Um mês depois...
Ludmilla
Eu faço mais uma sessão de levantamento de peso e saio da academia, no terceiro andar da minha casa. Estou pingando de suor e faminta. Entro no meu quarto, indo direto para o banheiro. Depois de uma ducha rápida, eu me visto e desço para a cozinha para procurar algo para comer. Já passa das dez da noite, mas tenho me obrigado a treinar. Desde o mês passado, quando Marcos dividiu sua preocupação comigo de que Brunna podia estar se relacionando em um nível pessoal com seu médico, substituí o álcool pelo treinamento físico e voltei a me alimentar direito. Sem a menor vontade, mas era preciso. Ela, de fato, está ficando cada vez mais íntima do cara e, deixem-me dizer, o infeliz é jovem, vigoroso, bonitão mesmo, está no final dos fodidos vinte.
Enquanto eu estava ficando magra demais com a minha infrutífera greve de fome. Marcos, com sua boca grande, me chamou a atenção para o fato de que eu não seria uma rival à altura se continuasse me matando aos poucos, como estava fazendo. Voltei com tudo para o treino impulsionada pelo ciúme e raiva do médico metido a conquistador. O tal até foi jantar duas vezes na casa da minha avó. Fiquei puta por minha avó ter aceitado o cara em sua casa. Eu me senti traída duplamente e o confrontei do lado de fora nas duas vezes, tentei fazer com que enxergasse o óbvio. Meu Deus, Brunna está grávida! Será que não tem vergonha de estar dando em cima de uma mulher grávida de outra pessoa? Não. Aparentemente não. Por que teria? Ela está ainda mais linda com sete meses de gestação. Está um mulherão.
Doeu a primeira vez que os vi saindo juntos da sua última consulta. Os dois sorridentes, jovens. Ela se livrou de Marcos para ficar apenas com o idiota, embora continue dizendo que é apenas amizade. Eu queria ir lá e socar o espertalhão, mas me contive por causa do bem-estar dela e de nosso filho. A última vez que nos falamos foi no dia em que a mala da sua madrasta foi presa e a prostituta da sua meia-irmã, despejada. Deus, eu sinto tanta falta dela. Sinto falta da sua voz, do timbre meio rouco. Do seu sorriso. Ela sente a minha falta? Será que pensa em mim, em tudo que vivemos?
São quatro meses longe. Quatro meses de saudade, solidão. Agora sei exatamente como se sentiu quando a deixei sozinha após o Ano Novo. Para piorar, estou atormentada porque deixou esse cara se aproximar. Brunna não o deixaria se aproximar assim, de graça. Ela não é leviana com seus sentimentos. Será que já me esqueceu? Muito tempo se passou. Meu coração aperta dolorosamente com a mera suposição. Não. Eu não suportaria vê-la assumir um relacionamento com outra pessoa. Minha avó me garantiu que é apenas amizade quando a interroguei sobre o assunto. No entanto, eu sei o que deve estar passando pela cabeça do infeliz. Ele quer a minha mulher. Eu gemo em desânimo quando me lembro que não é mais minha. Joguei nossa vida fora e estou pagando por esse erro a cada dia quando acordo sem ela. A cada noite que vou dormir sem ela.
Esquento a lasanha de frango que Rosa deixou preparada. Ela tem estado contente que voltei a me alimentar direito. Como uma porção generosa e, em seguida, lavo as vasilhas que usei. Meu celular toca quando estou deixando o cômodo. Fico intrigada ao ver o nome da minha avó. Ela não costuma ligar nesse horário. Meu coração dispara quando penso que pode ser algo com Brunna.
- Vovó? - atendo-a, apreensiva. Há um silêncio aterrorizante do outro lado e meu coração acelera mais. - Está me assustando. Aconteceu algo com Brunna e o bebê?
- Oi, querida. - sua voz está triste. - Não é nada com eles, graças a Deus.
- nova pausa. - Foi Jorge, Ludmilla. Acabaram de ligar do hospital. Ele faleceu.
Eu paro, a notícia não me surpreendendo, mas impactando mesmo assim. Brunna não vai aceitar isso tão bem. Ela tinha esperanças de que o pai acordasse e se recuperasse em algum momento.
- Como ela está? - pergunto, passando uma mão pelo meu cabelo. Quero ir até lá, dar a ela o apoio que precisa, porém sei que não vai me querer por perto. Meu peito se enche de angústia.
- Está inconsolável. - minha avó parece devastada pelo sofrimento de Brunna. - Marcos acabou de aterrissar em Paris e... Cayo está em uma conferência em Londres. - eu bufo com essa última informação. Cayo é o tal médico filho da puta que quer roubá-la de mim.
- Sei que ela não me quer por perto, mas estou indo vê-la. - digo em tom decisivo. - Vou apenas mudar de roupa e já estarei aí. Vou ligar para o hospital também e ver que providências tomar para o funeral.
- Faça isso, querida. Ela precisa de nós. - minha avó diz suavemente. - Até daqui a pouco.
Aproximadamente quarenta minutos depois, estou do lado de fora do quarto de Brunna. Dou duas batidas suaves na porta e minha avó a abre em instantes.
Passo para dentro, um misto de sentimentos me golpeando. Alegria por estar tendo a chance de chegar perto dela, e também tristeza, pela sua perda.
- Ela está dormindo. - minha avó sussurra com pesar. - Eu dei a ela um chá calmante. Chorou até adormecer, a pobrezinha.
Dou um beijo em sua têmpora e minha atenção recai imediatamente sobre a cama, meus olhos procurando avidamente por ela.
- Eu não sei o que fazer agora que estou aqui. - murmuro, me sentindo perdida. - Não quero aborrecê-la com a minha presença.
Minha avó me olha, acenando levemente com a cabeça.
- Nesses momentos, as desavenças devem ficar em segundo plano, filha. Está fragilizada demais para lutar contra você. - diz baixinho. - Ela precisa de nós, todos nós.
