olha para a filha. Está claro que a filha a está abandonando. Os agentes saem com ela em silêncio. Dove olha a cena até entrarem no elevador, nenhuma emoção é vista em seu semblante. Uau. Eu nunca esperaria por uma dessas. Nem a megera. Rio com uma satisfação sombria quando meus olhos encontram os derrotados de Sarah antes das portas se fecharem.
- Acha isso engraçado, sua putinha? - a voz baixa e cheia de ódio me faz arrastar o olhar para ela. É hora da minha querida meia-irmã ter a sua surpresa também.
- Sim, é hilário, patético, como vocês duas, putas desprezíveis. - rebato no mesmo tom. - Abandonar a própria mãe. Uau! Foi um golpe e tanto, até mesmo para você.
Rola os olhos.
- Uh, que medo! - finge um estremecimento debochado. - De onde veio essa coragem toda, Brunna? Ou será amargura? - seu sorriso é feio, maldoso, como sempre. - Oh, pobrezinha. Está grávida e sem a gostosona da Ludmilla. - debocha, os olhos ficando mais frios nos meus. - A ideia, o plano foi todo meu, sua tola. Claro que a idiota despeitada da Isabelly veio a calhar. Eu a procurei e me apresentei como sua meia-irmã e a coloquei a par de todas as suas fraquezas. Eu sabia que traição para você é algo imperdoável. Vi isso com seu primeiro namoradinho. - meu sangue gela, esquenta, minhas orelhas pegam fogo. Eu crispo meus punhos, uma fúria cega me inflamando. Queria estar sem barriga para dar a surra que essa cadela sempre merece. - Eu, eu! Foi tudo eu, querida! Eu sabia que você estava apaixonada por ela, via isso nas fotos que saíam na mídia. Sempre sorrindo, olhando-a com adoração. Sua tola! Na primeira oportunidade que teve, ela foi trepar com a antiga amante. - seu tom vai inflamando mais, gostando de me hostilizar, como sempre.
Ela me destruiu. Essa puta dos infernos armou tudo para tirá-la de mim, porque sabia que eu estava feliz pela primeira vez na minha vida. Seu sorriso alarga mais.
- Sabe, irmãzinha, em alguns momentos pensei que ela também estava caída por você. Mas, não. - ela gargalha horrendamente. - Olhe para você, meu Deus! Você é uma ratinha feia, sem graça. Achou mesmo que teria o seu "felizes para sempre", querida? - lágrimas turvam a minha visão. - Estou só deixando a poeira assentar e então, vou atrás de Ludmilla. Ela cedeu para a baranga argentina, por que não cederia para mim, que sou muito mais bonita que vocês duas juntas? É isso aí, maninha. Vou foder com a mulher que você ama. Já a tirei de você, o próximo passo será trepar gostoso com el...
- Sua prostituta miserável! - um som animalesco sai da minha garganta e antes que eu perceba, soco a cara da infeliz. Um golpe duro em seu nariz, com toda a ira e força do meu braço. Ela cambaleia, se estatelando contra a parede, o sangue descendo imediatamente pelas narinas infladas. Seus olhos estão em choque. Até eu estou em choque. Então ela grita e avança para cima mim. Eu protejo instintivamente a minha barriga e meu segurança, toma a minha frente, contendo-a a tempo.
- Eu vou te dar uma surra, sua horrorosa! - berra, se contorcendo para me alcançar. Meu segurança a esmaga contra a parede.
- A chefe me avisou sobre você. - ele rosna na cara dela. - Se não quiser que te segure para a patroa te dar uma surra, fique na sua, porra!
Ela ri doentiamente, a boca sangrenta.
- Já pensou, eu me tornando a próxima senhoraOliveira? Serei a madrasta desse monstrinho que está esperando. Oh, irmãzinha, não se preocupe, vou cuidar tão bem dele quanto cuidei de você.
Torno a crispar meus punhos. Estou tentada a pedir que meu segurança a segure para eu dar uma surra. Deus, quero matar essa cadela! Tenho que pensar no meu bebê, no entanto.
- Quero-a fora do meu apartamento! - vocifero e ela para de lutar na hora,
seus olhos me encarando com pânico. - Vai ter que usar as economias que se recusou a dar à víbora da sua mãe, no final das contas. - zombo friamente. - Eu paguei a hipoteca junto ao banco. É meu. Tudo meu!
Ela engole audivelmente.
- Vai me jogar na rua? Eu não tenho para onde ir, sua maldita! - diz com raiva.
- Quem disse que me importo? Tem trinta minutos para arrumar as suas tralhas e cair fora. - cuspo, massageando minha mão. Ela limpa o nariz com as costas da mão. Se olhar matasse, eu estaria mortinha. Então eu tripudio, usando as mesmas palavras que usou na noite em que vi Ludmilla pela primeira vez e minha vida mudou. - Coitadinha... Que destino triste o seu, irmã. Veja só o que você se tornou... - olho-a dos pés à cabeça, com nojo. - Uma puta barata que trepa com qualquer um que te pague. - ela ofega, os olhos se enchendo de lágrimas. Não sei se de ódio, impotência ou algum resquício de vergonha, não sei. Só sei que gosto de vê-la assim, acabada. - Eu espero que volte para você cada maldade que fez comigo, sua puta de merda! Minhas preces foram atendidas, você está indo para o inferno! Saindo da minha vida! Para sempre!
