Eu pego a base e espalho porcelana por todo o meu rosto.
A pressão faz com que eu contorça o rosto e manda uma onda de dor às minhas órbitas. Pelo menos não tenho um hematoma. Hematomas — e espinhas — aparecem bem em peles claras. Passo um pouco de brilho labial e me observo na frente do espelho. E então tiro o brilho. A quem quero enganar? Esse negócio grudento vai me atrapalhar o dia todo. O rímel ri de mim na pia do banheiro e me desafia a passá-lo. Eu aceito o desafio — não estou correndo o risco de chorar hoje. Pego o frasco, passo duas boas camadas. É engraçado como um pouco de descanso, um pouco de maquiagem e bastante reflexão podem fazer com que você se sinta uma pessoa diferente — uma versão mais forte de si mesmo.
Minha mãe quer que eu fique longe da escola por mais um dia. Mas não vai rolar. Passei o dia todo ontem na cama, alternando choro e sono. Por fim, à meia-noite, a fonte secou e meu cérebro começou a funcionar. E tomei uma decisão:
Chloe se foi. Nunca mais vai voltar. E o modo como tenho agido a machucaria. Por pelo menos uma hora, troco de lugar com ela em minha mente — estou morta e Chloe está viva. Como ela lidaria com isso? Choraria. Ficaria triste. Sentiria minha falta. Não pararia de viver, porém. Deixaria as pessoas confortarem-na. Dormiria em seu quarto e sorriria para as lembranças enquanto adormeceria. E provavelmente agrediria Galen Forza. O que me leva a outra coisa que decidi:
Galen Forza é um idiota. Os detalhes são incertos, mas tenho certeza de que ele teve algo a ver com meu acidente na segunda-feira. E ele é um pouco esquisito. Além do hábito de encarar, ele fica aparecendo em todos os lugares. Sempre que aparece lido com a situação como um elefante pisando em ovos. Então vou alterar minha grade assim que chegar à escola. Não tenho motivos para me humilhar em sete aulas por dia.
Sorrio com satisfação por causa de meu plano conforme puxo uma cadeira da mesa. Minha mãe prepara ovos mexidos de manhã de novo, e dessa vez eu os como. Até repito. Ela coloca um copo de leite sobre a mesa para nós dividirmos. Sem querer, bebo tudo. Nem sequer olho para o jogo americano de meu pai. Nem para o de Chloe.
— Você deve estar se sentindo melhor, então — diz minha mãe. — Mas queria que você ficasse mais um dia em casa. Poderíamos ter um dia de meninas, você e eu. Alugaríamos uns filmes de mulherzinha, comeríamos chocolate com refrigerante diet, fofocaríamos. O que me diz?
Eu rio, o que faz minha cabeça latejar como se meu cérebro estivesse tentando escapar. Falando desse jeito, ficar em casa se torna algo tentador, e não só por causa do chocolate. Observar minha mãe tentando agir como menina seria divertido. A nossa última tentativa de ter um dia de mulherzinha começou com pedicure e terminou com uma corrida de caminhões. Isso aconteceu há cinco anos. Assim como sua última ida à pedicure.
Ainda assim, já decidi que hoje começa o restante de minha vida normal. Levar um edredom e dois litros de sorvete para o sofá parece um pretexto, e tentar outra corrida de caminhões é algo tão absurdo quanto ganhar mais uma narina. Ao pegar meus pratos e levá-los à pia, declaro:
— Na verdade, quero ir à escola. Para mudar o cenário, sabe? Posso deixar para a próxima?
Ela sorri, mas sei que não é sincero, porque ela não semicerra os olhos.
— Claro. Fica para a próxima.
Concordo e pego as chaves de meu carro. Antes de eu acender a luz da garagem, ela vem atrás de mim e puxa minha mochila.
— Quer ir à escola? Tudo bem. Mas você não vai dirigir. Dá a chave.
— Estou bem, mãe, de verdade. Até a noite. — Dou um beijo em seu rosto e me viro para a porta de novo.
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Poseidon
RomanceAlém da beleza fora do comum, com seu cabelo quase branco e seus olhos cor de violeta, Emma chama a atenção por ser um pouco desajeitada. Ela não se sente muito à vontade em lugar nenhum... e não sabe que sua misteriosa origem é a fonte dessa sensaç...