Capítulo 14

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CRISTOPHER

Finalmente conseguimos sair do chalé para aproveitar um pouco da viagem. Havíamos ficado por quase três dias inteiros presos por conta da chuva, e tínhamos somente mais um dia para aproveitar o máximo que podíamos. Tentei fazer de tudo para distrair Ingrid, para que não ficasse chateada, afinal ela queria tanto essa viagem. Se eu pudesse dar um jeito de fazer a chuva parar lá fora teria feito o que fosse preciso. Mas essa era só umas das coisas que não tínhamos controle na vida...

Outra coisa que eu não tinha controle era sobre minha língua, que falava demais.

Em uma conversa com ela, acabei soltando algo sobre "mais que amigos" e imediatamente me repreendi em pensamento. O que eu estava pensando? Eu gostava dela... Mas o medo de estragar tudo me consumia e me deixava apavorado. Mesmo que ela gostasse de mim e ficássemos juntos... bem, relacionamentos as vezes não dão certo, não é mesmo? E se um dia ela acordasse, olhasse para mim e visse que eu não era o homem de sua vida? Daí, teríamos jogado nossa amizade pelo buraco.

E mesmo com tudo, eu gostaria mesmo de manter a amizade dela para toda a vida. As pessoas correm atrás de muitas coisas durante toda suas vidas, e esquecem de dar valor nas pequenas coisas que fazem toda a diferença. A amizade de Ingrid podia até parecer algo normal para muitos, mas para mim não era só uma amizade. Era um presente. Ela sempre estava lá quando eu não estava bem, e nas minhas grandes conquistas sempre pude receber suas felicitações... porque eu desprezaria algo tão valioso assim? Por isso a ideia de perder a amizade dela me apavorava tanto.

Isso não podia acontecer.

Minha mãe me ensinou o valor das pequenas coisas e das pessoas em nossas vidas. Reclamamos muito pelo que não temos e não olhamos para o que temos, tornando nossas vidas dramáticas e tristes. Reclamamos de quem se foi, e não agradecemos por quem ficou; reclamamos da falta de novidades, e desprezamos o fato de que cada dia já é algo novo; dizemos que não temos, mas quando temos não ligamos de verdade... Por isso, eu não me lamentava por não ter nada com a Ingrid. Mas era grato pelo simples fato de poder ver o seu sorriso todos os dias.

Se tivesse que acontecer algo, aconteceria.

Saímos do chalé para almoçar fora e passear um pouco. Tentei não me mostrar estranho, mas por dentro estava nervoso com a possibilidade dela estar pensando na conversa do dia anterior. Mas ela parecia normal. Talvez eu estivesse muito paranóico... nem sei o que estava pensando quando disse aquilo. Olhei o momento e imaginei toda uma cena romântica na minha cabeça. Daí resolvi falar... e acabei estragando tudo. Eu mesmo estraguei tudo. Deveria ter deixado ela pelo menos terminar de falar.

Uma dúvida ficava indo e voltando toda hora: o que ela teria falado se eu não tivesse interrompido? O medo falou mais alto que a esperança, assumo.

- Quero uma macarronada! - Ingrid falou ao ver o cardápio. Havíamos parado em um restaurante italiano excelente. - Soube que a macarronada daqui é algo de outro mundo.

- Vou querer também. - Falei ao garçom e ele se retirou. - Finalmente pudemos sair, não é? - Sorri para ela.

- Até que eu estava gostando de ficar por lá. É bem divertido ficar com você. - Ela me olhou nos olhos. - Podemos falar sobre ontem?

- Sobre o quê? - Quase engasguei com a água que estava tomando. - Sobre o que quer falar?

- Sobre o que você disse, oras. - Ela sorriu.

- Eu disse muita coisa. Eu falo demais, para ser sincero.

- Cris...

- Só me diz: eu vou acabar arrasado com essa conversa? - Baixei o olhar. - Só me fala que não vai deixar de ser minha amiga, independentemente do que vier agora.

- Cris...

- Tenho medo do que vai vir.