Eu digo isso com tanta força, que fico zonza. Coloco uma mão na parede, respirando com dificuldade. Braços quentes e dolorosamente familiares me puxam para um corpo sólido e cheiroso. Levanto meu rosto, meus olhos encontrando os olhos verdes que tanto me assombram. De onde ela veio? Pergunto-me, atordoada.
- Brunna... - sua voz é cheia de preocupação. - Você não pode se alterar dessa forma. - eu me seguro nela, mas vou perdendo os sentidos e tudo fica escuro em seguida.
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Entramos na sala de estar de Vilma, estou oscilando na semiconsciência quando me colocam sobre um sofá. Eu me ajeito em uma posição sentada e forço meus olhos abertos.
- Ei, bonitinha. - a voz suave de Marcos chama a minha atenção para o estofado
a minha frente. Ele está lá, os olhos escuros adquirindo um brilho divertido. - Você está muito encrenqueira ultimamente. Estou vendo que terei de usar a minha autoridade de padrinho e proibi-la de deixar essa casa até que meu afilhado nasça.
Eu rio, meus olhos correndo ansiosamente pelo recinto.
- Ela já foi. - Marcos informa.
- Quem? - finjo-me de tosca.
- A mulher Maravilha. - zomba. - Não banque a espertinha comigo, Brunna. - seu rosto fica sério. - Ela sabia que iria deixá-la ainda mais nervosa se acordasse e a visse por perto.
Permaneço calada. O cheiro dela ainda está em meu nariz. Meu Deus, tudo em mim vibra quando chega perto, meus hormônios enlouquecidos de grávida a querem com desespero.
- Ela está sofrendo também, bonitinha. - murmura.
- Eu vou descansar um pouco. - eu me levanto, ignorando suas últimas palavras.
Marcos faz o mesmo, me olhando com apreensão.
- Você está bem? Ludmilla chamou seu médico, já deve estar chegando.
Eu bufo. Não quero esse cuidado dela. Não quero nada que venha de Ludmilla-filhadaputa-Jauregui!
- Estou bem. A vertigem foi porque me exaltei muito. - digo e ele abre um meio sorriso. - Você está certo. Estou muito encrenqueira. Pendurei as luvas agora, prometo. - brinco. - Eu só precisava desse último acerto de contas. - digo, tocando minha barriga, pedindo desculpas silenciosas ao meu bebê por deixá-lo sob tensão.
Marcos vem até mim e me beija afetuosamente na bochecha.
- Pode cancelar com o médico, por favor? - peço.
Meu médico é um moreno bonito, mas normal, no final dos vinte. Para piorar, é solteiro e parece interessado em me conhecer para além do consultório, pelas indiretas que solta aqui e ali. Já sabe que estou separada da mãe do bebê e vejo o interesse crescendo em cada vez que nos vemos. Meus Deus, os homens são tão sem-vergonhas! Não vê que estou grávida? Péssimo momento para me envolver com alguém.
Marcos acena e se vai. Sei para onde está indo agora. Vai tranquilizar a irmã quanto ao meu estado. Marcos está em uma posição ingrata tendo que se manter imparcial, correndo de lá para cá, sem nunca emitir julgamentos. Eu o agradeço por isso.
Subo para o meu quarto e preparo um longo e relaxante banho de banheira. Fico lá, ouvindo música e acariciando meu ventre pronunciado, cobrindo meu menino precioso de carinho. Eu falo com ele. Digo o quanto o amo e estou ansiosa para pegá-lo em meus braços, mas que espere lá dentro, firme e forte, até o momento certo de chegar. Fecho
os olhos, deixando meu corpo relaxar.
Meu celular toca sobre a borda da banheira. Abro os olhos e o pego, vendo que é Dinah. Tem dois dias que não nos falamos. Ela tem estado muito ocupada com o espetáculo. Além disso, estava tendo problemas com Theo James, o astro - muito gostoso - da peça. Palavras dela.
- Ei, DJ. - digo, limpando a garganta.
- Ei, Mila. - sua voz é meio ressabiada. Conheço-a bem. Sei que algo aconteceu.
- O que houve, amiga? - pergunto. Ela suspira profundamente.
- Eu transei com o sr. Astro de Hollywood, amiga. - geme na linha. - Ele
é um babaca total! Juro que não sei como aconteceu, Mila. Estávamos discutindo em seu camarim, quando percebi, estávamos nus, o cara estava em cima de mim, me fodendo, como o bruto que ele é... Meu Deus, eu sou uma vadia...
Uau! Isso é o que eu chamo de uma mudança brusca de cenário. Eu rio, não muito surpresa, para ser sincera. Desde que conheceu o Theo, minha amiga foi deixando de se lamentar sobre o traíra do seu namorado. Nas últimas vezes que nos falamos, DJ só mencionou Theo. Geralmente irritada por algo que ele fez, porém o cara tem ocupado a sua mente, verdade seja dita.
- Bem, amiga, não estou muito surpresa, para ser sincera. - digo, rindo baixinho.
- Como não, amiga? Ele é um idiota, um cuzão, um troglodita... - ela para e geme de forma indecente. - Ai, meu Deus, ele é tão gostoso...
