"O coração é a região do inesperado."
Estou terminando de arrumar a zona do meu quarto com a ajuda da vovó. Ela organizou todas as minhas caixas de sapato por modelo e cor. Respiro em alívio quando chegamos ao fim.
Após um banho rápido e uma maquiagem básica, troco de roupa, optando por um moletom amarelo de tecido felpudo e uma calça preta. Lanço um olhar triste para minhas caixas de sapato. Suspiro alto e entro em pânico.
– Merda, não tenho nenhum sapato legal para combinar.
– Como assim? – minha avó se sobressalta. – Taehyung, pelo amor de Deus, meu filho!
– É sério, preciso comprar um sapato novo – lastimo.
– Sabe o que Freud diria nessa situação? – ela não espera minha resposta. – Ele diria, com todas as letras, que essa sua fixação por sapatos nada mais é do que o seu eu tentando fincar os pés na realidade, buscando se fixar neste planeta, manter o equilíbrio.
– Uau, agora a senhora foi profunda.
– Querido, o que está acontecendo com você? – ela me encara, com aquele olhar astuto de quem já viveu de tudo. – Encoutrou-se com o Jungkook, não foi?
– Até você, vó? – revolto-me. – Eu sou tão transparente assim?
Ela me dá uma olhada de cima a baixo, e então sorriso brinca em seus lábios rosáceos:
– Está mesmo precisando de um solzinho. Você está muito branquinho, meu filho, transparente é pouco.
– Vó! – como ficar bravo com essa pessoa?
– Meu bonequinho, com relação ao Jungkook, só joguei um verde e estou colhendo bem maduro. Esse reencontro não saiu como você esperava? – ela suspira, de forma apaixonada. – Ai, ele está bonitão, não é mesmo?
– Valeu hein, vó? – balanço a cabeça, inconformado.
Puxo a primeira caixa de sapatos que vejo, bem no alto de uma das pilhas. Esse sapato preto terá que servir. Deslizo os pés para dentro do calçado e dou uma olhada no espelho de corpo inteiro.
Combinei uma balada leve com o Jin após o jantar. Segundo ele, é um barzinho pequeno, bucólico, aconchegante, com som ao vivo e uma batida de maracujá dos deuses.
– Volto cedo, beleza? – dou um beijo na testa suada da vovó.
– Meu menino, tente relaxar, está bem? Você é muito novo para esse estresse todo, parece que está a ponto de explodir. E tenho medo de que nessa explosão, você acabe se machucando e aos que estão à sua volta.
– Sábio conselho, vó. – meus lábios desenham a linha de um sorriso. – Obrigado.
[ breaking of time]
A baladinha se mostra mais agradável do que o esperado. O bar está cheio, a banda toca um rock iternacional de qualidade e a companhia não poderia ser melhor.
Adoro conversar com Gasparzinho. Sem trocadilhos, ele pega o espírito da coisa e consegue elevar qualquer astral pisoteado. Meu amigo tem uma aura poderosa, que abraça qualquer um que se aproxime.
Essa batida de maracujá é das alturas, tanto que já estou acima do teor alcoólico recomendado. O riso é frouxo e agora engatamos uma conversa nada a ver, falando sobre a mudança de consciência da humanidade e o fim do mundo Maia que deixou a desejar em 2012.
Jin é todo ligado nessa coisa de misticismo e eu sempre evitei o assunto a todo custo. Também, pudera: qualquer aroma de incenso ou penduricalhos esotéricos lembravam a minha mãe. A paranoia passou, mas ainda há um resquício de raiva bem guardado no fundo do meu eu.
– Vamos dançar. – ele empurra a cadeira e se levanta, estendendo-me a mão.
Você, que está lendo isto, não se espante. Jin não está apaixonado por mim. E eu tenho certeza de que ele tem um rolo com alguém importante.
– Sabe que não sei dançar e vou pisar no seu pé.
– Ah, vamos nos divertir, Tae!
