Você é um garoto?

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Não era mais o meu pai ali, era um monstro. Entreguei o celular por trás das costas a Taehyung para que ninguém visse. Estava ligando para a minha mãe. Ela pegou e correu escada a cima. Conforme me aproximava com a arma na mão, ele se afastava nervoso até tocar as costas na parede e não ter mais por onde fugir.

—Eu te odeio tanto, mas tanto!- comecei sentindo o peito doer. —Tenho nojo de ser seu filho.

—Vai se arrepender. -ameaçou com os olhos em chamas. Não tinha mais medo dele, não podia mais ter medo. Queria justiça, por mim, pela minha irmã, pela senhora Kim, pela mamãe e principalmente por Min Yoongi que foi humilhado e morto por algo que não fez.

Na minha cabeça toda a minha infância passou num flash. Eu não entendia, gostava da atenção que recebia, era colocado num pedestal, sempre tinha o que queria e talvez por isso consegui ignorar a forma como a minha irmã era humilhada, mal tratada, escravizada. Eu cresci aprendendo que homem é melhor que mulher, que mulher nasceu pra servir o homem, mas eu não quero uma mulher para trabalhar para mim. Tenho duas mãos e dois pés, sou perfeitamente capaz de fazer as coisas por mim e quero dar amor e não causar dor.

Esse tipo de amor doentio não existe. Se ele te bate então não te ama coisa nenhuma. Se me obriga a fazer algo que não quero só porque fica bonito ou porque acha ser o melhor para mim, então não me ama porque não me deixa crescer e aprender com as minhas escolhas, não me dá liberdade e não quer que seja independente. Não existe essa de educar através de violência e medo, ameaça. Bater numa criança não a educa, apenas lhe causa um sentimento de raiva crescente e cria futuramente uma pessoa frustrada que se predispõe a ter relacionamentos abusivos e aceitar que façam com ela barbaridades horríveis por dependência emocional.

Isso é amar? Então eu não quero amar e nem ser amado! Prefiro estar sozinho e não magoar ninguém. A senhora Kim estava assustada, implorava para que baixasse a arma mas não o faria. Eu não iria matar aquele merda, não valeria os anos que viveria atrás das grades. Apenas estava fazendo tempo até a minha mãe aparecer.

—Você não teria coragem!

Ri achando aquilo realmente engraçado, no final das contas ele não me conhecia minimamente. —Tem mesmo a certeza?- questionei retoricamente atirando e acertando de raspão na sua bochecha, quebrando o vidro da janela. Ele engoliu em seco e paralisou sentindo o pouco sangue sair quente da ferida. Bob latia muito avisando que talvez a minha progenitora tivesse chegado. A porta da frente foi arrombada. Os olhos dele quase saíram de órbita quando uma mulher alta, cheia de curvas sobre o uniforme e cabelos longos até a cintura entrou acompanhada de mais quatro policiais.

Foi rápida em algemá-lo e mandar os colegas colocá-lo na viatura. Ela se aproximou de mim, não a via há nove anos. Mamãe me encarou por um tempo, era pouco mais alta que eu agora, pegou a arma da minha mão com cuidado, não fiz questão de resistir, e depositou um beijo na minha testa. Sorri involuntariamente e senti os olhos marejados. Ela viu a senhora Kim no canto e a levou para o sofá explicando tudo com calma e prometendo resolver. Taehyung desceu as escadas com o celular na mão. O olhar da mamãe se iluminou e abraçou a minha irmã com força.

—Você foi tão corajoso!- Não prestei muita atenção nisso embora tivesse me sentido atordoado. Era muita informação para o meu cérebro.

Nessa noite não dormi. Fiquei acordado falando com Hobi que não conseguia estar naquela casa sem que as lembranças que teve com o namorado o sufocassem. Quando amanheceu foi estranho não ouvir gritos pela manhã. Decidimos não ir à faculdade hoje para ajeitar as coisas. A senhora Kim não conseguia pagar aquela casa sozinha então tínhamos de fazer as malas e procurar um novo sítio para morar.

—Mãe!- ela chamou correndo com o celular na mão. —Papai falou para morarmos com ele!- o seu sorriso murchou quando a mais velha disse que não. Em parte entendia, viver sobe o mesmo teto que o ex marido poderia ser estranho, mas o senhor Kim era simpático e queria nos ajudar, achei um pouco de falta de senso ou um orgulho idiota.

O Meu Corpo Não Me DefineOnde histórias criam vida. Descubra agora