Eu gargalho, mesmo em meu estado de infelicidade. Eu me deixo alegrar por ela. Se não for algo sério, pelo menos serviu para tirar o seu foco do ex traidor. Se eu não estivesse grávida, iria à caça também. O pensamento me faz rir de mim mesma. Brunna indo à caça, patético. Não suporto nem mesmo outras pessoas me olhando com interesse. Ludmilla conseguiu me transformar nela. Perdi a fé nas pessoas. Meu médico novamente me invade os pensamentos. Eu franzo o cenho. Talvez... Talvez eu deva considerar ao menos uma amizade com ele. Ou talvez, eu seja a única vadia aqui, não DJ. Você está grávida, Brunna. Repreendo-me. Nesse momento, não tenho nada a oferecer para ninguém. Estou amarga, ranzinza, querendo brigar com o mundo. Meus olhos voltam a arder com desesperança. Algum dia deixarei de amar aquela mulher?
Continuo ouvindo o entusiasmo escancarado de DJ sobre a noite de ontem. Acontece que depois da transa no camarim, Theo a levou para a cobertura dele em frente ao Central Park e lá as coisas esquentaram de vez, pelos relatos. Ela está empolgada como não a via em tempos. E um pouco confusa, porque Theo um astro de Hollywood e vai voltar para LA logo depois da peça. Eu a aconselhei a viver isso, seja lá o que for. Quando desligamos, DJ está praticamente saltitando, dá para sentir a sua alegria daqui.
Eu volto a relaxar na banheira. Me transportando para outra noite, em Nova Iorque, há seis meses. Meus olhos ardem, meu coração doendo ao recordar cada detalhe daquela noite e de todas as outras que se seguiram nos braços de Ludmilla. Tantos sentimentos conflitantes guerreando dentro de mim. Mas, no fim, eu me rendi ao mais poderoso de todos, o amor. Meu peito comprime, a dor que nunca vai embora pulsando sem pena. Fecho os olhos, minha mente traiçoeira trazendo a imagem dela de hoje. O rosto perfeito, aqueles olhos verdes gelados que foram a minha perdição desde o começo. Sua beleza dura e sensual. Soluço de dor, de amor, de saudade. Por que tão difícil esquecer? Por quê? O coração deveria desligar no momento em que fosse ferido. Deveria bloquear o causador do dano para sempre. Mas não é assim que funciona, infelizmente. Ainda a quero tanto. Ainda a amo tanto.
Duas semanas depois...
Ludmilla
- Ludmilla... - ela sussurra com a voz doce, os olhos castanhos cheios de amor para mim.
Meu peito incha. Deus, como é bom ouvi-la chamando o meu nome. Como é linda. Tão perfeita.
- Brunna... - seguro o seu rosto perfeito e me enterro nela, profundamente. - Meu amor... - eu choro, amando como seu corpo me recebe, sempre tão pronto, molhado, feito sob medida para mim.
Ela soluça, puro amor descendo em suas bochechas em forma de lágrimas.
- Sim, meu amor... - geme, segurando meu rosto também, nossas bocas bem perto, respirando uma na outra, enquanto me toma toda em sua boceta. - Eu estava com tanta saudade, Ludmilla...
- Eu também, baby. - meus movimentos aceleram, metendo nela com força, o desespero começando a tomar conta de mim, porque no fundo da mente, sei que isso não é real. Ela não está realmente aqui. - Minha... Eu te amo tanto.
Então, do nada, ela vai sumindo debaixo de mim, como uma miragem.
- Não, não vá, por favor... - eu imploro, lágrimas quentes invadindo meus olhos. Tento agarrá-la, mantê-la comigo, mas é em vão. Ela some. Em um segundo eu estava dentro dela, sentindo-a perfeita e quente à minha volta, e no outro, estou sozinha. - Brunna! Volte, por favor! Brunna!
Eu acordo, gritando por ela, meu coração batendo forte. A sensação, já tão conhecida e aterradora de perda, me castiga ao me deparar com a cama vazia e fria. Eu fico de lado no colchão, olhando para o espaço vazio onde ela costumava dormir. Estendo a mão, alcançando o seu travesseiro. Lágrimas silenciosas rolam pelo meu nariz. A dor é ainda mais angustiante, excruciante, por saber que a culpa é minha, de mais ninguém. Sonho com ela quase todos os dias desde que destruí a nossa vida juntas. Não sonho brigando, discutindo. Nunca. Eles são sempre como esses, nos amando, ela me olhando com aqueles olhos doces, me chamando. É alguma espécie de castigo do meu subconsciente, um constante lembrete do que tive em meus braços e estupidamente perdi.
Fecho os olhos, seu cheiro não está mais aqui no quarto ou na casa. Muito tempo se passou. Deus, muito tempo se passou desde que foi embora e me cortou sumariamente da sua vida. Ainda assim, posso sentir o delicado perfume de flores, sua pele suave na minha. Meu corpo todo encaixado no dela. Sei, com toda certeza, que nunca vou esquecer essas coisas. Nunca vou esquecer nada sobre ela. Cada pequeno detalhe estará gravado em minha mente, meu coração, meu corpo, minha alma. Para sempre.
- Brunna... - chamo em agonia, soluçando para o silêncio do quarto. - Eu amo você. Acredite.. - rogo como se ela pudesse me ouvir.
