Capítulo 1. Acordar

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7h33 - casa Ana Mails
É sempre assim, todos os dias, exceto sábado e domingo, eu pulo da cama às 7h33, acho que todo mundo que tem conhecimento sobre esse meu costume, me pergunta o porquê de ser 7h33, e eu sempre respondo: 7h30 é cedo e 7h35 tarde demais. E isso tem muito sentido, 3 minutos a mais de sono e 2 minutos a menos podem comprometer minha impecável marca de 0 atrasos no trabalho.
Eu tenho que chegar no meu quase querido trabalho às 8h, o chamado Kafé da Ka, que fica na esquina da minha casa, e lá eu sou a mais querida e odiada garçonete de todo o café, amada pelos nossos clientes antigos, e odiada pelos clientes que estudam na escola Municipal de Santa Helena, digamos que eu sou um pouco rígida demais quando eles resolvem subir nas mesas ou simplesmente empilhar cerca de 10 xícaras de porcelana depois de tomarem cappuccino.
17h55 - Kafé da Ka.
Agora é a hora que eu demonstro ser tipo uma atleta olímpica de atletismo, eu saio do café às 18h e 19h15 eu preciso estar na sala de aula da Faculdade, e por incrível que pareça eu sempre consigo. Chego em casa e sempre dou de cara com a Sr. Helen Mails, mais conhecida como mãe, que sempre me dá um beijo na testa.
Casa Ana Mails - 18h06
- Ana, hoje a mamãe fez aquela torta que me pediu na semana passada...
- Caraca mãe, essa frase salvou o meu dia.
- Eu sempre salvo seu dia quando faço o quer né mocinha?
- Claro, a minha e a do Dudu, falando nele, cadê aquele carinha que acha que é legal?
- Ele com certeza está no quarto dele imaginando que é um caçador de dinossauros.
Eu além de ter uma mãe da hora, tenho um irmão mais da hora ainda, só não posso falar isso para ele. Faz parte da minha rotina maluca, chegar em casa e ir quase que direto para o esconderijo secreto do Dudu, que na verdade é só o quarto dele, e lá, durante pelo menos 10 minutos, eu sou a sua parceira de aventuras, às vezes sou a princesa perdida, às vezes sou a super heroína mais forte que já existiu, e às vezes eu sou a Ana, que é o papel que ele mais gosta de me dar.
19h13 - Faculdade.
Acho que eu amo o que eu escolhi fazer na faculdade, eu sempre me imaginei estudando tudo sobre gramática e literatura, conhecendo escritores enormes e amando os escritores pequenos, entendendo melhor como o mundo das palavras unidas podem transformar coisas, e sempre que eu sento nessa cadeira, mesmo que por uns poucos minutos, eu paro e consigo ter a certeza que Letras é o único curso que me faria correr como uma atleta olímpica de atletismo.
A Faculdade fica a poucos minutos da minha casa, mas quase sempre eu pego ônibus com o Seu Manoel, o motorista que me deixa na porta da faculdade, mesmo lá não sendo um ponto de ônibus, e eu tenho certeza que o seu Manoel será uma das primeiras pessoas que eu vou chamar para a minha colação de grau. Eu pego o ônibus em frente ao café, e no próximo pronto, Laura entra; Laura, minha melhor amiga, de ônibus, de faculdade e da vida, Laura é um pouco diferente de mim, na verdade muito diferente, primeiramente, ela é hetero, ela faz Direito e é super vaidosa e popular, eu sou bem lésbica, faço letras, uso all star e camisa e não sou nada popular.
20h45 - faculdade
- Ei meu brigadeiro com Morango. (Laura sempre me chama de nomes de sobremesas, o que eu nunca entendi bem, mas eu me sinto querida, já que ela ama doce)
- Ei formiga, por quê já está de mochila, Laura Gomes?
- Preciso encontrar o Pedro e dormir na casa dele, 1 ano de namoro, você pode me encobrir? Diz que sim meu mouse de chocolate.
- Tudo bem, talvez eu possa fazer isso, se amanhã você for me fazer uma visita no café.
- Claro, tá super combinado, preciso ir, tchauzinho.
- Tudo bem, use camisinha eu não quero ser tia ainda.
- Ai meu Deus, você é nojenta Ana, mas eu te amo mesmo assim, tchau tchau baby.
Eu sou uma boa amiga, ou pelo menos acho que sim, sempre ajudo a Laura em tudo, desde pequena a ensino português, sempre a ajudo nas entregas da sua lojinha de doces no final de semana, sempre a encubro para que ela fique com o Pedro, e principalmente sempre estou aqui para quando ela precisa de conselhos e de amor, e o melhor é que é tudo recíproco, se eu tivesse que citar tudo que Laura fez e faz por mim, talvez eu precisasse de dias e mais dias, nossa amizade é tudo que eu sempre sonhei nos meus sonhos mais sonhados sobre melhores amigas.
22h23 - Casa Ana Mails.
O beijinho na testa da mamãe sempre acontece assim que eu dou dois passos depois da porta, ela parece fazer tudo exatamente calculado e planejado, e eu gosto disso, talvez eu tenha puxado esse lado dela. Eu sempre chego esse horário em casa, e como se não desse pro Seu Manoel ser mais perfeito, ele ainda me deixa na porta de casa na última rota do dia dele, e com isso, eu sempre chego em casa antes das 22h30, e isso é ótimo, porquê tenho um certo tempo antes de dormir, consigo escrever um pouco, ou bricar com o Dudu, ou simplesmente assistir um pouco de tv com a mamãe, e qualquer uma dessas opções fecha o meu dia com chave de ouro.
7h33 - Casa Ana Mails.
- Eita, hora de acordar.