– Certo, mas eu avisei.
Felizmente, com álcool na cabeça, tudo é lindo. Nesse caso, atrelo-me a Jin, ali na calçada mesmo, e começamos a dançar como boa parte dos casais. Massacro seus pés e ele apenas ri, como se estivesse blindado.
Três músicas depois, estamos suados, cansados e rindo sem controle. Um tanto cambaleantes, voltamos à mesa, pedindo agora mais uma rodada de soju.
– Droga, Tae. – Gasparzinho baixa a cabeça e franze os lábios. – Não olhe para trás.
– O que foi? – exalto-me.
– Promete não olhar.
– É ele, não é? – fecho os olhos, maldizendo minha sorte.
– Merda, ele me viu. – Jin começa a narrar a aproximação. – Está vindo para cá e se prepare, porque ele não está sozinho.
– Mas que porra! Ela não estava num congresso?
– Congressos não duram a vida toda, Taehyung. – Jin se levanta, alegremente. – Jungkook! Como está, cara?
– E aí, meu amigo? Tudo bem com você?
Minha garganta se fecha e eu viro o restante da garrafa de soju numa golada só. Meus ossos estão congelados e minhas extremidades esquentam de nervoso. Tem algo dentro do meu estômago se remexendo. Não são borboletas, está mais para um bando de morcegos vampiros.
Não sei se ele havia me visto, mas, agora que seus olhos escuros estão sobre mim, noto certo desconforto. Não me mexo, nem penso em levantar daqui. Do jeito que estou, e bem capaz que eu caia de cara no chão. Divertido, não?
Cumprimento Jungkook com um aceno de cabeça e ele faz o mesmo. Então, desvio olhar para aquela baranga agarrada ao braço dele. Como assim a filha do capeta ficou mais bonita? Eu me odeio!
Joohyun está alta, usando saltos impossíveis para Seonggi. Seus anos de balé lhe conferem aquela postura ereta, clássica, digna das divas. Os cabelos estão hipercompridos, castanhos e ondulados nas pontas. Os olhos se fixam na minha pessoa e eu estou morrendo de vontade de falar um tremendo palavrão.
– Como vai, Taehyung? Há quanto tempo, não? – a voz dela perfura os meus tímpanos.
– Como está, Joohyun? – entro no jogo e lanço meu melhor sorriso falso.
– Soube que veio para ficar, é verdade?
– Tudo é possível. – tento cortar o papo, mas ela continua:
– Nesse caso, mandarei um convite para a pousada. – ela checa as unhas cor de fogo e estreita os olhos na minha direção. – Dengo e eu nos casaremos dentro de algumas semanas.
Dengo? Puta que me pariu.
– Adoraríamos a sua presença. – ela continua.
E não é que a provocação da biscate funciona? O chão acaba de sumir debaixo dos meus pés. Meus olhos correm para Jin e noto que meu amigo está tão abismado quanto eu. Jungkook limpa a garganta e o momento tenso se disfaz, como que por encanto.
– Se eu ainda estiver por aqui, será um prazer – forço-me a responder.
– Ótimo! – ela se agarra mais firme no abraço de Jungkook, dando-lhe um selinho no canto dos lábios. – Vamos, dengo?
Um tanto embaraçado, o Jeon alisa a franja para trás, de maneira nervosa. Seus olhos se atiram dentro dos meus por poucos segundos e é o bastante para me deixar em chamas.
A mimada cutuca sua barriga e ele parece acordar de um sonho particular, apressando-se em se despedir:
– Nos vemos por aí, até mais.
•
dengokkkkkkkkkk
VOCÊ ESTÁ LENDO
the perfect man | taekook
FanfictionComo quase todo ser humano beirando os 30 anos, Taehyung é um pouco pirado. Cheio de medos, alguns desejos, um passado que insiste em voltar de vez em quando e um futuro nebuloso. Aos 18 anos, ele deixou o homem perfeito escapar e, quando se arrepen...