E fico assim, chorando e lamentando tudo o que fiz. O aperto no peito é tão dolorido, que pensaria ser um infarto, isso se já não estivesse familiarizada com ela. É o remorso, a culpa, o amor, a saudade. Deus, tanta saudade. Olho o relógio sobre o criado-mudo - está marcando pouco mais das quatro da madrugada. Não vou conseguir dormir mais. O padrão tem se repetido. Só consigo adormecer bem tarde e depois de duas ou três doses de uísque. Às vezes, eu realmente me embriago para anestesiar a dor. Nunca senti nada parecido com isso. Nada me preparou para isso.
Limpo meu rosto e me levanto da cama. Está frio, então pego o edredom, jogando-o sobre os meus ombros e saio do quarto. Ando descalça, me arrastando pelo corredor como uma alma penada, até o estúdio que mandei fazer para ela. Entro, acendo apenas as luzes do fundo, perto da parede de vidro. Ando até o divã. É aqui que tenho passado o resto das noites. As fotos dela e do último ultrassom do nosso menino estão espalhadas sobre o couro negro. Rosa instruiu a equipe da limpeza a não tocar nessa parte quando vem limpar, sabe que é o meu santuário. Eu me sento e pego o ultrassom, orgulho e amor inchando em meu peito ao ver o meu filho lá. Está já todo formado, grande, forte, chupando o dedo. Perdi a conta de quantas vezes olhei essa foto desde que Marcos a entregou para mim, na semana passada. A ideia de ter um filho, inicialmente, era apenas uma necessidade, perpetuação do meu nome e como tudo na minha vida, foi uma decisão fria, sem emoção. Mas isso caiu por terra quando me descobri apaixonada por Brunna, e quando vi o primeiro ultrassom. Quando ouvi a gravação das batidas do seu coraçãozinho, então me apaixonei por ele também, irremediavelmente.
- Eu sinto muito, filho. - murmuro, embargada. Fui reduzida a isso, falar sozinha como se ele ou sua mãe pudessem ouvir minhas lamentações. - Eu não posso estar perto de você ou de sua mãe, porque fui muito cruel com ela.
Eu ofego, pegando as fotos dela. Passo os dedos sobre seu rostinho meio arredondado pelos quilos extras que ganhou com a gravidez. Tirei essa na semana passada, quando estava saindo do consultório do seu médico, após a consulta mensal. Eu estava me esgueirando, como sempre, para ter pelo menos um ínfimo vislumbre dela. Usava um vestido floral, soltinho, a barriga protuberante, linda demais, fazendo eu me sentir uma escrota do caralho por tê-la ferido tanto.
Eu a tenho perseguido por toda a cidade. Minha avó e Marcos sempre avisam quando vai sair e eu largo tudo para ir atrás. Essas têm sido as minhas únicas oportunidades de vê-la. De longe. Sempre de longe. Ela me excluiu de vez. Não tem acordo. Principalmente depois que assinei o divórcio. Suspiro, a derrota pesando em meus ombros. Sei que pensa que assinei por medo de ela contar toda a sordidez a que a submeti para a imprensa. Está enganada. Assinei porque a minha avó me pediu. Ela disse que aquele casamento começou errado e se eu quisesse uma chance de lutar por Brunna, devia lhe dar a liberdade. Ela precisava disso no momento, ser livre.
Eu não queria. Morri um pouco mais naquele dia. Foram dois longos meses sem conseguir chegar perto dela. Tremi dos pés à cabeça quando entrei no escritório de Patty e a vi lá, linda, usando um macacão de grávida, deixando sua barriguinha bem evidente. Meu coração saltou com força e eu bebi dela, morta de sede. Ela também ficou abalada em minha presença. Isso me deixou um pouco esperançosa na ocasião. Uma esperança que se desfez nos dias que se seguiram. Brunna não cedeu um milímetro, desde então. Na verdade, se tornou ainda mais dura comigo.
- Deus, traga-a de volta para mim. - eu rogo com todo o meu coração. Tenho conversado muito com Deus nesses dias. - Prometo cuidar bem dela dessa vez.
Parece que tendemos a nos aproximar mais Dele em momentos ruins. Sinto vergonha em admitir que nunca fui muito adepta a esses tipos de conversas. Não achava importante. Na verdade, nem mesmo acreditava. A noite do Ano Novo me vem à mente. Minha conversa com Brunna e a forma como zombei da sua fé cega. Ela acredita que Deus nos concede tudo que pedimos se tivermos fé. Suspiro longamente, traçando os dedos pela barriga protuberante na foto. Eu devo estar sendo castigada porque nunca fui uma boa mulher. Que tipo de pessoa obriga um homem a entregar sua filha inocente em troca de um acordo? Não uma boa pessoa, isso é certo. Eu me arrependo. Eu me arrependo de tudo. Inclusive fui visitar Jorge no hospital. Ele não podia me ouvir, mas pedi perdão a ele pelo mal que fiz a sua filha. Sei que não mereço o amor dela. Fui uma canalha do começo ao fim. Brinquei deliberadamente com os sentimentos de uma menina que só teve a mim como referência de relacionamento. Nunca considerei que pudesse de fato se apaixonar por mim, sua primeira. Como meu coração era frio, seco, julguei-a da mesma forma.