Aceno, engolindo audivelmente. Ela me beija com ternura na bochecha e deixa o quarto em silêncio. Eu torno a buscar a cama, me movimentando devagar para lá. Meu coração canta à medida em que vou chegando perto. Oh, Deus, como é bom estar no mesmo recinto que ela. Está deitada de lado, vestida com uma camisola branca e larga, estendida sobre a barriga protuberante, onde o nosso filho cresce a olhos vistos. Paro bem perto da cama e meus olhos ardem com a visão da minha mulher em dias. Está linda demais, o rosto e os lábios carnudos estão corados, mostrando que está saudável, bem cuidada, na gestação. Tenho muito o que agradecer à minha avó por cuidar tão bem dela, não permitir que continuasse se sentindo sozinha. Queria tanto poder acompanhar as mudanças em seu corpo no dia a dia. Queria tanto poder abraça-la, conversar sobre cada pequena mudança, sentir nosso menino crescendo em seu ventre. Cuidar dela. Suspiro longamente, louca de amor. O coração pesado de tanta saudade. Eu me contentaria em apenas conversar com ela. Apenas isso.
Minhas mãos coçam para tocá-la, para sentir meu filho em seu ventre. Amor e possessividade me engolfam enquanto observo os dois. Eles são meus. Eu os amo tanto. Tanto. O que preciso fazer para ter o perdão dela, meu Deus? O quê? Faço qualquer coisa para tê-la de volta. Qualquer coisa. Eu me sento na poltrona do lado da cabeceira, cuidadosamente, para não a acordar e continuo olhando-a, bebendo sedenta cada detalhe da figura linda e adormecida. As rosas que enviei hoje pela manhã e à tarde estão em vasos nos criados-mudos de cada lado da cama. Ela gosta de receber as flores. Minha avó contou que ela fica esperando esses momentos todos os dias. E me alegra que goste das minhas flores. Sim, sou eu quem as escolhe e as envia todos os dias, religiosamente. Brunna pensa que são de Marcos e nenhum de nós a corrigiu. Ela precisava de motivos para sorrir e não as aceitaria se soubesse que vem de mim.
Não sei quanto tempo se passa, mas não me importo. Eu ficaria aqui para sempre, grata por estar respirando o mesmo ar que ela. Algum tempo depois, Brunna se remexe na cama e então seus incríveis olhos castanhos se abrem, colidindo com os meus. Eu inalo levemente, em busca de ar. Meu coração falha uma batida ao ver as duas pedras preciosas focadas em mim depois de tanto tempo. Ela franze um pouco o cenho, os olhos indo de sonolentos a despertos num instante. Não falamos nada, apenas nos olhamos fixamente. Ela lambe os lábios gordos, me fazendo queimar de amor, desejo. Meu corpo inteiro está pulsando, gritando a sua falta. Gritando pelos longos meses sem tê-la. Sei muito bem que esse não é o momento, mas a proximidade, seu cheiro invadindo meus sentidos - seu cheiro real, não apenas imaginário - e vê-la tão de perto, me deixa dura. Tão dura que chega a ser doloroso. Eu a quero com uma necessidade absurda. Ela continua me encarando, não desviando o olhar. Limpo a garganta e murmuro para distrair minha mente do desejo feral inflamando minhas veias.
- Vovó me chamou. Eu sinto muito. - ela fica calada por algum tempo e tenho receio de que vá me expulsar. - Não me mande embora. Pode voltar a me odiar depois de amanhã. Por agora, me deixe ficar aqui, ao seu lado, por favor.
Vejo o conflito claro em seu rosto por alguns instantes. Contudo, para o meu alívio, ela me dá um aceno quase imperceptível. Um silêncio desconfortável recai sobre nós em seguida. Estamos perto, mas a conexão parece perdida. Se passou muito tempo. Meu peito comprime ao constatar isso. Estamos nos perdendo. Já temos mais tempo separadas do que o período em que ficamos juntas. O tempo é um inimigo implacável nesses casos.
- Você ficou triste quando seus pais morreram?
A pergunta me surpreende. Sua voz. Deus, sua voz... Fecho os olhos por um momento, saboreando-a. Sinto tanta falta dela. Eu a encaro novamente, tentando controlar minhas emoções porque ela está falando comigo. Está falando sem a hostilidade com que costuma me tratar.
- Sim, eu fiquei. - assumo, minha voz um pouco instável. - Senti pelos pais que deveriam ter sido e não pela morte em si. Consegue compreender?
Um lampejo de empatia passa em seus olhos.
- Acho que é assim que estou me sentindo também. - diz, novas lágrimas enchendo seus olhos. Sua mão esquerda escorrega para o ventre e ela o acaricia. Meu Deus, como quero tocá-la. Os dois. Engulo em seco, minhas mãos comichando. - Eu perdi meu pai há muito tempo, a morte apenas encerrou um ciclo. - soluça.
Eu aceno. Jorge foi um homem fraco, patético e pagou caro pelas escolhas que fez. Mas, quem sou eu para julgar? Também estou pagando pelas minhas.
- Preciso providenciar o funeral. - continua numa voz pequena.
- Eu já cuidei de tudo, baby. - murmuro e sua expressão se fecha um pouco com o termo carinhoso. Quero me socar por aborrecê-la. Acrescento: - Não se preocupe com nada mais. Você e o bebê não podem se sobrecarregar.
- Você não tem nenhuma obrigação comigo. - murmura embargada.
- Eu quis fazer. Não me custou nada. - digo com suavidade.
Novo silêncio. Ela me olha insistentemente, enquanto duas lágrimas rolam em suas faces.
- Obrigada. - diz baixinho. Então parece se sobressaltar e um quase sorriso curva sua boca. - Ele está mexendo. - sussurra. E, para a minha total surpresa, convida: - Toque-o, eu acho que está sentindo a sua presença.
Meu coração aquece e estendo a mão, ávida para sentir meu menino e a mãe dele numa tacada só. Eu quase gemo de satisfação quando toco a pele quente e esticada através do tecido fino.
- Aqui. - ela pega a minha mão, colocando-a exatamente sobre o nosso menino cheio de energia.
Eu rio, meus olhos ardendo de emoção. Espalmo a barriga e me atrevo a colocar a outra mão, sentindo o nosso filho plenamente. Sua barriga está enorme. Felicidade sem tamanho se espalha dentro de mim, enquanto acaricio os dois amores da minha vida.