Acordar

Acordar pode ser levantar,
ou pode ser amar;
acordar pode ser enfrentar,
ou pode ser descansar.

Acordar pra vida,
ou para como se lida
com a partida
ou com a vinda.

Acordar pro amor
ou para a dor,
dor do coração
ou da decisão.

Acordar com o despertador,
te acordando com desamor,
acordar aos poucos,
tomar cuidado com ocos.

8h03 - Kafé da Ka.
Pela primeira vez, em 1 ano, 2 meses e 13 dias eu chego atrasada no trabalho, 3 minutos, quebrei minha inigualável marca de 0 atrasos com um atraso de 3 minutos, eu sou patética, eu poderia ter quebrado minha marca com algo mais radical, tipo 2 horas de atraso porquê passei a noite toda acordada andando pela cidade com minha namorada, mas como não tenho namorada isso não é possível, então tudo bem, aceito que minha marca foi quebrada por um atraso de apenas 3 minutos, causado pelo fato de ter tido uma ideia sobre um poema 5 minutos antes de sair de casa.
Kamila nem notou meu atraso, quem notaria um atraso de 3 minutos? Kamila é minha chefe, a gerente e dona do café, ela é uma mulher admirável, chegou na cidade depois de um divórcio terrível, dizem que o ex marido dela a deixou para casar com uma mulher 20 anos mais velha que ele, ela nunca confirmou, apenas diz que ela era demais pra ele, e essa história com certeza é melhor do que a contam por aí; Kamila chegou aqui com pouco, mas com esse pouco montou o Kafé da Ka, que é o lugar mais charmoso de Santa Helena.
O Kafé da Ka tem uma decoração chique e autentica ao mesmo tempo, bancos de madeira com acolchoados vermelhos, algumas cadeiras são de ferro escuro e outras de madeira envelhecida, as mesas são redondas, a maioria com um banco que as contornam por inteiro, que segundo Kamila, é para que as casais apaixonados possam ficar ainda mais grudadinhos, tem luzes por todo o lado, alguns piscas piscas, como os de natal, janelas de vidro longas em volta de todo o café, que fica numa esquina linda, plantas na entrada, um piso madeira claro e um cheirinho constante de café sendo moído e pão de queijo sendo assado, eu gosto daqui.
10h16 - Kafé da Ka
Olha quem vem vindo, Laura e Pedro, fazendo a visita que ela havia me prometido, ainda bem que eles vieram no melhor horário, entre 10h e 12h30 eu tenho um pouco de paz, antes das 10h todos os idosos de Santa Helena resolvem tomar café aqui, e depois de 12h30 aqueles estudantes da escola Municipal vem tomar cappuccino e empilhar xícaras, às 10h16, além dos funcionários e de alguns clientes vez ou outra, só tem a Dona Eunice, que passa boa parte do dia dela aqui, lendo revistas de fofocas e tomando café o tempo todo.
- Chegou sua prometida visita bombom!
- Era o mínimo que você tinha que fazer a essa rainha, incrível e perfeita que te ajuda em todas as suas noites de amor. E aí Pedro, tudo certo?
- E aí Ana, tudo na mais perfeita ordem.
O Pedro parece ser um garoto legal, digamos que ele não me dá muito espaço, e que talvez ele tenha um tantinho de ciúmes da Laura comigo; sabe quando as pessoas reclamam que os amigos se distanciam quando começam a namorar? Então, disso eu nunca pude reclamar, Laura e Pedro namoram faz um bom tempo, mas nunca senti que estava perdendo minha melhor amiga para o namorado dos sonhos dela.
- E aí, o que vocês vão querer hoje? Tem aquele bolo que você ama Laura, saindo do forno agora.
- Com certeza quero um pedaço, e também um café, com pouco açúcar Ana, por favor! (Laura ama açúcar, menos no café, ela diz que é a única parte amarga da vida dela)
- Deixa comigo, e você Pedro?
- Só um cappuccino com chantilly, por favor.
- Então tá bom, dobro de chantilly.
A minhas conversas com Pedro sempre são assim, curtas, eu sempre falo algo no fim e ele responde com um sorriso leve, algum dia pretendo conversar com ele, mas eu não sou muito boa em conversas, então prefiro esperar uma oportunidade que seja mais favorável, talvez um momento que a Laura não esteja, o que é bem difícil, mas às vezes acontece.
- Brigadeirinho, precisamos ir agora, o Pedro precisa estudar e eu preciso ir ao shopping com a mamãe, nos vemos mais tarde?
- É claro, nos vemos sim, podemos ir comer na lanchonete do Tio Rami depois.
- Podemos, claro que sim.
- Laura, talvez você já tivesse um compromisso. Disse Pedro.
- Pedro, depois falamos sobre isso.
- Nos vemos mais tarde Ana, tchau, beijo.
- Beijo, tchau Pedro.

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