- Eu estraguei tudo, Brunna, não foi? - murmuro, olhando a foto com pesar e adoração. - Daria tudo para ter você de volta. Daria tudo para voltar no tempo e não te machucar tanto. Daria tudo.
Mesmo sabendo que isso é patético pra caralho, continuo falando sozinha. Pelo menos me dá uma sensação de alívio. É como se confessando que fui escória total com ela, Deus vá se compadecer de mim em algum momento. Eu me deito de lado e seguro as fotos dela e do bebê junto ao meu peito. Olho através da parede de vidro. Ainda está escuro, algumas estrelas pontilhando o céu. Fico assim, mirando a noite, revivendo tudo que tive com ela. Tantos momentos bonitos. Fecho os olhos, as imagens dela dançando para mim nesse estúdio invadem minha mente. Nua, linda, altiva, como uma princesa. Meu corpo inflama, sedento por ela. Saudoso do seu cheiro, da textura da pele macia.
Vejo-a nitidamente em meus pensamentos. A forma reverente como dizia meu nome quando estava dentro dela. Parecia que havia algo mais a ser dito. Muito mais e ela completava com seus belos e expressivos olhos castanhos. Meu Deus, como não enxerguei seu amor por mim? Como pude ignorar todos os sinais, as mudanças quando voltamos da Grécia. Como pude ignorar os meus sentimentos? Estava feliz com ela, como nunca estive em toda a minha vida. O Natal foi tão especial. A semana que se seguiu foi perfeita também. A última semana em que estive com ela, sem neuras. Era amor. Estávamos nos amando e em seguida, depois do Ano Novo, joguei tudo fora. Joguei-a fora cruelmente. Tudo ruiu porque me deixei envenenar por uma puta despeitada. Espero que Isabelly morra tão infeliz quanto me fez. Não sinto qualquer remorso por lhe desejar isso. Ela destruiu a única coisa bonita que aconteceu na minha maldita vida. Expulso-a dos pensamentos e volto a sonhar com a minha linda menina até os tons rosados do alvorecer surgirem no horizonte.
Meus olhos estão secos, cansados. Com um suspiro resignado, eu me levanto e me arrasto de volta para o quarto para me preparar para mais um dia de trabalho. Quando desço algum tempo depois, já pronta para sair, dou de cara com Rosa ao pé da escada.
- Bom dia, senhora. - ela me cumprimenta. Seu rosto transparece seu pesar, provavelmente ao ver a minha cara abatida.
- Bom dia, Rosa. Não vou tomar café. - digo, já me dirigindo para a porta.
- Senhora, não pode continuar fazendo isso. - seu tom, meio receoso e preocupado, soa às minhas costas. - Vai ficar doente...
Ela está no meu pé sobre a minha alimentação, ou a falta dela. Suspeito que a minha avó tenha algo a ver com essa marcação cerrada.
- Vou comer algo na empresa. - digo por cima do ombro.
- Tudo bem. Vou ligar por volta das onze. - ela diz. - A patroinha está acordando cada vez mais tarde com o avanço da gestação.
Meu coração aquece pela forma carinhosa que usa para falar de Brunna. Tudo que mais quero é que ela volte a ser a patroinha dessa casa. Rosa tem sido a minha fiel espiã. Ela liga todos os dias, religiosamente, para a
Brunna. Tenho lançado mão de toda e qualquer forma para ter acesso a ela. Foi através dessas ligações que fiquei sabendo quando começaram os desejos de grávida. Foram muitos, até agora. Eu providenciei todos, sem exceção. Há dois dias ela comentou que estava salivando por um doce que comprava esporadicamente numa delicatessen, perto da sua escola de balé, em Nova Iorque. Imediatamente pedi a um dos nossos pilotos em escala na cidade e ele comprou o tal doce, colocando-o no primeiro vôo da companhia para São Paulo. Ontem, Brunna ligou para Rosa após receber e se empanturrar com a guloseima. Fui descoberta. Ela pediu, relutantemente, que a minha governanta me agradecesse. Estou com medo de que pare de mencionar os desejos agora que sabe que era eu os atendendo. Fico contente em poder providenciar, mesmo que não possa lhe entregar em mãos. Eu me sinto útil cuidando dela e de nosso filho. Eu me sinto próxima, mesmo estando relegada a essa distância cruel que me impôs.
- Me chame imediatamente. Não importa se estarei em reunião com a rainha da Inglaterra, eu vou atender. - digo com firmeza e recebo um de seus sorrisos pesarosos de volta.
Entro em minha sala, na sede da LO, alguns minutos depois. Vim de helicóptero porque minha paciência anda bem curta e não suporto o trânsito caótico a essa hora da manhã. Perrie me segue para dentro, com um olhar receoso. Todos estão nas pontas dos pés para lidar comigo nos últimos tempos. Ando irritada, estressada, incomodada com tudo.
- Ludmilla, Patty estava tentando falar com você ainda há pouco. - diz, colocando umas pastas sobre a mesa. - Esses contratos precisam ser assinados com urgência.
Eu pego meu celular na bolsa e resmungo. Está descarregado. Que porra está havendo comigo? Nunca deixo meu celular inacessível. Nunca.