- Obrigado. - minha voz sai rouca, emocionada, ainda muito surpresa por ela estar baixando as armas, ao menos esta noite. Eu me inclino e começo a conversar com o nosso menino. - Oi, filho. Eu não sei se você se lembra de mim... Sou a sua outra mãe. - parece mentira, mas ele fica ainda mais elétrico lá dentro, e meus olhos transbordam. - Você se lembra? - murmuro, não cabendo em mim de felicidade. - Garoto esperto.
Eu passo a conversar com ele, perguntando como está lá dentro. Se ele tem cuidado e protegido a sua mãe para mim.
- Ele gosta da sua voz. - Brunna sussurra e meus olhos vão para os seus. Nós nos fitamos em silêncio, apenas compartilhando esse momento de cumplicidade com nosso filho. - Você vai amá-lo, não vai? Prometa que nunca vai deixá-lo se sentir indesejado, fora de lugar. - sua voz treme.
Meu peito torce ao ver o seu tormento. O reflexo do meu próprio. Nós duas tivemos pais de merda.
- Eu já o amo, Brunna. - digo-lhe com ternura. Amo vocês dois. Vocês são tudo que mais amo nessa vida. Completo com meu olhar. - No começo, eu o via apenas como a perpetuação do meu nome, admito. Mas a partir do momento em que soube que ele estava aqui dentro... - olho-a bem dentro dos olhos. -, que nós duas geramos uma vida... - continuo esfregando sua barriga, me deliciando com a sensação de tocá-la. Ela ofega levemente. -, e depois, quando vi o primeiro ultrassom, eu o amei.
Ela assente. Seu rosto parece resignado agora.
- Eu andei pensando... - murmura.
- Sobre o quê? - pergunto suavemente, com medo de quebrar esse momento.
- Isso já não é mais sobre nós, Ludmilla. - funga um pouco. - Quero que nosso filho cresça tendo a certeza do amor de nós duas. - meu peito aperta, porque sua angústia está clara. Ela está abalada não só pela morte do pai, mas pelos anos que foi negligenciada pelo homem idiota. - Eu quero que ele seja amado. Por favor, prometa-me...
Sua voz falha e os soluços assumem. Eu não me seguro e toco seu rosto. Meus olhos ardem, tudo em mim gritando para tomá-la em meus braços, confortá-la. Não tenho mais esse direito, porém. Na verdade, nunca tive. Tudo que tive dela foi usurpado. Seu amor foi a única coisa que me deu livremente e eu rechacei.
- Shh, ele terá essa certeza, baby. - murmuro, embargada, deslizando os dedos, reverentemente, pela face molhada. - Agora fique calma, pelo bem do nosso menino. Tudo vai melhorar. - nossos olhares permanecem fixos. - Eu prometo. - sussurro, querendo dizer muito mais. Tudo que está no meu coração, mas esse não é o momento para isso. Ela só precisa do meu apoio por agora, e é isso que farei. Serei o que ela precisar que eu seja.
- Nós precisamos conversar sobre o bebê. - diz, entrecortado. - Eu estava tão envenenada pela raiva, que me esqueci que o nosso menino vai precisar de nós duas.
Meu coração falha uma batida, minha mente tentando processar o que está me dizendo. Oh, Deus, ela vai voltar para mim?
- Mesmo não estando mais juntas, vamos fazer tudo que estiver ao nosso alcance para fazê-lo feliz, não vamos? - pergunta, e o baque da decepção é doloroso demais.
Não. Ela não está voltando para mim. Eu arfo, a dor da desilusão me castigando.
- Sim, Brunna. - murmuro, mesmo morrendo por dentro para não contrariá-la. - Nós vamos fazer o nosso menino feliz, eu prometo..
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No dia seguinte acontece o funeral. Fiquei estarrecida por não haver mais ninguém além de mim, Brunna, minha avó, Patty e Perrie. Marcos não conseguiu voltar de Paris a tempo devido a uma nevasca que interditou os aeroportos de grande parte da Europa. O tal Cayo ficou preso também, isso não me entristeceu nem um pouco, devo dizer. Espero que o filho da puta fique por lá bastante tempo.
O padre encerra o sermão fúnebre, ressaltando o valor da vida e que a morte não é o fim, mas o começo de outra vida. Brunna está amparada em mim. Não está chorando mais, apenas uma expressão triste em seu rosto bonito. Essa situação a fragilizou tanto, que não está rechaçando a minha proximidade. Eu a abracei quando chegamos e viu o caixão. Ela chorou com o rosto enterrado em meu ombro e eu a segurei, me sentindo uma bastarda por estar me aproveitando desse momento difícil para tê-la junto a mim. Tanto tempo sem senti-la assim. Deus, tempo demais. Minha avó está do outro lado, segurando sua mão esquerda.
- Podem me dar um tempo para me despedir dele? - pede com sua voz rouca de lágrimas.
Assinto. Eu e minha avó nos afastamos, dando-lhe privacidade. Meus olhos continuam atentos sobre ela, no entanto. Brunna toca o caixão e vejo seus lábios se movimentarem, enquanto sussurra as palavras de despedida.
Pouco depois, o caixão é baixado para a cova e eu chego até ela novamente, amparando-a. Seu corpo está tremendo, pequenos soluços deixando sua boca. Ela geme, parecendo sentir dor física, e eu puxo um pouco para trás para olhar seu rosto.
- Vamos para casa. - murmuro ao ver os funcionários isolando o caixão com concreto. - Você e o bebê precisam descansar.
Mais um gemido dolorido sai da sua boca e, em seguida, suas mãos cravam em meus bíceps, com força. Seu rosto sendo tomado por uma espécie de pânico.
- Oh, meu Deus! Eu acho que a minha bolsa acaba de estourar! - suas palavras alarmadas fazem o sangue gelar em minhas veias.
Eu me afasto um pouco e vejo o líquido claro escorrendo em suas pernas.
- Oh, Deus! Não é muito cedo? - meu tom imita o dela, enquanto eu a amparo com meus braços, olhando minha avó e os outros. - A bolsa de Brunna estourou! Tenho que levá-la para o hospital!
Todos emitem exclamações chocadas e nos seguem na direção do estacionamento.
