Capitulo 5

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A noite chega indesejada e nebulosa, vista das janelas amplas da sala de estar. Resmungo e puxo a coberta para cima da cabeça, mas não antes de ver a face estoica do relógio de meu avô no canto. Escolhi a sala de estar para dormir porque é o único cômodo da casa no qual há apenas um relógio. Durante toda a noite eu me permiti admirar o relógio de madeira, desde que não olhasse para o mostrador. A última vez em que o vi eram 2 horas da manhã. Agora, são 6 horas. Isso significa que, pela primeira vez desde a morte de Chloe, eu dormi por quatro horas consecutivas.

Também quer dizer que o primeiro dia de meu último ano na escola começará em duas horas. Não estou pronta para isso. Afasto os cobertores e me sento. Pela janela, vejo que não está claro, nem escuro, mas cinza. Parece que está frio, no entanto sei que não está. O vento sopra pela grama alta na varanda de trás, fazendo a vegetação parecer um grupo de dançarinas de hula-hula. Tento imaginar como está o mar nesta manhã. Pela primeira vez desde que Chloe morreu, decido conferir.

Abro a porta de correr de vidro para a brisa quente de agosto. Com um salto do último degrau da varanda, meus pés descalços se afundam na areia fria. A praia é particular, e envolvo meu corpo com os braços, pegando o caminho entre as duas enormes dunas na frente da casa. Depois dela, vejo um monte pequeno, mas suficiente para bloquear minha vista do mar na sala de estar. Se tivesse dormido no meu quarto ontem à noite poderia estar aproveitando o sol de minha varanda no terceiro andar.

Porém meu quarto me faz lembrar de Chloe em tudo. Não há nada em minhas estantes, mesa e armários que não tenha algo a ver com ela. Prêmios, fotos, maquiagem, roupas, sapatos, bichos de pelúcia. Até mesmo minha roupa de cama — uma colcha de retalhos com fotos de nossa infância que fizemos para um trabalho da escola. Se eu tirasse de meu quarto tudo o que tem a ver com Chloe, ele ficaria vazio.

E é como me sinto por dentro.

Paro a alguns metros da areia molhada e me abaixo, encostando os joelhos no peito. A maré da manhã serve de companhia quando não queremos ficar perto das pessoas. Acalma e conforta sem pedir nada. O sol, porém, pede. Quanto mais alto fica, mais eu me lembro de que nada detém o tempo. Não há como escapar dele. Ele escorre esteja você observando o relógio de seu avô ou o sol.

Meu primeiro dia de aula sem Chloe chegou.

Seco as lágrimas de meus olhos e fico de pé. Retorço os dedos na areia a cada passo que dou em direção a casa. Minha mãe espera por mim nos degraus da varanda de trás, alisando seu roupão com uma das mãos e segurando uma xícara de café na outra. Contra a casa cinza de praia, ela parece um fantasma com o roupão branco — a diferença é que um fantasma não tem cabelos longos e escuros, olhos surpreendentemente azuis nem bebe café. Ela sorri da maneira como uma mãe sorriria a uma filha que está tomada pela dor. E isso me dá vontade de chorar ainda mais.

— Bom dia — diz ela, dando um tapinha na madeira a seu lado. Eu me sento e me inclino na direção dela, e permito que ela me abrace.

— Bom dia — respondo.

Ela me entrega a xícara e tomo um gole.

— Faço seu café da manhã? — Ela aperta meu ombro.

— Obrigada, mas não estou com fome.

— Você precisa de energia para seu primeiro dia de aula. Posso fazer panqueca. Torrada. Tenho os ingredientes para preparar uns ovos mexidos.

Sorrio. Ovos mexidos são o meu prato preferido. Ela pega tudo o que encontra e coloca em meus ovos: cebola, pimentão, cogumelo, batata, tomate e o que fica bom ou não em uma omelete.

— Claro — digo, e fico de pé.


Do banheiro, sinto o cheiro da mistura e tento descobrir o que ela colocou nos ovos enquanto saio do chuveiro. Parece que tem jalapeños, o que me deixa um pouco animada. Jogo a toalha na cama e tiro uma camiseta de um cabide do armário. Eu não estava no clima de ir ao shopping comprar roupas novas para ir à escola, então meus colegas terão que aceitar minhas roupas velhas: camiseta, jeans e chinelo. É o que todo mundo vai usar daqui a duas semanas, mesmo. Torço os cabelos em um coque alto e o prendo com um lápis. Pego a bolsinha de maquiagem e paro. Rímel hoje não é uma boa ideia. Talvez um pouco de base seja bom. Pego o frasco — a base é "porcelana". Eu a jogo sobre a penteadeira com raiva. É como passar corretivo branco em uma folha branca... Não faz diferença. Além disso, posso ser porcelana sozinha. Sou praticamente feita de porcelana nesses últimos dias.

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