- Droga, meu celular está descarregado. - digo, exasperada. - Obrigado, Perrie. - pego as pastas e franzo o cenho ao abrir a primeira e ver que já assinei esse contrato ontem. Abro a segunda, constatando a mesma coisa. - Já assinei isso ontem.
Perrie parece sem jeito agora.
- Sim. Mas assinou no lugar errado... - aponta com apreensão.
Eu olho para baixo e vejo que é isso mesmo. Assinei no espaço do locador em vez de locatário. Exalo profundamente e me recosto na cadeira, passando as mãos pelo rosto. Perrie está me dando o mesmo olhar de pena que recebi de Rosa ainda há pouco, quando volto a encará-la. Todos sabem a razão do meu atual estado miserável. Brunna. Antes que possa dizer algo, a porta se abre e Patty entra, seguida de perto por Marcos. Eu franzo o cenho. Meu irmão chegou de Dubai nessa madrugada. Ele aprecia dormir até o meio-dia depois desses vôos. Sua cara não está nada satisfeita, provando exatamente esse ponto.
- Espero que seja realmente importante, Ally. - reclama, se empoleirando em uma das cadeiras na frente da mesa. - Cheguei às três da manhã. Um homem precisa de repouso de vez em quando.
Patty resmunga.
- Uh, desculpe, bela adormecida. - zomba, entrando na pilha de Marcos. - E sim, é muito importante ou eu não me obrigaria a olhar para essa sua cara feia logo de manhã.
Marcos estreita os olhos e então os desvia para Perrie.
- Ei, querida, que maus modos os meus. Bom dia. Como você está? - seu tom é cheio de charme agora.
Patty resmunga.
- Cresça, Marcos.
- Bom dia, Marcos. - Perrie responde com um sorriso educado. - Estarei na minha mesa caso precise de mim, Ludmilla. - avisa e em seguida pede licença, se retirando da sala.
- O que é tudo isso, Patty? - inquiro, franzindo o cenho. O início de uma dor de cabeça começa a me incomodar. Jesus Cristo, estou apenas começando o dia.
Patty me encara e faz uma careta.
- Você está bem? - pergunta, seu tom uma nota mais suave.
- Você sabe a resposta para essa pergunta. - bufo. - Agora responda à minha.
Ela se acomoda na outra cadeira e coloca uma pasta, que só agora percebo que carregava, sobre a mesa.
- Lembra de Luane Sales? - pergunta, abrindo a pasta, apontando uma foto 3x4 da mulher.
- Sim. A palhaça que foi selecionada para uma das nossas concorridas vagas de engenheira aeronáutica e nos esnobou ao ligar um mês depois dizendo que "não estava mais interessada". - falo.
- Essa mesmo. - Patty acena. Então assume a postura de advogada quando completa: - Ela está subindo agora, acompanhada de seu advogado, para uma reunião com vocês.
- Comigo também? - Marcos resmunga. - Cara, há duas razões para eu nunca ter contestado Lud como CEO. A primeira, ela adora usar roupas sociais. A segunda, e essa a mais importante, posso ficar livre das reuniões tediosas. - torce a boca e debocha para Patty: - Você acaba de entrar para a minha lista negra. Eu nem conheço essa mulher, porra.
Estreito meus olhos sobre Patty, algo me alertando de que não vou gostar do restante das informações.
- Por que ela está subindo com o advogado, certa de que vou atendê-la sem hora marcada? - uma sensação ruim começa a se espalhar em meu íntimo. - E por que diabos está com essa cara, Patty? Te conheço bem. Desembucha.
- Seu nome completo é Luane Sales... - faz uma pausa, seu olhar desviando para Marcos e voltando para mim. -Oliveira.
-Oliveira?! - Marcos exclama. Eu estranho, mas permaneço calada. Que merda essa? - Muita coincidência... - meu irmão continua, estreitando os olhos em Patty. - Ou não, tendo por base a cara de dor de barriga que está fazendo agora.
Eu gosto cada vez menos dessa conversa.Oliveira é um sobrenome relativamente comum nos Estados Unidos. No entanto, tenho a impressão de que não se trata de uma coincidência.
- Minha paciência esgotou, Patty. - ranjo os dentes. Ela me olha muito séria.
- Ela alega ser filha de Renato Oliveira, irmã de vocês, Ludmilla.
- Porra! - Marcos volta a exclamar.
Eu ofego com o impacto da notícia. Sim, que porra é essa?
- Desde quando está a par disso? - pergunto nada satisfeita.
- Desde ontem à noite. - ela me diz com pesar. Ela esteve em minha casa ontem, provavelmente para me contar. Mas me encontrou embriagada, jogada na biblioteca. Cuidou de mim e me colocou na cama como uma maldita bebê chorona. Eu me transformei nesse ser patético. É isso. - Tentei ligar hoje, mas o seu celular estava desligado.
Antes que diga mais alguma coisa, o interfone toca sobre a mesa. É Perrie informando que a bastarda está lá fora, com o advogado, solicitando uma audiência comigo. Aquele indício de dor de cabeça se transforma em dor latejante. Digo-lhe para deixá-los entrar e a tensão se instala até que a porta se abre e uma mulher e um homen passam para dentro. Reconheço a tal Luane Sales da foto do currículo. Ela é negra, cabelos longos, alta, estrutura física bem construída. Usa um sobretudo preto por cima de uma blusa social e calça jeans surrada. Olhando rapidamente, tem traços do meu pai, porém a cara de poucos amigos quando seus olhos escuros encontram os meus dissipam essa semelhança. Eu torço a boca em desdém e a dispenso, encarando o homem. Esse está bem apanhado em um terno, carregando uma pasta na mão direita.