Duas horas depois, estou do lado dela, na sala de parto, segurando sua mão, dando-lhe forças. Sei que preferiria Marcos ao seu lado nesse momento, mas o destino quis que fosse eu a estar aqui, porque ela estava certa ontem à noite, isso não é mais sobre nós. É sobre o nosso menino, e ele será a criança mais feliz nesse mundo, no que depender de mim.
- Vamos, Brunna, empurre um pouco mais. Estamos perto. - o médico que substituiu Cayo instrui, concentrando na tarefa.
Ela geme baixo, apertando minha mão com força. Meus olhos estão cheios de lágrimas ao ver a sua força, sua coragem. Meu coração está doendo, apertado, testemunhando a dor e esforço dela. Seu rosto suado, exaurido, os cabelos grudados à cabeça, pelo suor. Eu me sinto a pior pessoa do mundo por ter feito isso com ela de forma tão egoísta. Praticamente uma criança dando à luz a outra.
- Me perdoe, por favor, me perdoe. - eu não seguro mais a culpa pelo seu sofrimento. Pergunto angustiada para o médico: - Tem certeza de que ela consegue dar à luz dessa forma? Está sofrendo muito. - meu desespero o faz levantar a vista para mim.
- Ela tem condições, senhora. Foi preparada para isso. É desejo dela ter parto natural. - ele me diz em tom tranquilizador. - A cabeça está vindo! Vamos, Brunna! Só mais um pouco!
Isso me deixa num tumulto de emoções. Meu filho está vindo!
- Vamos, baby. Nosso menino precisa da sua força agora. - eu me inclino, ousando tocar em seu rosto banhado de suor. Seus incríveis olhos castanhos seguram os meus, se enchendo de lágrimas e um gemido longo sai do fundo da garganta. Então eu ouço o médico elogiá-la e em seguida, puxa o pequeno corpo para fora do abrigo materno. Eu choro alto, emoções esmagadoras me golpeando. Ela foi tão malditamente forte e corajosa. Não gritou ou fez escândalo em momento algum. - Me perdoe. - balbucio, inconsolável. Continuamos nos olhando, as duas chorando e logo, outro choro soa na sala.
Meus olhos deixam os dela para encontrar a vida que geramos juntas. A equipe cuida dele imediatamente, e o traz para mim, em seguida. Seguro a pequenina trouxa em meus braços, mais lágrimas me cegando. Meu filho. O filho que gerei com a mais bela e corajosa mulher que eu jamais poderia encontrar. Eu engasgo, meus olhos correndo por cada detalhe dele. O rostinho corado, os olhinhos piscando, tentando se acostumar aqui fora, a boquinha
trêmula, escancarada em choro. Ele parece forte para sete meses. O narizinho é o de Brunna. Eu rio e choro, um sentimento tão poderoso preenchendo-me completamente, me jogando na lona. É o meu filho.
- Traga-o para mim. - a voz fraca de Brunna me faz olhá-la.
Eu me aproximo e mostro o rostinho dele bem perto do dela. Ela chora mais, sussurrando emocionada.
- Bem-vindo, pequeno Michael! Bem-vindo, meu amor.
Ela me deixou opinar sobre o nome ontem à noite e fiquei emocionada demais. Ela me disse que estava em dúvida entre Arthur e Michael, mas com uma inclinação para esse último. O primeiro, por ser um nome forte, de rei, o segundo - e essa foi a razão que me nocauteou - é que a origem do nome grego é aquele que pertence a luz”, “o luminoso” e o desejo nosso é que ele tenha muita luz, muito amor. Nosso menino foi concebido na Grécia e minha menina inteligente quis fazer menção a isso. Eu o coloco com cuidado em cima da sua caixa torácica. Ela o segura e eu nunca vi imagem mais linda. Meu coração dói, transbordando de amor. Por ele, por ela. Deus, preciso encontrar uma forma de ela me perdoar. Não posso viver sem eles. Não posso.
- Vamos cuidar de mãe e filho agora, senhora. - o médico avisa com um sorriso cordial. - Seu bebê é forte. Vamos analisar quanto tempo ficará na incubadora para ganhar peso. Acredito que em poucos dias poderão levá-lo para casa. - aceno e meus olhos vão para eles de novo. Não quero deixá-los nem por um minuto, mas preciso deixar a equipe fazer o seu trabalho. - Dentro de uma hora eles poderão receber visitas. De longe, para o bebê. Para a mãe, procurem deixá-la descansar. - o médico acrescenta.
Essa é a minha deixa para sair da sala. Meus olhos estão grudados nos dela. O bebê faz pequenos grunhidos quando uma enfermeira o pega da mãe. Estou sufocando de tanta vontade de me inclinar e beijar Brunna. Porém, não tenho mais esse direito e saber disso me mata por dentro.
- Você foi tão corajosa, baby. - engulo em seco, mais lágrimas ardendo em meus olhos. Estou olhando a mulher da minha vida depois de dar à luz ao meu filho, e eu não posso sequer abraçá-la. - Vou avisar aos outros que tudo correu bem. - digo, embargada.
- Obrigada. - ela sussurra e eu aceno, saindo de lá o mais rápido possível.
Eu ando pelo corredor e me recosto à parede, fechando os olhos, tentando controlar minhas emoções. Peço perdão a ela uma e outra vez, silenciosamente.
Ela é só uma menina. Poderia estar vivendo a sua vida, sem preocupações ou responsabilidades. Mas, não, eu, na minha total insensatez, eu me senti no direito de alterar a vida dessa menina para sempre. Meus ombros sacodem com pesar. É um misto de emoções. Estou feliz com a chegada do meu filho, mas envergonhada por ter forçado Brunna a isso, e eu a amo demais. Consigo me colocar em seu lugar agora. Consigo sentir a sua dor. Eu fungo, limpando meu rosto e me preparo para ir até minha avó, Patty e Lígia a sócia dela, que estão aguardando na recepção. Então eu estaco ao dar de cara com a pessoa menos provável de encontrar por aqui: Luane. Sim, ficou comprovado que ela é mesmo uma Oliveira. Só que a bastarda orgulhosa não quer nenhum contato comigo ou Marcos. Nós a convidamos para um jantar, há duas semanas, e a idiota aceitou, porém não compareceu. Ela nos deixou esperando como dois bobalhões. Não contente, concedeu uma entrevista para uma emissora sensacionalista e culpou a mim e Marcos, especialmente a mim, por nosso pai nunca tê-la reconhecido. Eu fiquei puta. Detesto exposições irresponsáveis na mídia. Marcos, por outro lado, está muito animado por termos uma irmã mais nova, não se importando se é uma babaca de marca maior. Eu? Nem tanto. Não estou com cabeça para lidar com um merdinha revoltada. Já tenho coisas demais me tirando o sono.