- Fica quieto. - Ela riu. - Quando está nervoso fala demais. - Ela realmente me conhecia muito bem. - Não fale nada até eu terminar, ok? - Assenti. - Certo. O que você falou ontem, sobre sermos mais que amigos... preciso ser sincera e assumir que nunca tinha pensado nisso antes. Não de uma forma tão séria, e ficava entre dois pensamentos sem ter certeza de nenhum. Nossa amizade não é só importante para você, mas também é para mim e o medo de perdê-la é gigante. Mas aquilo que você falou... abriu os meus olhos.

"Sempre me vi no futuro ao seu lado. Sempre rindo, um participando em tudo da vida do outro... e tinha receio de pensar além disso. Mas ontem, antes de dormir, consegui imaginar algo a mais. Consegui me imaginar como alguém que era mais que uma simples amiga e... gostei realmente disso. Gostei de imaginar que eu podia ser a pessoa que fazia seu coração bater mais rápido, ser a pessoa que um dia você chamará de esposa e que vai dividir todas as alegrias da vida.

"Sabe o que percebi com tudo isso? Que na verdade eu nunca tive olhos para outra pessoa. E não porque não tentava... Era porquê querendo ou não, eu só tinha meus olhos voltados para você. E não adianta mais nenhum de nós dois tentar negar isso, não acha?

"Quem melhor para me completar do que meu melhor amigo? Você me conhece, me entende... além do que consigo ver amor em seus olhos. Sempre quis alguém que cuidasse de mim e esse alguém estava ao meu lado por dezoito anos! Imagina que lindas histórias teremos para contar aos nossos pequenos? Não temos só alguns meses juntos... temos uma vida inteira. E porque não continuar nossa vida juntos daqui para frente? Juntos, de outra forma.

"Eu amo você, Cristopher Davies. Há mais tempo do que imagina... só não tinha percebido isso antes."

Ok, isso me surpreendeu. Sempre achei que se alguém tivesse de se declarar primeiro, esse alguém seria eu. Ingrid me pareceu mais corajosa do que nunca.

- Ingrid... Tenho medo de não dar certo e acabarmos...

- Não pense que vai dar errado antes de começarmos, Cristopher! Nem ouse! - Ela me ameaçou. - Se não for para fazer uma declaração, nem abra a boca!

- Vamos começar alguma coisa?

- Não vamos?

- Eu não sei...

- Já começamos! Está decidido. - Ela sorriu para o garçom quando ele voltou com nossos pedidos. - Obrigado.

- Você está falando sério? - Perguntei.

- Brincando que não estou. - E começou a comer.

Terminamos de comer e Ingrid agiu como se tudo estivesse normal. Realmente não sabia o que pensar... por isso só concordei com tudo. Mas não estava conseguindo acreditar. Estávamos mesmo juntos? Como um casal? Céus, achei que teria uma reação melhor que essa que estava tendo. Parecia um bobo. Passamos a tarde fora e conseguimos fazer a trilha nas montanhas como planejado; isso ocupou toda tarde, mas valeu a pena. A vista daquele lugar era incrível. Conseguíamos ver até nosso chalé dali.

- Caramba, aqui é incrível! - Ela disse e logo em seguida pegou minha mão. - Feliz de estar aqui com você!

- Para você é realmente tão fácil assim? - Não aguentei e soltei essa pergunta.

- É. Só não pensar muito. Pensar demais complica tudo.

- Mas...

- Não pense. Viva o momento! - Falou.

Certo. Viver o momento. Olhei para ela e sorri, grato por ela estar comigo ali, compartilhando aquela vista maravilhosa. Se era para viver o momento... que fizéssemos direito. Delicadamente, peguei o queixo dela e virei seu rosto em direção ao meu. Dei um sorriso satisfeito ao ver sua cara de surpresa e a beijei em seguida. O sol não estava se pondo, mas o céu estava numa tonalidade laranja linda. Tudo parecia contribuir para que aquele momento fosse perfeito.

Quando nos separamos, Ingrid sorriu lindamente.

- Viu só? Melhor é não pensar demais. - E me beijou outra vez.

Ela estava certa.

Talvez eu devesse mesmo parar de pensar tanto. Quanto tempo perdi? Podia já ter começado uma linda história, se fosse um pouco mais corajoso.

O comitê Onde histórias criam vida. Descubra agora