- Bom dia, senhoras e senhor. - o homem usa o tom enganosamente simpático que Patty sempre usa quando quer ludibriar alguém. Advogados. Quero bufar. - Sou advogado da senhora Luane SalesOliveira. - pronuncia isso com certa satisfação. O desavisado deve estar achando que vai se esbaldar com o meu dinheiro e de Marcos. - Obrigado por nos receber, senhora Oliveira. - estende a mão e eu o encaro firmemente antes de lhe dar um aperto ainda mais firme.
Ele cumprimenta Marcos e Patty, e meus olhos vão para Luane. Ela já está olhando para mim também, olhos duros, cínicos. Ela não oferece a mão a nenhum de nós. Que filha da puta mal-educada! Nós nos enfrentamos silenciosamente até que Patty sugere irmos para a sala conjugada, onde há uma mesa para pequenas reuniões. Seguimos para lá e nos acomodamos. Marcos está estranhamente silencioso. Um olhar de relance em sua direção confirmo que, como eu, está analisando nossa pretensa irmã mais nova. Só que a sua expressão é muito mais amena do que a minha. Ele parece estar gostando da ideia.
- Sou Luane Oliveira, levo o mesmo nome de meu pai, o grande piloto americano que se tornou empresário de sucesso aqui, no Brasil. - a mulher diz numa voz firme e profunda.
- O que mais você leu na biografia do meu velho? - eu zombo.
Luane me atira um olhar mortal, as mãos fechando em punhos sobre a mesa.
Ela parece uma bandidinha de quinta com atitudes hostis.
- Minha mãe me disse que você - ela cospe para mim e olha para Marcos. -, vocês dois impediram o meu pai de me reconhecer legitimamente. - seu rosto está marcado pela raiva. - Vocês o tiraram de mim enquanto eu crescia. Eu o vi umas três ou quatro vezes, tudo porque os idiotas mimados dos filhos legítimos não me queriam por perto!
Nesse ponto solto uma risada seca.
- Bem, está reclamando do quê? - cuspo ironicamente. - Você provavelmente viu o nosso querido papai, mais do que eu e o Marcos.
Marcos bufa e cruza os braços, franzindo o cenho. Ele odeia falar sobre as falhas do nosso fodido pai.
- O que quer dizer com isso? - Luane franze a testa.
- Faremos os exames de DNA e depois voltamos a conversar. - digo, ignorando sua a pergunta. - Se for mesmo nossa irmã...
- Eu sou filha de Renato Oliveira, mas isso não significa que quero ser irmã de vocês. - rebate secamente.
Porra! Quem essa filha da puta pensa que é? Luane abre um sorriso sarcástico e por um momento é quase como se me visse no espelho. Não somos parecidas fisicamente. Mas a sua expressão cínica me é bem familiar.
- Moça, pondere as palavras. - Marcos grunhe. - Ou não será convidada para as movimentadas reuniões em família. - ironiza a nossa pretensa irmã.
A idiota franze a testa para ele em claro desdém.
- E esse idiota deve ser Marcos.
Meu sangue ferve com seu desrespeito.
- Sim, esse é Marcos, meu irmão. - rosno. A encrenqueira levanta uma sobrancelha desdenhosa e bufa. - E ele está certo. Meça suas palavras.
- Claro, seu irmão. - debocha. - Eu não faço nenhuma porra de questão, babaca. - range os dentes e eu arreganho os meus em sua direção.
- Aconselho-o a conter sua cliente, senhor. - falo friamente. - Essa reunião está encerrada! - rosno, me levantando e seguindo de volta para a minha sala.
Ouço uma risada debochada às minhas costas e me viro quando chego à minha mesa. Luane está vindo à frente, como um touro bravo vendo um pano vermelho.
- Você é sempre assim, irmã? - pergunta com sarcasmo acentuado. - Como está a sua esposa? Ela está grávida, não é? - o ódio é claro em seu semblante. Eu acho que essa babaca pensa mesmo que Marcos e eu roubamos o nosso amoroso pai dela. - Oh, esqueci... Aquela coisinha linda a abandonou. É por isso que está tão zangada, poderosa Ludmilla Oliveira?
Eu fecho meus punhos e sem pensar, avanço em sua direção. Suas palavras torcem uma lâmina em meu intestino. Eu faço algo que nunca fiz em minha vida adulta, eu lhe dou um soco na boca. Sua cabeça é jogada para trás. Então ela me encara e sorri antes de me acertar um soco potente no olho. Porra! Dor irradia em minha face direita.
- Porra! Parem com essa merda! - Marcos grita, se colocando entre nós, e me abraçando pela cintura e me empurrando para longe da infeliz.
- Sua bastarda de merda! - olho-a através do meu olho, pulsando como o inferno.
Ela sorri para mim, a boca sangrenta. Deus. Eu gemo. Tudo está desabando sobre a minha maldita cabeça.
- Vou querer todos os meus direitos, estejam avisados! - Luane brada de forma ameaçadora.