Nós nos encaramos em um silêncio tenso. Limpo meu rosto, esperando ver algum tipo de provocação em seu rosto cínico, mas ela está séria, franzindo o cenho.
- Sua mulher e filho estão bem? - pergunta, parecendo desconfortável.
- O que está fazendo aqui? - pergunto, confusa.
Um canto da sua boca se levanta em ironia.
- Marcos me ligou e pediu que viesse. - revela, me chocando pra caralho. Marcos? Como? Quando? - Nós nos encontramos para uma bebida na semana passada. - adiciona ao ver minha confusão.
- Ah, você resolveu dar o ar da graça dessa vez? - alfineto-a.
Ela meio que sorri, e, de novo, ironia tomando seu semblante.
- Ele praticamente me forçou, uma vez que foi até o meu apartamento - grunhe. - e me contou algumas coisas...
- O que, por exemplo? - sondo-a, ainda não baixando a guarda. Seu rosto torce um pouco.
- Que nosso pai não era quem eu cresci acreditando que era. - fala baixo.- Eu pensei que Michael Oliveira era o típico herói americano.
Eu bufo.
- Ele estava bem longe disso, posso garantir. - digo em tom duro.
Luane acena, seu rosto duro também.
- Então, sua mulher e filho estão bem? - torna a perguntar. - meu irmão quer fotos do seu afilhado e...
- Então agora ele é seu irmão? - pergunto, meio ciumenta por eles terem se aproximado, me deixando de fora da equação.
Um sorriso amplo se abre na boca da idiota. Ela parece gostar de me provocar. Irmãos mais novos... Eu quero rosnar. Um silêncio tenso cai sobre nós. Nenhum das duas querendo ceder. Ela realmente se parece comigo nesse aspecto.
- Ele parece um cara legal. - diz, dando de ombros.
- Ele é. - concordo. - Eu? Nem tanto. - ironizo-me.
Vejo um raio de diversão em seus olhos escuros, e Luane tira as mãos de dentro da jaqueta de couro. Fico ainda mais chocada quando estende a direita para mim.
- Começamos com o pé esquerdo. - parece tão sem jeito quanto eu. - Cresci sozinha. Também não sou a pessoa mais sociável.
- Jura? - zombo, aceitando sua mão num aperto firme. Acho que vejo o arremedo de um sorriso irônico. Porra, muito parecida comigo a garota. - Sim, eu acho que começamos com o pé esquerdo.
Ela puxa a mão rapidamente, me lembrando mais uma vez de mim mesmo a não muito tempo atrás, odiando contato humano. Enfia as duas novamente dentro da jaqueta.
- Brunna e o bebê estão sendo cuidados, em breve poderão receber visitas. - informo, enfiando as mãos nos bolsos também. - Poderá tirar as fotos de Michael e enviar a Marcos.
Ela acena.
- Quer conhecer a minha avó nesse meio tempo? - pergunto, apontando o corredor à nossa frente.
- Por que iria querer conhecê-la? - ela faz uma careta.
Essa bastarda vai dar trabalho. Quero grunhir.
- Não sei... Talvez porque faça parte da boa educação? - zombo. Ela bufa.
- Não sei se percebeu, mas nasci e cresci em Detroit. - sorri arrogante. - Educação não é o nosso cartão de visita.
Eu rolo os olhos. Patty cavou tudo sobre Luane logo que o nosso parentesco se confirmou. Um gênio indomável, primeira da classe em todos os anos de escola e universidade. Sempre revoltada, andou se metendo com o lado errado da cidade na adolescência e começo da idade adulta, o que lhe rendeu dois anos trancafiada. Minha irmã mais nova é uma fodida ex-presidiária. É mole ou quer mais?
- Bem, está no Brasil agora. - resmungo.
A idiota dá uma risada pachorrenta, levantando uma sobrancelha irônica.
- Sem ofensas, mas eu vejo os noticiários... - zomba. -, e educação também não é prioridade por aqui...
Porra! Não tenho argumentos contra isso.
- Tudo bem, vamos conhecer a sua avó. - diz como se estivesse indo para a forca. - Avise a ela que não sou uma pessoa muito sociável...
- Não creio que vá precisar. - debocho, começando a andar e ela emparelha comigo. - Você tem escrito babaca em letras garrafais em sua testa, irmã.
Ouço sua risada baixa. Não a olho. No entanto, meus próprios lábios estão tremulando. Talvez a bastardinha não seja um caso perdido, afinal. Quando viramos a esquina, minha avó se levanta e vem até mim, aflita.
- Eles estão bem, vovó. Nosso menino nasceu forte, berrando a plenos pulmões. - meu peito volta a se encher de orgulho e amor incondicional.
- Oh, filha, graças a Deus! - murmura com olhos lacrimosos. Eu a beijo na têmpora.
- Você?!
- Você?!
Eu me viro e vejo Luane e Lígia se encarando, estupefatas.
- Vocês já se conhecem? - Patty franze o cenho para a sócia, que está pálida. Isso me intriga de imediato. Nunca vi Lígia parecer vulnerável em momento algum desde que a conheço, e isso tem muito tempo. A garota sempre foi uma pentelha do caralho.
- Sim.
- Não.
Luane e Lígia respondem respectivamente. Eu olho minha irmã mais nova, cada vez mais confusa. Algo perverso cintila nos olhos escuros e sua boca se curva no arremedo de sorriso cínico.
- A dama tem razão, eu me confundi, nunca nos vimos antes. - diz baixo. Tenho a impressão de que a palavra dama foi pronunciada com sarcasmo.
- Eu vou buscar mais café. - ela diz para Patty e se caminha pelo corredor como se o diabo estivesse em seu encalço.
O que foi isso? De onde elas se conhecem?
Brunna
- Você foi maravilhosa, baby. - ela sussurra, os olhos verdes me encarando, suaves, enquanto as pontas dos dedos deslizam em minha face. Eu derreto, meu coração aquecendo, ficando todo mole de tanto amor pela minha linda esposa. - O pequeno Michael é forte e saudável, mesmo sendo apressado e vindo dois meses antes.
Eu rio, felicidade sem tamanho descendo sobre mim.
- Ludmilla... Meu amor.... - murmuro, embargada. - Obrigada por estar ao meu lado o tempo todo.
Ela sorri e se inclina, a boca morna tomando a minha em um beijo delicado. Sem línguas, apenas nossos lábios se acariciando devagar. Ela se afasta apenas um pouco, os olhos ainda fixos nos meus, os dedos acariciando meu cabelo com pura reverência.
- Não há outro lugar em que eu queira estar. - murmura. Eu consigo ver a emoção em seus belos olhos, brilhantes de lágrimas. - Eu te amo tanto. - diz suavemente. - Você me fez uma mulher completa, Brunna.
- Eu te amo. - sussurro, sentindo meu peito transbordar de tanto amor por ela, por nosso menino.
No entanto, algo me alerta que isso aqui não é real. É o meu subconsciente me pregando uma peça cruel.
- Minha menina perfeita... - Ludmilla dá um sorriso lindo que tira o meu fôlego e então começa a sumir.
- Não. - eu choro, chamando-a. - Ludmilla... Ludmilla...
Acordo, sobressaltada. Meu coração acelerado, lágrimas escorrendo em minhas faces. Gemo em desolação ao ver o teto branco do hospital. Era só um sonho. Como meu subconsciente pode ser tão cruel ao me fazer sonhar com o tipo de vida que nunca terei? Ludmilla não me ama. Sonhar com isso é doloroso demais. Inalo o ar, ainda posso sentir o seu cheiro. Ainda consigo sentir sua carícia em meu rosto e cabelo. Meu Deus, posso sentir o gosto da sua boca na minha. Parecia tão real.
Eu viro a cabeça e olho o quarto espaçoso, encontrando vovó Angie sentada no amplo sofá. Ela me oferece um sorriso misterioso quando nossos olhares se encontram. Será que chamei por sua neta em voz alta? Recrimino-me. Ela se levanta e vem para perto da cama. Corro os olhos pelo quarto, meus olhos arregalando. Há flores de todos os tipos, por todos os lugares! Uau! Quem fez...
- Ludmilla fez isso? - pergunto.
- Sim, querida. - acena, seus olhos castanhos ternos para mim. - Como está se sentindo?
Sorrio para ela. Escolhi parto natural por ser a maneira mais rápida de me curar depois. Sabia que seria doloroso, mas me preparei para isso e não me arrependo. Até porque, a dor é uma velha conhecida minha. Tudo valeu a pena quando peguei meu menino nos braços.
- Bem dolorida, mas feliz por meu Michael ter nascido bem, embora apressado. - digo com o sentimento de amor incondicional tomando conta de mim.
Ela acena e se debruça, beijando minha testa.
- Você foi muito forte, minha menina. Estamos tão orgulhosas de você. - não perco a inflexão do estamos. Talvez esteja pensando que por ter eu baixado a guarda para Ludmilla nesses dias, vamos voltar às boas.
- Ludmilla e eu não vamos voltar, vovó Angie. - decido ser direta. Vejo tristeza cintilando em seus olhos, mas ela a esconde rapidamente.
- Eu sei, querida. - aquiesce e muda o assunto. - Marcos avisou que consegue decolar dentro de duas horas. Deve chegar aqui amanhã bem cedo.
Balanço a cabeça. Isso é bom. Era ele quem estaria comigo na sala de parto. Porém, os últimos acontecimentos mudaram o curso das coisas. Nós insistimos em fazer planos, porém é Deus quem controla o resultado. Deixar Ludmilla chegar perto de mim não é o que quero. Isso me machuca demais, entretanto, preciso colocar o meu filho em primeiro lugar de agora em diante, e ele vai precisar dela presente em sua vida. Deus foi misericordioso comigo ao transformar um dia triste em um feliz, me dando motivos para comemorar. Estava me sentindo miserável, realmente sozinha no mundo. Então Deus enviou meu menino mais cedo para mudar isso. Agradeço-o silenciosamente.
- E o Cayo? - pergunto, só agora me lembrando de que o meu médico e amigo também estaria comigo nesse momento, mas ficou preso em Londres.
- Ele também avisou que deve conseguir embarcar hoje. - Vilma diz, tentando não transparecer seu desagrado por eu estar me relacionando com Cayo. Entretanto, ela e Marcos nunca me julgaram por não dar outra chance a Ludmilla. Sou muito grata a eles por isso.
Cayo é um cara bom, estudioso, com uma carreira já bem estruturada. Tenho rogado ao meu coração tolo que pare de amar quem não merece e perceba o
homem que tem cuidado de mim com tanta gentileza desde que me descobri grávida.
Talvez um dia. Suspiro longamente. Talvez um dia...
- Quero ver Michael. O que eles disseram sobre amamentar? - pergunto para mudar o tema. Seu rosto se ilumina.
- Ludmilla já está voltando com o seu café da manhã, então iremos ver o nosso menino apressado.
- Voltando? Ela estava aqui? - questiono.
- Sim. Ela saiu agora a pouco, quando cheguei. Não queria deixá-la sozinha.
- revela. Ela esteve aqui enquanto eu dormia. Isso mexe comigo mesmo contra a minha vontade. Explica o cheiro dela ainda presente no quarto. - Está se dividindo entre a ala neonatal e você desde ontem.
Antes que eu possa lhe responder, a porta se abre e meu coração salta com a visão dela entrando com uma cesta enorme nas mãos. Meu Deus, ela está odiosamente mais bonita nesses dias. Eu acho que a tática de passar muito tempo sem vê-la teve efeito inverso em mim. Lamento a minha sorte. Não quero, mas meus olhos não desgrudam da sua figura imponente. Parece estar mais...
Curvilínea, sexy, não sei. O cabelo está do jeito que amo, jogado para um lado só, bagunçado.