- Ei, ei, qual o seu problema? - Marcos perde a paciência ainda do meu lado, encarando a bastardinha com raiva. - Baixe a bola, porra! Qual a sua idade? Quinze anos? Vamos resolver isso de forma civilizada.
Uh. Nesse momento ele se parece comigo quando lhe dou broncas.
- Eu acho melhor sairmos agora, senhora Oliveira. - o advogado toca o braço de Luane, parecendo receoso de chegar perto da cliente nesse momento. A bastardinha me oferece mais um sorriso irônico pelo tratamento proposital do seu advogado. Ela acena e se vira, sem despedidas, sem nada. Que babaca! - Entramos em contato em breve para tratar dos exames, senhores. - o homem patético avisa e vai atrás de Luane.
- Eu não queria socar a bastarda, porra. - desabo sobre a cadeira, correndo as mãos pelo rosto e cabelos. Eu me sinto tão cansada.
- Eu vou pegar gelo para esse olho, Ludmilla. - Patty grunhe e vai para o frigobar no canto oposto da sala.
- Se serve de consolo, até eu que não aprecio a violência gratuita e não poderia encostar um dedo nela queria socar a babaca. - Marcos aperta meu ombro como se sentisse que preciso dele nesse momento. Depois de um tempo em silêncio, pergunta baixinho: - Acha mesmo que é nossa irmã?
- Sim, ela tem traços do nosso pai. - digo. Eu herdei a cor da pele e olhos da minha mãe, mas Marcos ficou com alguns traços, os trejeitos, o porte físico e cor de olhos do nosso pai.
Ele bufa alto.
- Mas eu ainda continuo com o posto de irmão Oliveira mais bonito. Obrigado. - diz com sua falta de modéstia em dia.
Ele não perde a maldita piada. Patty volta com uma trouxa de gelo e eu a pego, pressionando em meu olho. Sinto-o já inchando. Era só o que me faltava, porra!
- Estou falando sério, Marcos. - rosno.
- Eu também, Lud. - tem a ousadia de piscar para mim. Eu rio a contragosto. Só ele mesmo.
- Ela é uma babaca cínica e irônica, essa parte se parece comigo. - ranjo. Marcos dá uma risada, balançando a cabeça.
- Sim, talvez ela seja nossa irmã, no final das contas. Porra! Temos uma irmã mais nova, Lud! - seu tom vai subindo com entusiasmo. - Caralho, e ela é uma filha da puta revoltada. - assobia, rindo maliciosamente quando acrescenta:
- O trocadilho não foi intencional.
Eu não tenho outra alternativa a não ser rir junto com o idiota. Nossas risadas morrem depois de uns instantes.
- O que acha disso, Patty? - pergunto. Ela está muito calada.
- Eu acho que a história é verdadeira. Há o nome do seu pai no registro de Luane. - aponta a pasta sobre a mesa. - Dê uma olhada depois.
Exalo, cansada.
- O que vamos fazer, mana? - pergunta Marcos com seriedade.
- Se ela tiver nosso sangue, vamos acolher a irritadinha. Isso é o que faremos, mano. - digo com firmeza. - Vamos corrigir a merda que o nosso velho fez com ela.
- Como pretende fazer? - seu semblante volta a se abrir num sorriso irreverente. -Cara, isso promete ser divertido.
Eu gemo. Não vejo nenhuma diversão. Em vez de um, terei dois irmãos mais novos, porra. Prevejo mais dor de cabeça para mim. Perrie chama pelo interfone avisando que o café da manhã chegou.
- Não encomendei nada. - rebato.
- Ah, fui eu, mana. Mande entrar, estou morrendo de fome. - Marcos toma a dianteira. - E você vai me acompanhar. Nem tente arrumar desculpas. - intima.
Eu digo a Perrie que mande os funcionários entrarem. Pouco depois, Patty se vai e me deixa sozinha com o meu irmão. Usamos a mesa da sala de reunião que estivemos antes. Eu me forço a tomar uma xícara de café preto e comer uma rosquinha amanteigada. Desconfio que minha a avó tenha algo a ver com isso.
- Cara, você precisa parar com essa merda de não de se alimentar direito. - ele repreende quando paro. - Está ficando magra, perdendo massa muscular. - um olhar estanho atravessa seu rosto e ele franze o cenho.
- Conheço essa cara, irmão. O que está querendo me contar? Não há outra comissária maluca, não é? - zombo.
Ele rola os olhos, tomando sua caneca de café com leite e empurrando uma rosquinha inteira na boca. Limpa a garganta e me olha em seguida, quase com pena.
- Eu acho que a Brunna pode estar se relacionando de forma mais... como dizer... íntima com o seu médico.
O quê?! Eu gelo dos pés à cabeça. Porra! Como assim? Ela está colocando outra pessoa em meu lugar? Ainda está com o meu filho na barriga, caralho.
Oh, Deus, não. Não posso deixar isso acontecer.
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O acordo- Brumilla
FanficLudmilla Oliveira, é a CEO da LO Ocean Airlines, sediada em São Paulo. Uma mulher fria, implacável e cínica, que respira negócios. Aos trinta e sete anos nunca se permitiu viver nada além de sexo casual, usava com magnitude seu milagre entre as pern...