- Bom dia. - sua voz me faz arrastar meu olhar errante para o seu. - Como se sente? - seu tom abaixa uma nota, os olhos cintilando, penetrantes nos meus.
- Bom dia. - limpo a garganta e Vilma ajusta o leito para uma posição sentada. - Me recuperando.
Ela acena ligeiramente com a cabeça e apoia a cesta na poltrona. Pega uma bandeja e começa a sorti-la com tanta comida, que daria para alimentar um batalhão. Queijo branco, melão, leite, pão integral.
- Onde conseguiu isso? - pergunto, percebendo que ela driblou a direção do hospital.
Ludmilla traz a bandeja, abrindo os apoiadores de cada lado dos meus quadris.
Eu prendo a respiração ao sentir seu perfume.
- Rosa fez questão de preparar o cardápio que a sua nutricionista montou. - explica, terminando de encaixar a bandeja. - Eu tive uma conversa com o diretor do hospital e chegamos a um acordo.
Por acordo, leia-se: o diretor é um puxa-saco e quis agradar Ludmilla Oliveira. Eu zombo. No entanto, preciso reconhecer, isso foi atencioso. Então eu pondero, ela provavelmente está pensando na saúde e desenvolvimento do nosso filho, uma vez que providenciou tudo para estimular a produção de leite materno.
- Obrigada. Agradeça a ela também, por favor. - tenho que usar da boa educação.
Ludmilla se afasta um pouco e enfia as mãos nos bolsos da calça jeans. Ela parece um pouco apreensiva, sua postura muito diferente da Ludmilla arrogante e cínica que conheci.
- Não por isso. Ela virá mais tarde ver você e Michael.
Aceno.
- Estou ansiosa para vê-lo. - murmuro, meu peito se enchendo de amor. - Será que vou conseguir amamentá-lo?
- Tome o seu café primeiro. - seu tom suaviza. - A julgar pela forma como o pequeno estava sugando a mão lá no berçário, não vai ter dificuldades com a amamentação.
Um sorriso se abre em meu rosto. Os olhos verdes brilham mais e ela sorri. Meu coração tropeça enquanto nos olhamos. Esse é o mesmo sorriso do sonho. Doce, terno... Lindo. Decidida a não dar esse mole, eu olho para vovó Angie. Ela tem uma expressão quase sonhadora, o olhar indo e vindo entre mim e Ludmilla. Ainda está tendo ideias, pelo visto. Tomo meu café em silêncio, ouvindo Ludmilla mencionar para a avó que está tirando uns dias de folga para ajudar com o bebê. Uau. Quem diria... Debocho.
Aproximadamente trinta minutos depois, Ludmilla para a cadeira de rodas em que esteve me conduzindo, na porta da UTI neonatal. Meus olhos correm pelas incubadoras, ansiosos pelo meu menino. Ludmilla me ajuda a levantar e me firmando com suas mãos, enquanto uma enfermeira vem nos auxiliar, disponibilizando aventais e máscaras para nós duas. Em seguida, fazemos a higiene das mãos. Só então, somos liberadas para entrar no recinto. Ela me ampara e andamos devagar. Cada passo que dou é incômodo pra caramba. Eu seguro um gemido, mas acho que Ludmilla percebe a minha situação mesmo assim.
- Se apoie em meus ombros. - murmura com uma misto de tensão e ternura. - Você deve estar muito dolorida. Não pode fazer esforço.
Não gosto dessa proximidade, porém, meu canal castigado está gritando por alívio. Aceno e ela me enlaça pela cintura, com cuidado. Sim, ela está mais gostosa. Constato, para o meu desgosto. Dá para sentir as curvas mais acentuadas. Tento manter a compostura e finjo que seu cheiro, seu corpo tão próximo do meu não me afeta, no entanto. Ela me direciona com a mesma suavidade para uma poltrona e meus olhos já estão sobre o pequeno corpo dentro da incubadora. Ele está elétrico, mexendo braços e pernas. Eu rio, meus olhos se enchendo de lágrimas enquanto o olho. A enfermeira o retira de lá e Ludmilla se afasta um pouco, sentando-se na poltrona de frente. Eu acho que o ambiente é montado para a presença constante dos pais.
- Michael é um menino forte, senhora. - a moça me diz, rindo com jovialidade ao me entregar o pequeno pacote. - Está um pouco abaixo do peso, o que é normal nesses casos. Mas a sua saúde está bem e esperamos que fique ainda mais forte dentro de uma ou duas semanas.
Assinto, sem olhá-la. Minha atenção toda está sobre ele, o meu lindo menino.
- Ei, meu amor. - murmuro, minha voz embargando. Toco sua cabecinha e a penugem rala. Ele abre um pouco os olhinhos de cor ainda indefinida, percebo. Enfia o punho na boca, fazendo um barulho suave de sucção. Ouço o riso baixo, cheio de orgulho de Ludmilla. - Será que posso amamentá-lo? - questiono à enfermeira. Eu me preparei para esse momento durante os últimos meses.
- Claro! Deve. - ela assente com euforia. - Vou ajudá-la. - diz com presteza e começa a descer a alça da minha camisola. Fico tensa quando meu seio direito é desnudo na presença de Ludmilla. Sei que o momento não é nada propício para fantasias sexuais. Além disso, devo estar parecendo um espantalho. Ai, Deus. Por que quero estar bonita para ela? Foda-se, Ludmilla Oliveira! Recrimino-me.
Ela segura a cabecinha de Michael enquanto eu introduzo o bico do meu seio na boquinha delicada. Então a sensação mais mágica do mundo me toma quando ele começa a sugar devagar.
- Oh, meu Deus... - eu choro, meu coração repleto de amor por esse menininho. - Ele está mamando. - digo e levanto a vista, meus olhos encontrando Ludmilla fitando-nos. Ela engole audivelmente, os olhos muito brilhantes enquanto observa o nosso filho se alimentando de mim, pela primeira vez. É uma expressão terna e ao mesmo tempo feroz, de posse.
- Ele é forte. Puxou à mãe. - sua voz é cheia de emoção e orgulho. - Posso? - pergunta, levantando o celular na mão?
Minha vontade é dizer não, mas decido continuar com a bandeira branca por Michael. Ele merece o amor de ambas. Não importa quão cretina sua mãe tenha sido comigo, ele terá tudo. Volto a olhá-lo e acaricio sua cabecinha. Ouço vários flashes, só que não olho para cima em nenhum momento. Continuo conversando baixinho com meu bebê.
- Isso, meu precioso menino. Fique cada vez mais forte para a mamãe. - sussurro. Mudo-o com cuidado para o outro seio e Michael continua sugando. - Pequeno guloso. - rio feliz.
Quando olho para cima, Ludmilla está me encarando, sua expressão suave, quase deslumbrada. Eu pensaria isso, se eu não a conhecesse bem.
- Como é a sensação? Li que pode incomodar a primeira mamada... - murmura, parecendo meio sem jeito. Franzo o cenho. Ela leu? - Eu li inúmeros artigos sobre bebês e suas fases de desenvolvimento. - à minha pergunta silenciosa. - Quero poder ajudar no que for preciso com o nosso filho. - engulo em seco, surpresa por ela estar dizendo isso. Nunca imaginei Ludmilla Oliveira, a grande CEO, querendo ajudar mesmo, colocar a mão na massa, nos cuidados com seu herdeiro. - Você vai me deixar fazer isso? Estar perto, dividir o trabalho nesses primeiros meses? - abro a boca, mas ela continua: - As mães precisam de descanso nesses primeiros meses, pois carregaram o bebê por muito tempo na barriga. Quando eles nascem é a hora dos pais entrarem em ação. No meu caso serei eu, sua outra mãe.
Eu quero rir com a forma como diz isso, como se estivesse repetindo exatamente as palavras de algum artigo de revista especializada em pais de primeira viagem.
- Você leu isso também?
Há um leve tremular em sua boca e seus olhos brilham. Quase posso imaginar o que vai dizer.
- Sempre argumentativa... - sussurra, olhos presos aos meus, mexendo comigo de uma forma que não deveria. Não somos mais casadas. Somos mães de Michael. É tudo que somos agora. Só falta meu coração tolo se convencer disso. - Sim, eu li. Acumulei muita teoria e estou ansiosa para testá-las na prática.
- Também estou ansiosa. - revelo, minha mão acariciando a cabecinha macia involuntariamente.
- Nós vamos nos sair bem. - diz baixinho, os olhos parecendo me dizer muito mais.
- Há um leve incômodo na primeira sugada. - eu respondo sua pergunta para quebrar esse clima estranho e íntimo querendo se estabelecer entre nós. Minha guarda permanecerá bem levantada em relação a isso. - Depois a sensação é indescritível. Ele está se alimentando de mim. - completo, deslumbrada.
Ludmilla acena. Seu rosto fica meio tenso enquanto me observa.
- Você se ressente de mim por forçá-la a ter o meu filho?
Detecto amargura em seu tom e olhar.
- Não. - digo do fundo da minha alma. - No começo, sim. Mas depois que soube que ele estava dentro de mim, eu só o amei incondicionalmente. - continuo olhando-a dentro dos olhos. - Michael é o meu menino amado, não importa como foi gerado. É meu filho.
Ludmilla me olha por um longo momento, algo cintilando em seus olhos verdes penetrantes. Então balança levemente a cabeça em concordância. Michael para de mamar e eu guardo o seio, meu rosto corando porque consigo sentir o olhar de Ludmilla queimando em cima de mim.
- Me deixe colocá-lo para arrotar. - pede, me surpreendendo mais uma vez. Olha aí... Ela se levanta e vem pegar o bebê. Fico boba com o jeito cuidadoso e habilidoso com que pega Michael. - Eu posso ter feito um curso prático também...- completa, aconchegando nosso pequeno contra o peito, passando a bater levemente em suas costinhas.
- Você pode ter feito ou fez? - questiono, levantando uma sobrancelha. Estou completamente atordoada com sua habilidade.
O indício de sorriso arrogante, que tanto mexia comigo no passado, tremula levemente em sua boca.
- Eu fiz. - murmura, os olhos segurando os meus. - Vou ser presente na vida de Michael, Brunna. - diz como se estivesse me desafiando a discordar.
Assinto. A cena deles dois, juntos, me toca profundamente. Tenho a impressão de que Michael será uma miniatura de Ludmilla. Percebi mais traços dela do que meus. Tirando o nariz, o resto é todo de Ludmilla. Pelo que vi dos olhos, acho que ficarão da cor dos dela também.
- Não estamos mais ligadas como esposas, Ludmilla. - seu rosto cai um pouco quando digo isso. - Mas sempre seremos as mães de Michael. Eu não vou colocar obstáculos quanto a isso.
- Obrigado, baby. - ela sussurra. Michael dá um pequeno arroto.
- Já lhe pedi para não me chamar assim. - repreendo-a.
- Desculpe. - ela não parece arrependida, no entanto. - Vou tentar me policiar mais, prometo.
Eu amoleço vendo-a segurar nosso filho.
- Prometa que vai colocá-lo sempre em primeiro lugar, mesmo que se case de novo e forme outra família...
- Eu nunca vou me casar de novo, Brunna. - ela me corta, parecendo irritada com as minhas palavras. - Não com outra mulher sem ser você.
Eu engulo em seco.
- Não há mais relacionamento entre nós, Ludmilla. Somos as mães de Michael. Apenas isso. - rebato rapidamente.
Ludmilla suspira longamente, uma centelha magoada passando em seus olhos.
- Isso não faz o que sinto por você ir embora, Brunna. - murmura, com desolação. - Eu amo você, quer aceite ou não.
Eu meio que bufo.
- Você está dizendo isso por causa de Michael ou pela decepção que causou à sua avó. - resmungo e suspiro, cansada. - Não vou discutir isso com você. Esse assunto para mim está morto e enterrado. Tudo o que me importa agora é o meu filho.
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O acordo- Brumilla
FanfictionLudmilla Oliveira, é a CEO da LO Ocean Airlines, sediada em São Paulo. Uma mulher fria, implacável e cínica, que respira negócios. Aos trinta e sete anos nunca se permitiu viver nada além de sexo casual, usava com magnitude seu milagre entre as pern...